07 Fevereiro 2018
Durante décadas, os moradores de Ermera, no distrito de Liquica, Timor-Leste, acordavam cedo todas as manhãs, subiam uma colina, coletavam água e desciam por quatro quilômetros novamente.
A reportagem foi publicada por La Croix International, 06-02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Eles tinham que competir com centenas de outros moradores para atingir dois poços velhos afundados durante a ocupação Indonésia. Na maioria das vezes, quando chegavam, tinham que esperar numa longa fila para poder tirar sua água.
Domingos da Silva era um deles. O homem de 67 anos costumava acordar às 5h da manhã e empurrar um carrinho cheio de recipientes de água até o morro, e repetir o mesmo processo à tarde. Ele diz que fez isso por mais de 60 anos.
Tudo isso terminou em outubro de 2016, graças a um projeto iniciado pelo Jesuit Social Service que trouxe água potável literalmente à sua porta.
Cerca de 40 famílias de sua vila beneficiaram-se desse projeto.
"Esperamos por isso por muito tempo. É um grande peso que sai das nossas costas. Não precisamos mais nos preocupar com água para cozinhar, beber, lavar ou para a lavoura”, disse Domingos da Silva.
"Agora tenho tempo e energia para fazer outras coisas importantes, como conseguir mais dinheiro para minha família", diz ele.
O dinheiro é curto, já que ele paga pela educação de seu filho na Faculdade Inácio de Loyola, em Kasait, a cerca de 15 quilômetros a oeste de Díli.
Agora ele vende lenha todos os dias. Também vende milho e outros vegetais, às vezes no mercado local, às vezes de porta em porta.
"No dia em que o abastecimento de água foi ligado na cidade foi um dos momentos mais felizes da minha longa vida", disse Izelda de Espiritu Santo.
Ela contou que ela e seus 12 filhos se revezavam para buscar água.
"A água deixou de ser um problema. Mas o que nos preocupa mais agora é [como satisfazer as nossas] necessidades diárias", disse.
Eles têm lavouras, mas com o aquecimento global sua família não pode depender da agricultura para ter uma renda regular, o que, segundo ela, é o motivo pelo qual o marido idoso ainda tem de trabalhar para uma empresa de aves em Díli.
Marselinus Oki, engenheiro contratado pelos jesuítas para o projeto, disse que as pessoas só têm a agradecer aos jesuítas pelo que, segundo eles, é um marco importante em suas vidas. A emoção era tão grande que quase todas as fases do projeto foram celebradas, disse.
"Quando estávamos prestes a perfurar os poços, as pessoas reuniram-se para rezar pelo nosso sucesso. Quando a água veio, elas estavam extremamente contentes, agradecendo a Deus por finalmente lhes dar água”, afirmou.
A falta de água continua sendo um problema enorme no Timor-Leste, particularmente nas zonas rurais.
E muitas vezes resulta na falta de saneamento. Com pouca água, quase não há banheiros adequados, ou seja, prática generalizada de defecação ao ar livre. Durante a época das chuvas, espalham-se bactérias de fezes humanas e animais, o que leva muitas crianças a sofrerem de diarreia e de outras doenças causadas pela água da chuva suja.
Segundo um censo de 2015, mais de 830.000 dos 1,1 milhão de habitantes do Timor-Leste vivem em áreas rurais.
Cerca de 78% das pessoas que vivem em áreas urbanas têm acesso a água potável, contra apenas 64% das que vivem nas zonas rurais, de acordo com Rui de Sousa, diretor do Serviço Nacional de Saneamento Básico e de Água do Timor Leste.
"O objetivo do governo é que, até 2030, todas as comunidades tenham acesso à água potável", disse ele ao ucanews.com.
Atualmente, o governo só constrói fontes de água para comunidades urbanas. Mas para as zonas rurais recorre à ajuda de parceiros globais, como a Agência de Cooperação Internacional do Japão, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Australia Fund, organizações sem fins lucrativos e grupos da Igreja.
O padre Erick John Gerilla, diretor executivo do Jesuit Social Service do Timor-Leste, disse que fornecer água potável é uma das prioridades da organização.
Nos últimos quatro anos, foram construídos dez castelos d'água, quatro em escolas nos distritos de Díli e Liquica, disse o padre filipino.
De acordo com ele, o projeto jesuíta pela água limpa ajudou cerca de 2.300 pessoas ou 414 famílias de forma direta, acrescentando que o número dobra se forem contabilizadas as pessoas que usam as mesmas fontes de água esporadicamente.
Cinco novos projetos são esperados para este ano e mais cinco em 2019. Cada um custa de US$15.000 a 18.000, incluindo honorários profissionais e custos trabalhistas.
Grande parte da verba vem de doadores tanto internos como externos, disse o padre Gerilla.
"Com mais castelos d'água, podemos ajudar um número maior de pessoas", afirmou.
A construção de castelos d'água, poços ou outros recursos pode levar apenas alguns dias. Porém, o maior desafio é mudar a atitude das pessoas, segundo o padre.
"Elas estão acostumadas a viver de forma independente, como parte de um clã ou sistema familiar. Portanto, para encorajá-las a se comprometerem com uma comunidade, são necessários meses persuadindo-as antes de chegarem até aqui", disse o padre Gerilla.
Até agora, as pessoas utilizavam a água para necessidades básicas, como beber, cozinhar, tomar banho, regar plantas e para o gado.
"Agora, estamos incentivando as pessoas a avançarem um pouco mais, como construir banheiros e usar a água para ser mais autossuficientes", disse.
De acordo com o padre, outro problema é que a renda de muitas pessoas vem da venda de lenha, o que significa que elas cortam as árvores, que ajudam a reter a água.
"Conversamos com eles sobre os efeitos nos poços caso continuem cortando árvores. Dizemos que a água é um recurso natural e que um dia vai secar se continuarmos cortando árvores", afirmou.
"Estamos buscando alternativas à lenha para gerar renda", acrescentou.
Enquanto isso, pediu-se que as pessoas plantassem árvores perto de bombas de água, para ajudar a preservar as fontes de água e proteger as bacias hidrográficas.
O Jesuit Social Service vai ajudar fornecendo mudas, disse o padre Gerilla.
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Os jesuítas acabam com décadas de falta de água no Timor-Leste. Projetos para trazer água limpa a áreas remotas estão transformando a vida dos moradores locais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU