22 Janeiro 2018
"Ora, já que os direitos humanos fundamentais sociais têm sido os principais alvos dessa política “pública” (?), às/aos defensoras/es de tais direitos não se pode permitir o medo de desagradar e até desobedecer a tudo quanto, sob a aparência da legalidade, esteja viciado pela ilegitimidade", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Lula absolvido ou condenado no julgamento do dia 24, o enfrentamento da crise permanente sob a qual o povo sofre a ausência das garantias devidas aos seus direitos humanos fundamentais sociais vai precisar, novamente, um bem planejado, compartilhado, decidido e corajoso impulso.
Pela simples razão de que, sendo 2018 um ano eleitoral, as versões da mídia sobre as razões deste julgado, as reações dos partidos políticos, calculando como retirar do fato os melhores efeitos para os seus objetivos de conquista de votos, poderão generalizar a confusão reinante, aumentando ainda mais o descaso e as dívidas do Estado para com aqueles direitos.
Se as reformas propostas pelo atual (des)governo já alcançam em grande parte o atrelamento do noticiário aos interesses opostos às garantias devidas aos direitos sociais, o golpe institucional de 2016 vai fortalecer, com novos argumentos, variáveis de acordo com o resultado do julgamento do Lula, o desmonte das conquistas legais desses direitos. Para sepultar em definitivo a reforma agrária, por exemplo, uma condição material de acesso à terra para o gozo e o exercício deles, os projetos de entrega do nosso território para empresas ou pessoas estrangeiras vai aproveitar a onda dessa informação servil para neutralizar qualquer posição contrária.
É coisa sabida que os limites impostos pela responsabilidade social ao direito de liberdade individual, inclusive da liberdade de expressão, sempre encontraram dificuldade de se fazer valer na prática. Disso se aproveita o poder econômico do capital para impor, de fato, uma censura prévia disfarçada a qualquer comunicação ou informação que entenda seja-lhe prejudicial. Assim, entre a verdade do fato e a sua versão, a segunda - dependendo do dinheiro que a sustente repetida - não hesita em mentir, distorcer, manipular e enganar, conforme lhe dita o seu próprio interesse, que outro não é o de quem lhe financia.
Mídia, partidos políticos, religiões, produções de arte, ideologias, doutrinas, quaisquer outros meios de influência cultural coletiva, não estão isentos desse desvio. Ele não é a regra, mas a internet, por exemplo, pode estar abrindo caminho para a exceção se transformar em regra.
Sob uma situação como essa, de tal complexidade econômica, política, social e ética, hoje envolvida numa crise de proporções mundiais, a defesa dos direitos humanos fundamentais sociais precisa com urgência, estar equipada, teórica e praticamente, para identificar as causas geradoras do ataque destrutivo e golpista que eles estão atualmente suportando, avaliar o poder das organizações populares que se dedicam a essa defesa, sua idoneidade e seu grau de influência política, planejar a ação contrária às forças da opressão social e da repressão a esses direitos, movimentando-se, conforme o caso, até por meio da desobediência civil.
Nada dessa estratégia pode ser viabilizada sem a companhia e o concurso consciente do povo vítima de ameaça ou violação dos seus direitos sociais, o que pode advertir a defesa dos mesmos para não repetir erros do passado. Como os de, em nome de sucessos requeridos pela ocasião (garantir votos de quem propala ser defensor de direitos nas próximas eleições, sem nenhum passado comprobatório disso), fazer alianças de risco para conseguir apenas um certo “abrandamento” da injustiça social, calculando mal a capacidade dos pretensos “aliados” agirem inspirados em objetivos contrários ao dessa defesa, tomando conta dela para traí-la; impor-se como vanguarda aparelhista de um protesto feito só de palavras de ordem e consignas, sem proposta concreta de solução para resolver problemas alegadamente justificativos de rebeldia e mudança; confundir o poder serviço devido à defesa dos direitos com o poder dominação sobre as vítimas da ameaça ou violação desses mesmos direitos.
Mesmo considerado, então, o nível da corrupção que sustenta o golpe de 2016, junto ao Poder Executivo e ao Legislativo nacionais, isso não os impedirá de agir em 2018 com ímpeto e ritmo atentos ao tempo restante do atual (des)governo, maquiando melhor a sua imagem como a de um governo sediado num Estado de direito, garante de democracia, seja o Lula condenado ou não pelo TRF4 no dia 24 deste janeiro.
Ora, já que os direitos humanos fundamentais sociais têm sido os principais alvos dessa política “pública” (?), às/aos defensoras/es de tais direitos não se pode permitir o medo de desagradar e até desobedecer a tudo quanto, sob a aparência da legalidade, esteja viciado pela ilegitimidade. Como lhes aconselha, por sinal, Joaquin Herrera Flores, lembrado por José Geraldo de Sousa Junior e Antonio Escrivão Filho, em coletânea de estudos publicada pela Lumen Juris em 2015, sob o sugestivo título de “Os direitos humanos como um projeto de sociedade”:
“Os direitos não são produtos de essências. São o resultado de lutas sociais pela dignidade. Lutas que vão dirigidas ao empoderamento dos seres humanos aumentando sua potência de atuar e reagir diante de seus entornos de relações. Como defendia Baruch Spinoza em pleno século XVII, a política deve nos servir para reforçar nossa capacidade genérica de ação e reação diante do mundo. Se o político é entendido como algo separado dessa “decisão ética” de fortalecimento das capacidades e potencialidades humanas, converte-se em puro autoritarismo ou em mera legitimação da ordem hegemônica. Os direitos humanos requerem, pois, o político para a sua efetiva implementação e para não ficarem em meros ideais abstratos.” (p. 52)
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