04 Dezembro 2017
Será lançada neste Primeiro Domingo do Advento (3) a Carta da Lapa, fruto do Primeiro Encontro dos Bispos da Bacia do Rio São Francisco, reivindicando uma moratória de 10 anos para a região do cerrado e um Repouso Sabático para os principais biomas brasileiros. O texto é assinado por 11 dos 16 bispos das dioceses da Igreja Católica banhadas pelo rio. Firmado “em comunhão com o Papa Francisco e inspirados pela carta encíclica Laudato Sí”, denuncia a crise do rio por seu uso e de seus afluentes a serviço dos interesses econômicos dos ricos.
A informação é publicada por Mauro Lopes, no blog Caminho prá Casa, 02-12-2017.
A principal decisão do encontro foi a “defesa do Repouso Sabático para os nossos biomas a fim de que possam se reconstituir. Particularmente, uma moratória para o Cerrado, por um período de dez anos. Durante esse período não seria permitido nenhum projeto que desmate mais ainda o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam.”
O texto (veja a íntegra a seguir) é mais um expressivo símbolo da renovação da Igreja no Brasil, à luz da primavera de Francisco, e a retomada do espírito atualizado da Teologia da Libertação, depois dos quase 40 anos de perseguições. Em sua carta, os bispos qualificam, à luz da primavera de Francisco, qual Igreja reapresenta-se à sociedade: “Igreja em saída”, “Igreja missionária”, “Igreja Profética”, “Igreja solidária”;
O encontro aconteceu nos dias dias 21 e 22 de novembro, no Centro de Treinamento de Lideres (CTL), em Bom Jesus da Lapa, o Primeiro Encontro dos Bispos da Bacia do São Francisco, como resultado da recente Assembleia do Regional Nordeste III da CNBB.
O local foi escolhido pela influência do Santuário do Bom Jesus da Lapa, que fica às margens do Rio São Francisco, e reúne todos os anos milhares de romeiros, grande parte deles ribeirinhos que vivem e dependem das águas do rio da integração nacional. Participaram bispos da Bahia, Pernambuco, Sergipe e de Minas Gerais - veja a lista ao final.
A concepção do encontro e da carta atualiza a tradição da Igreja latino-americana de escuta e integração com os movimentos sociais e a intelectualidade, uma ligação que o Vaticano vetou desde a posse de João Paulo II - para que se tenha uma ideia, os teólogos foram proibidos pela Cúria romana de participar da Conferência de Puebla, em 1979 e, até a posse de Francisco, a Igreja viveu um ciclo de fechamento e isolamento. Segundo dom Carlos Alberto Breis Pereira, OFM, bispo de Juazeiro (BA) o encontro, a carta e e todas as decisões adotadas foram dialogadas “com assessores ligados ao âmbito acadêmico e às pastorais e movimentos envolvidos na defesa do Velho Chico”.
Outra característica do encontro e da carta é o alinhamento com o método “ver-julgar-agir” de análise da realidade lançado em 1961 por João XXIII e sua encíclica Mater et Magistra (sobre a Igreja e a questão social). O método foi desenvolvido à plenitude na América Latina e colocado de lado pelos papas conservadores - e volta agora como o método por excelência dos estudos da Igreja.
Dom Breis Pereira disse que aos bispos foi apresentado “um diagnóstico sobre a conjuntura hídrica da Bacia do São Francisco, com diversos dados da realidade da região, especialmente do Cerrado, principal fonte de abastecimento do Velho Chico. Segundo os participantes, é urgente a criação de uma Moratória do Cerrado, que suspenda toda liberação a supressão vegetal e outorgas a projetos econômicos, dando tempo para a recuperação do lençol freático”.
Além da carta, os bispos decidiram organizar “ações de sensibilização e educação junto às comunidades e ao povo para o cuidado, defesa e revitalização do São Francisco e ações junto às autoridades e aos governos para responder ao SOS do São Francisco”.
A íntegra da carta:
Carta da Lapa
Primeiro Encontro dos bispos da Bacia do Rio São Francisco
Nas margens da torrente, de um lado e de outro, haverá toda espécie de árvores com frutos comestíveis, cujas folhas e frutos não se esgotarão. Essas árvores produzirão novos frutos de mês em mês, porque a água da torrente provém do santuário. Por isso, os frutos servirão de alimentos e as folhas de remédio (Ez 47,12).
À luz do Evangelho, em comunhão com o Papa Francisco e inspirados pela carta encíclica “Laudato Sí”, nós, bispos da bacia do Rio São Francisco, representando onze das dezesseis dioceses, diante do processo de morte em que este Rio se encontra e das consequências que isto representa para a população que dele depende, assumimos de forma colegiada a defesa do Velho Chico, de seus afluentes e do povo que habita sua bacia.
Como pastores a serviço do rebanho que nos foi confiado, constatamos, com profunda dor: (a) o sumiço de inúmeras nascentes de pequenos subafluentes e, em consequência, o enfraquecimento dos afluentes que alimentam o São Francisco; (b) o aumento da demanda da água para a irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos, sem levar em conta a capacidade real dos rios de ceder água; (c) a destruição gradativa das matas ciliares expondo os rios ao assoreamento cada vez maior; (d) a decadência visual dos rios e da biodiversidade; (e) o aumento visível dos conflitos na disputa pela água em toda a região; (f) empresas sempre fazem prevalecer seus interesses e o Estado acaba por ser legitimador de um modelo predatório de desenvolvimento.
Tudo isso vem gerando a destruição lenta e cruel da biodiversidade do Velho Chico e, consequentemente, sua morte gradativa.
Diante dessa triste realidade, enquanto bispos da bacia do Rio São Francisco e pastores do rebanho que nos foi confiado, propomos:
Sermos uma “Igreja em Saída”: Ir ao encontro do povo e, como pastores, convocar os cristãos e as pessoas sensíveis à causa, para juntos assumirmos o grande desafio de salvar o rio da morte e garantir a vida humana, da fauna e da flora que dele dependem;
Sermos uma “Igreja Missionária”: Realizar visitas às nossas comunidades, missões, peregrinações, romarias e estabelecer um diálogo aberto com as pessoas para que entendam e assumam, à luz da fé, o cuidado com a “Casa Comum”, particularmente, a defesa do nosso Rio;
Sermos uma “Igreja Profética”: Elaborar subsídios educativos sobre meio-ambiente e o modo de preservá-lo. Utilizar os meios de comunicação, rádios, periódicos diocesanos para levar ao maior número de pessoas a boa nova da preservação da vida;
Sermos uma “Igreja Solidária”: Reforçar as iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de afluentes; incentivar a ética da responsabilidade socioambiental capaz de gerar um modo de vida sustentável de convivência com a caatinga, o cerrado e a mata atlântica; defender políticas públicas para implementação do saneamento básico, apoio à agricultura familiar, manutenção de áreas preservadas, a exemplo dos territórios das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, etc.
Finalmente, declaramos nossa posição em defesa do “Repouso Sabático” para os nossos biomas a fim de que possam se reconstituir. Particularmente, uma moratória para o Cerrado, por um período de dez anos. Durante esse período não seria permitido nenhum projeto que desmate mais ainda o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam.
Nesse sentido chamamos as autoridades federais, os governadores, prefeitos, deputados, senadores, o Ministério Público, para que assumam sua responsabilidade constitucional na defesa do Velho Chico e do seu povo.
Que São Francisco, padroeiro da Ecologia e do Rio que traz o seu nome, nos inspire a cuidar da Criação. Que o Bom Jesus da Lapa, de cujo Santuário provém a água da torrente, abençoe e dê vida ao nosso Velho Chico e ao povo do qual ele é pai e mãe.
Bom Jesus da Lapa, 1º Domingo do Advento de 2017.
Dom José Moreira da Silva – Bispo de Januária (MG)
Dom José Roberto Silva Carvalho – Bispo de Caetité (BA)
Dom João Santos Cardoso – Bispo de Bom Jesus da Lapa (BA)
Dom Josafá Menezes da Silva – Bispo de Barreiras (BA)
Dom Luiz Flávio Cappio, OFM – Bispo de Barra (BA)
Dom Tommaso Cascianelli, CP – Bispo de Irecê (BA)
Dom Carlos Alberto Breis Pereira, OFM – Bispo de Juazeiro (BA)
Monsenhor Malan Carvalho – Administrador Diocesano de Petrolina (PE)
Dom Gabriele Marchesi – Bispo de Floresta (PE)
Dom Guido Zendron – Bispo de Paulo Afonso (BA)
Monsenhor Vitor Agnaldo de Menezes – Bispo eleito de Própria (SE)
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Bispos retomam tradição da Igreja brasileira e saem em defesa do Rio São Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU