09 Fevereiro 2018
“Quando se trata da crise que devastou a Igreja, parece que Francisco, cada vez mais, está apenas oferecendo mais do mesmo – ou pior. Ele pode não estar inclinado a julgar, mas a Igreja e o mundo estão olhando e não vão hesitar em fazer exatamente isso. Francisco exigiu a responsabilização de padres e bispos, e agora ele mesmo deve ser responsabilizado.”
Publicamos aqui o editorial da revista Commonweal, 06-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde o momento em que o Papa Francisco apareceu pela primeira vez na sacada acima da Praça de São Pedro, ele mostrou um dom para os gestos aparentemente improvisados e os comentários sem roteiro. Referindo-se a si mesmo simplesmente como bispo de Roma, ele olhou para a multidão e disse: “Gostaria de dar a bênção, mas antes, antes, peço-lhes um favor: antes que o bispo abençoe o povo, peço-lhes que vocês rezem ao Senhor para que me abençoe”.
Foi um começo inesperado, até mesmo fascinante, para o seu pontificado, um sinal de que ele poderia conceber o ofício de uma maneira que era diferente da de seus antecessores.
E, em sua maior parte, Francisco realmente mostrou um contraste com o professoral Bento XVI e com o “maior-do-que-a-vida” João Paulo II. O estilo livre do papa é, na melhor das hipóteses, um complemento à sua ênfase na misericórdia e aos chamados a ir ao encontro daqueles que estão nas margens.
O abraço de Francisco em um homem desfigurado por furúnculos tornou-se uma das imagens icônicas do seu papado. Suas considerações extemporâneas à imprensa no avião papal geram de forma confiável tanto elogios, quanto polêmicas. Foi durante uma dessas sessões que ele proclamou: “Quem sou eu para julgar?”. Da simplicidade de suas vestes à sua descrição da Igreja como um “hospital de campanha”, ele não é alguém obcecado com regras e formalidades.
Mas, enquanto o papado de Francisco se aproxima da marca de cinco anos, os limites dessa abordagem se tornaram aparentes. Em sua viagem de janeiro ao Chile, Francisco enfrentou questões sobre sua controversa nomeação de Juan Barros como bispo de Osorno. O papa defende Barros há muito tempo, um bispo que foi credivelmente acusado de acobertar o abuso sexual de menores por parte de seu mentor, o Pe. Fernando Karadima, e, desta vez, não foi diferente. “Você, com toda a boa vontade, me diz que há vítimas”, disse Francisco, “mas eu não as vi, porque não se apresentaram”. Sem provas, ele descartou as acusações como “calúnia”.
Essa foi uma afirmação chocante e incrível. Karadima foi penalizado pelo Vaticano em 2011, e as vítimas testemunharam aos procuradores chilenos que Barros e outros testemunharam o abuso e não fizeram nada. Foi apenas por causa do estatuto das limitações – esclareceu o juiz na época –que Karadima não foi condenado e sentenciado – não porque as acusações contra ele fossem suspeitas. Quando Francisco nomeou Barros como bispo, isso ocorreu sob os protestos da Conferência Episcopal Chilena.
Uma reportagem da Associated Press informou que Francisco “parecia completamente inconsciente dos detalhes” do escândalo, levantando questões preocupantes sobre as informações que ele recebe e sobre sua abordagem para governar a Igreja. A mesma reportagem observou que Francisco “criou uma estrutura de informação informal e paralela que, muitas vezes, entra em atrito com os canais oficiais vaticanos”, e especulou que ele poderia estar se baseando no “instinto” e em sua própria rede de informantes, e não em “briefings de alta qualidade compatíveis com um líder mundial”.
O papa, sabidamente, guarda a sua própria agenda de visitantes e faz seus próprios telefonemas, todos da residência Santa Marta, mais acessível, e não do Palácio Apostólico. É um sistema que dificulta a responsabilização e que substitui o próprio temperamento, julgamento e conhecimento de Francisco por mudanças estruturais e reais.
Outras questões, ainda mais inquietantes, são levantadas por outra reportagem da Associated Press, que revela que Francisco “recebeu uma carta de uma vítima em 2015 que detalhava graficamente como um padre abusava sexualmente dela e como outros clérigos chilenos ignoravam isso” – clérigos que incluíam Barros.
Membros da Comissão para a Proteção de Menores, criada pelo papa, enviaram uma delegação a Roma, onde entregaram a carta nas mãos do principal assessor de Francisco sobre abusos sexuais, o cardeal Seán O’Malley, que, depois, entregou-a ao próprio Francisco.
Essas reportagens revelam as deficiências da impaciência de Francisco com os procedimentos estabelecidos e com os negócios pouco glamorosos de dirigir uma burocracia esclerosada. Nenhum problema ameaça mais o testemunho e a credibilidade da Igreja do que sua contínua resposta à crise dos abusos sexuais, e é imperdoável que Francisco tenha respondido do modo como fez. O fato de tudo isso ocorrer logo depois de deixar que a Comissão para a Proteção dos Menores caduque, é mais uma causa de alerta.
A carta que Francisco recebeu em 2015 contradiz diretamente sua alegação de que nenhuma vítima havia se apresentado no Chile e dificulta acreditar que ele estava defendendo Barros por ignorância. A eleição de Francisco, com sua promessa de devolver uma verdadeira medida de autoridade às Igrejas locais, deu nova vida à agenda de reformas do Vaticano II.
Mas, quando se trata da crise que devastou a Igreja, parece que Francisco, cada vez mais, está apenas oferecendo mais do mesmo – ou pior. Ele pode não estar inclinado a julgar, mas a Igreja e o mundo estão olhando e não vão hesitar em fazer exatamente isso. Francisco exigiu a responsabilização de padres e bispos, e agora ele mesmo deve ser responsabilizado.
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Pedofilia, tempo de julgar: Papa Francisco deve ser responsabilizado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU