02 Outubro 2017
Uma coisa parece certa: a mudança para a Grécia de Dom Savio Hon, é só o começo de uma série de mudanças do alto escalão que Francisco em breve fará no Vaticano.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 29-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Cardeal Joseph Zen, ex-bispo de Hong Kong e o mais importante crítico da política de reaproximação do Papa Francisco com a China comunista, perdeu um de seus principais aliados no Vaticano.
Nesta semana que passou, o papa surpreendeu os analistas quando mandou Dom Savio Hon Tai-Fai, companheiro salesiano do cardeal e segunda maior autoridade na poderosa Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide), para fora de Roma, ao designá-lo para Atenas, onde servirá como núncio apostólico na Grécia.
O prelado, que completará 67 anos em outubro, não possui experiência diplomática anterior.
Savio Hon tem sido os “olhos e ouvidos” de Joseph Zen na Cúria Romana desde o final de 2010, quando Bento XVI nomeou o arcebispo natural de Hong Kong para o posto na secretaria da citada congregação. Ele assim o fez sob a recomendação de Zen e de um outro salesiano poderoso – o então secretário de Estado, o Cardeal Tarcisio Bertone.
Savio Hon era a autoridade do mais alto escalão com origem chinesa a trabalhar na Cúria Romana. Desfrutou um alto cargo no pontificado anterior, tendo estado em plena sintonia com o modelo linha-dura do Cardeal Zen em lidar com (ou enfrentar sem rodeios) as autoridades comunistas chinesas.
Mas quando o Papa Francisco e seu secretário de Estado, o Cardeal Pietro Parolin, adotaram um estilo “Ostpolitik” de atuação junto a essas autoridades civis, Zen e o arcebispo ficaram cada vez mais isolados.
Em junho de 2016, quando a Santa Sé e funcionários do governo chinês intensificaram negociações delicadas visando encontrar um apoio para a nomeação de bispos católicos ao país, Savio Hon foi mandado temporariamente para Guam. Nos meses seguintes, serviria como administrador apostólico da Arquidiocese de Agaña, onde o ordinário fora posto sob investigação por acusações de pedofilia.
O arcebispo salesiano estava de volta a Propaganda Fide não fazia um ano quando a sua nomeação para a Grécia fora anunciada.
O que tudo isso quer dizer?
Antes de mais nada, indica que o Papa Francisco tem uma estratégia muito clara para a relação com a China comunista e, nessa operação difícil, insiste em assessores que abraçam plenamente este seu projeto. O Cardeal Zen aberta e, publicamente já criticou o pontífice por estar sendo, entre outras coisas, ingênuo na abordagem adotada. Savio Hon, delegado não oficial de Zen, era visto como uma figura que pouco cooperava.
Por certo tempo também se comentou que o arcebispo não tinha uma boa relação de trabalho com o atual prefeito de Propaganda Fide, o Cardeal Fernando Filoni, diplomata vaticano de carreira que serviu como núncio apostólico no Iraque e nas Filipinas, bem como na qualidade de vice-secretário de Estado (Sostituto) da Santa Sé para assuntos internos. Pessoas próximas da Cúria dizem que as diferenças entre o prefeito e o seu vice tinham origem em outros assuntos que não a China.
Uns verão como ironia e muitos outros entenderão como uma punição o fato de Savio Hun, que não possui treinamento formal como diplomata papal, ter sido anunciado como núncio apostólico.
Dirigir a nunciatura da Santa Sé em Atenas não é visto exatamente como uma função de alto escalão. Mas é provavelmente o fim da estrada eclesiástica para o prelado natural de Hong Kong, tendo em conta que este tipo de função dura aproximadamente quatro anos. A esta altura, ele estará com quase 71 anos, um ano além da idade em que um núncio pode solicitar aposentadoria.
Enquanto uns estarão tentados a ver esta situação como um tapa no rosto ou como um rebaixamento, não devemos nos esquecer que este é o mesmo lugar onde Dom Angelo Roncalli (futuro João XXIII) também serviu como núncio por mais de uma década. Na verdade, ele era também um funcionário de Propaganda Fide, sem nenhuma experiência diplomática formal quando Pio XI o designou visitador apostólico para a Bulgária em 1925, desse modo lançando os longos anos do serviço distinto de Roncalli como embaixador papal.
Porém, papas ainda mais recentes também tiraram figuras não diplomatas de Propaganda Fide e os fizeram núncios. Um dos casos mais memoráveis – e intrigantes pelas circunstâncias em que ocorreu – aconteceu em 2004, quando João Paulo II enviou Dom Malcolm Ranjith, então n. 2 em Propaganda Fide, para a Indonésia como o principal enviado da Santa Sé.
Ranjith, cardeal-arcebispo de Colombo desde 2009, era um aliado e amigo próximo do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF, o Cardeal Joseph Ratzinger. O prelado natural do Sri Lanka era conhecido como grande apoiador da Missa Tridentina e, como bispo da Diocese de Ratnapura (1996-2001), desempenhou um papel-chave na investigação da citada congregação que levou ao breve de excomunhão em 1997 de um teólogo local, o Pe. Tissa Balasuriya, OMI.
Muitos acreditam que Ratzinger fora influente na decisão de João Paulo II em chamar Ranjith para Roma em 2001 a fim de servir como vice do prefeito de Propaganda Fide na época, o Cardeal Crecenzio Sepe.
Ratzinger e Sepe nunca foram pessoas muito próximas, para dizer o mínimo. E uns acham que Ratzinger quis Ranjith em Propaganda Fide para ter sob sua visão um cardeal italiano considerado liberal em todos os assuntos sagrados e profanos. É um segredo muito mal guardado que aquilo que aconteceu depois, numa retaliação evidente, Sepe convenceu o enfermo João Paulo II a mandar Ranjith para a Indonésia, país que vivia conflitos civis intensos na época.
Sepe, que estudara na academia de elite para diplomatas papais, garantiu a transferência de Ranjith com a ajuda do então secretário de Estado, o Cardeal Angelo Sodano, outra autoridade vaticana que possuía uma relação fria com Ratzinger.
Mas as reviravoltas da história podem trazer surpresas amargas. João Paulo II faleceu em abril de 2005 e Ratzinger foi eleito para sucedê-lo. A apenas oito meses desde o começo de seu pontificado, Bento XVI chamou de volta a Roma Dom Ranjith para ser secretário na Congregação para o Culto Divino. O exílio do cingalês na Indonésia portanto terminou em menos de dois anos depois de começar.
Cinco meses depois que a nova nomeação de Ranjith fora anunciada, uma outra autoridade fora deslocada: sem cerimônia, Bento destronou o Cardeal Sepe de seu cargo em Propaganda Fide e o designou arcebispo de Nápoles.
Isso tudo para dizer que aquilo que o Papa Francisco fez com Dom Savio Hon não é sem precedentes.
Mas, mesmo assim, permanecem no ar algumas dúvidas. Ninguém ainda foi chamado para o lugar de Savio Hon para Propaganda Fide. Será que Francisco escolherá uma autoridade de nível médio que já vem trabalhando neste departamento, ou irá trazer algum de fora?
E o que dizer do fato de que agora não há ninguém de origem chinesa à frente de um cargo do alto escalão na Cúria Romana? Na realidade, a presença de asiáticos, em geral, é minúscula.
Na medida em que vários das principais lideranças vaticanas se aprontam para seguir em frente – seja por chegarem à idade de aposentar-se, seja por terem completado o tempo limite de seus mandatos –, quem sabe o papa volte o seu olhar para o Oriente em busca de substitutos.
No entanto, uma coisa parece certa: a mudança para a Grécia de Dom Savio Hon é só o começo de uma série de mudanças do alto escalão que Francisco em breve fará no Vaticano.
Esta mudança arrepiou muitas figuras da Cúria que não gostaram das reformas e ajustes que o papa jesuíta já implantou, e mesmo que ele o tenha feito em ritmo lento e constante. Algumas dessas pessoas receiam que os ventos de mudança do papa se transformem em um “furacão Bergoglio”.
Daí veremos como muitos céticos das mudanças climáticas (eclesiásticas) permanecerão na hierarquia católica.
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Os ventos de mudança do Papa estão para se transformar em “o furacão Bergoglio”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU