24 Janeiro 2018
A rodovia de duas pistas, de 227 quilômetros de extensão, cortará o pulmão verde do mundo. Unirá Puerto Esperanza, no nordeste do Peru, e Iñapari, na fronteira com o Estado do Acre, no Brasil. Atravessará cinco parques nacionais. Mas a obra é considerada “uma prioridade de interesse nacional”.
A reportagem é de Daniele Mastrogiacomo, publicada por La Repubblica, 23-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As palavras do papa permaneceram não ouvidas. Letra morta. Enquanto Francisco, cercado pelos índios de Puerto Maldonado, na selva peruana, denunciava, alarmado, os riscos que a Amazônia corre por causa da ação devastadora dos cortadores de árvores e dos mineradores ilegais, o Parlamento aprovava em grande segredo o projeto de lei que autoriza a construção de uma superestrada que conectará o Peru e o Brasil, cortando o pulmão do mundo.
O procedimento foi publicado no Diário Oficial e está operacional. Trata-se de uma estrada de duas pistas, de 227 quilômetros de extensão, que unirá Puerto Esperanza, no nordeste do Peru, e Iñapari, na fronteira com o Estado do Acre, no Brasil. Embora atravesse cinco parques nacionais, incluindo os de Alto Purus e de Manu, nas motivações da norma, a estrada é considerada “uma prioridade de interesse nacional”.
O interesse é obviamente econômico. O Peru tenta expandir seus mercados para o lado atlântico do continente; o Brasil precisa explorar os laços asiáticos do seu vizinho. Exigências convergentes. Uma linha de conexão e de transporte rodoviário facilitaria os intercâmbios comerciais.
Passar pela Amazônia significa poupar tempo e dinheiro. O resto, os danos ambientais, a erosão de novas fatias de verde, as consequências climáticas decorrentes do desequilíbrio que vai decorrer a partir disso são fatores secundários. Trata-se de escolher.
Apoiado por uma maioria cada vez mais precária, criticado por ter concedido o indulto ao ex-ditador Alberto Fujimori em troca de oito votos que lhe evitaram o impeachment, o presidente Pedro Pablo Kuchynski cede às pressões dos lobbies industriais e da madeira, e aprova uma lei que viola os compromissos internacionais assumidos em torno da defesa do ambiente e do aquecimento global.
Mas, acima de tudo, põe em risco a sobrevivência de pelo menos cinco grandes comunidades indígenas que “vivem em isolamento voluntário”, explica Lizardo Cauper, chefe da Federação Peruana dos Povos Nativos da Amazônia (Aidesep). “O projeto”, defende o ativista, “não cria nenhuma vantagem para as populações locais. Trata-se de uma área com pessoas extremamente isoladas que são muito vulneráveis.”
As obras da superestrada atrairão milhares de garimpeiros, mineradores ilegais, traficantes e mercenários. A região é rica em árvores de mogno, madeira preciosa requisitada sobretudo na Europa.
Julia Urrunaga, diretora no Peru da Environmental Investigation Agency (EIA), uma ONG britânica comprometida com a Amazônia, lembra que 95% do desmatamento ocorre a menos de seis quilômetros da futura superestrada.
Junto com a rede das muitas rotas que serão traçadas, o caminho planejado poderia provocar o corte de 2.750 quilômetros quadrados de verde, de acordo com o mapeamento de satélite traçado pelo projeto de Monitoramento da Amazônia Andina.
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Amazônia: apelo do papa é esvaziado. Peru construirá super-rodovia no coração da floresta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU