15 Janeiro 2018
O ex-governador do Rio Grande do Sul aponta as razões que orientaram sua decisão de não concorrer ao governo do Estado nas eleições de 2018 e analisa o cenário político nacional e global. Para Tarso Genro, estamos vivendo o fim de um ciclo político no País e, talvez, um fim de época em escala global.
O artigo é publicado por Sul21, 14-01-2018.
O Partido estava unificado na minha candidatura e isso me honrou e comoveu muito. Ver antigos e jovens companheiros unificados em torno do meu nome fez tremer meu coração, confesso, um pouco cansado de contendas eleitorais, que aliás andam muito rebaixadas e desqualificadas, com velhos e novos corruptos se agarrando na onda anti-petista, promovida pela mídia oligopolizada, para chegar a Governos e cargos parlamentares. Nada mais significativo que aquela foto do MBL com Cunha, no Congresso, festejando a desgraça do país no processo de derrubada da Dilma.
No momento da escolha eu tinha, sim, e tenho problemas com a linha nacional do PT, no que refere às suas relações com as formações políticas que estão à sua esquerda e também no que no refere às escolhas, nas relações com o chamado “centro”. Mas, também, questões familiares que me envolviam muito… Por isso resolvi não aceitar a indicação e apoiar Miguel Rossetto, que é um quadro nosso de primeira grandeza e que “me representa”. Mas a minha militância não parou um minuto, embora um pouco recolhido da vida pública.
Mantive e mantenho uma ação política nacional e internacional, dentro da linha geral do meu Partido e vou colaborar com todos os candidatos do campo na esquerda, na campanha presidencial e, óbvio, preferencialmente com a candidatura Lula, se ela se apresentar com um novo sistema de alianças, e que, sem dúvida, é a minha candidatura.
Apresentar um programa de transição da economia liberal-rentista, para uma economia de inclusão produtiva com altas taxas de crescimento não é fácil, como não será fácil remontar o estado brasileiro, nas suas funções públicas, sem se subordinar à lógica das comparações. Como tenho algumas ideias sobre isso, quero ajudar o PT a esquerda a responder e a promover uma ampla unidade democrática e social, para nos retirar do caos político, econômico e moral que nos encontramos.
Estamos vivendo o fim de um ciclo em nosso país e talvez um “fim de época” em escala nacional, latino-americana e global. Quanto ao país, estamos vivendo um período em que proximamente se esgotará a hegemonia absoluta do PT, com sua liderança na esquerda. Isso só foi possível pelo surgimento de um quadro político extraordinário como Lula, que soube construir, inclusive por dentro das classes dominantes, um pacto politico conciliado, que colocou na mesa da democracia as classes trabalhadoras, os excluídos de todas as origens e amplos setores da intelectualidade. Esse pacto gerou uma coesão social “mínima”, em torno de uma ideia de nação mais democrática e com menos desigualdades sociais, sem maiores rupturas.
No plano latino-americano e em escala global, na minha opinião, trata-se propriamente de um “fim-de-época”, a saber, do período histórico em que se dissolveram as condições para o pacto socialdemocrata, de um lado, e, de outro, falecem os pactos jurídico-políticos, em torno das constituições modernas, que permitiram melhorias significativas nas condições de vida dos trabalhadores da segunda revolução industrial.
Quando digo, todavia, que se esgota, nos próximos anos, a hegemonia petista, não quero dizer que o PT se tornará um partido secundário no cenário nacional, mas que ele só voltará a este cenário com força política renovada, se compartilhar sua hegemonia com outras forças à sua esquerda, para reorientar um projeto de nação que, se tem o mesmo sentido de justiça social e democracia que tiveram os Governos Lula e o primeiro Governo Dilma, não terá o mesmo conteúdo econômico e político dos nossos governos anteriores.
Quero dizer com isso que a maioria dos políticos tradicionais de todos os partidos não tem interesse em dois movimentos de fundo, sem os quais não teremos “nação”. O primeiro movimento seria uma verdadeira reforma de Estado, incluindo aí uma reforma política que, de um lado, reduza radicalmente a força do dinheiro na política e, de outra, possibilite uma reforma institucional, que crie sistemas de controle – democráticos e sociais – de participação cidadã, capazes de reduzir a força normativa do dinheiro, dos ricos e muito ricos, sobre as políticas públicas, o uso do dinheiro público, e também sobre os verdadeiros privilégios que percorrem a alta burocracia do Estado, em níveis locais, regionais e nacionais. O segundo movimento seria a restauração de uma política externa, que nos retire da submissão à globalização tutelada pelo capital financeiro e compartilhe de uma relação nova, de cooperação interdependente com soberania, como vinha sendo encaminhado pelo ministro Celso Amorim, no Governo Lula.
O que ocorre depois do golpe aqui no Brasil comprova que as elites políticas da direita, da centro-direita, do conservadorismo tradicional, ou não, que o oligopólio da mídia, que os moralistas sem moral de todas as espécies, não tem o menor interesse e estão se lixando para combater a corrupção, por exemplo. Suas metas políticas não são essas e nunca foram essas, pois sempre usaram o que chamam de “luta contra a corrupção” – que existe e deve ser fortemente combatida pelos meios legais dentro do Estado de Direito – para defender os seus privilégios, fazer suas reformas autoritárias e conservadoras, sem qualquer diálogo público, e para colocar mais fortemente o Estado a seu serviço.
Imaginem o que ocorreria se o Governo Dilma tivesse no seu Ministério este rol de culpados, ou vias de assim serem considerados, que hoje compõem o Governo Temer. O oligopólio da mídia, os centros de inteligência informal da alta burguesia e da alta classe média, em conluio com o que tem de mais fascista e atrasado no país, estariam chamando a insurreição e dizendo que “o gigante acordou”! Jessé Souza tem razão: a racionalidade escravista dos grupos políticos dominantes, dentro das elites econômicas do Brasil, não permite que eles sequer sejam coerentes com a democracia representativa, que tem pouco mais de dois séculos de existência e mudou muito pouco ao longo da sua história. Os avanços sociais que foram suportados por eles nos governos Lula não mais terão acolhimento por esse pessoal. Eles não gostam do seu país nem do seu povo e sabem que, a partir de agora, ou se reparte renda diminuindo os seus privilégios de classe ou não se reparte renda. Eles preferem a segunda hipótese.
O tratamento ilegal e persecutório que Lula vem recebendo, de uma parte significativa do Sistema de Justiça, está relacionado com os avanços sociais que ele promoveu e que, para serem mantidos e ampliados, agora devem avançar sobre a redistribuição da renda, internamente, porque a dívida pública que deu sustentação àquelas políticas cresceu demais e a emergência da crise mundial gerou a necessidade, por parte das instituições “rentistas”, de apertar os devedores para tranquilizar os investidores no mercado financeiro. A forma com que o pessoal do sistema financeiro global trata isso, em termos políticos, é, de uma parte, controlando a formação da opinião, não somente através da disseminação dos preconceitos e do estímulo ou da indiferença em relação ao ódio fascista, mas também colocando os corruptos sob seu controle e usando-os para fazerem as suas reformas, contra as conquistas do Estado Social, sem colocar nada em seu lugar. A eleição de Lula em 2018 pode bloquear este processo, em alguma medida, esse é o temor do conservadorismo reacionário e da sua motivação, para tentar retirá-lo da disputa.
Defendo que os demais partidos de esquerda lancem seus candidatos e que Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila são novos quadros, importantes para a reconfiguração de uma nova frente política no futuro, capaz de hegemonizar um governo de centro-esquerda, de reformismo forte, como está ocorrendo ou tendendo a ocorrer em alguns países. Não se sabe até onde poderá ir a experiência portuguesa, por exemplo, e mesmo qual a sua durabilidade, mas se não ousarmos no sentido de compor uma esquerda plural, criativa e democrática, com um claro programa de transição de uma economia liberal rentista, para uma economia com altas taxas de crescimento e novas formas de inclusão social e produtiva, o futuro da esquerda será cada vez mais incerto e defensivo.
Temos à nossa frente um período difícil, complexo, de grandes instabilidades sociais e aumento das taxas de exploração e de violência estatal, para conservar privilégios, em todo o mundo. Mas, afinal, se olharmos para os últimos 100 anos, poderemos localizar nestas décadas, grandes experiências revolucionárias e reformistas, das quais poderemos tirar lições da experiência e do heroísmo de milhares e lutadores anônimos e centenas de grandes pensadores que, de certa forma, já alertavam para muitos erros, pelos quais pagaríamos muito caro.
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“Quero ajudar o PT a esquerda a promover uma ampla unidade democrática e social” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU