25 Agosto 2017
“A reforma litúrgica é irreversível.” Com segurança e com “a autoridade magisterial”, fruto do caminho que brotou a partir do momento histórico que foi o Vaticano II, o Papa Francisco afirmou isso no seu discurso aos participantes da 68ª Semana Litúrgica Nacional [da Itália], reunidos em Roma por ocasião dos 70 anos da fundação do Centro de Ação Litúrgica.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada no sítio Vatican Insider, 24-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Concílio e reforma “são dois eventos diretamente ligados”, que “não floresceram de repente, mas foram longamente preparados”, ressaltou o papa, recordando todas as etapas, “substanciais e não superficiais”, percorridas nesse arco de tempo na história da Igreja, a partir das respostas dadas pelos seus antecessores “aos desconfortos percebidos na oração eclesial”, que deram origem ao chamado “movimento litúrgico”. “Quando se sente uma necessidade, mesmo que a solução não seja imediata, há a necessidade de se pôr em movimento”, disse Bergoglio.
Eis, então, que São Pio X “dispôs um reordenamento da música sacra e a retomada celebrativa do domingo, e instituiu uma comissão para a reforma geral da liturgia”. E Pio XII abraçou o projeto reformador com a encíclica Mediator Dei, tomando também “decisões concretas sobre a versão do Saltério, a atenuação do jejum eucarístico, o uso da língua viva no Ritual, a importante reforma da Vigília Pascal e da Semana Santa”.
Depois, veio a Sacrosanctum concilium, “bom fruto da árvore da Igreja”, cujas linhas de reforma geral “respondiam às necessidades reais e à concreta esperança de uma renovação: desejava-se uma liturgia viva para uma Igreja totalmente vivificada pelos mistérios celebrados”.
Tratava-se, enfatizou Francisco, recordando as palavras de Paulo VI ao explicar os primeiros passos da reforma anunciada, “de expressar de maneira renovada a perene vitalidade da Igreja em oração, tendo a preocupação “de que os fiéis não assistam como estrangeiros e espectadores mudos esse mistério de fé, mas, compreendendo-o bem por meio dos ritos e das orações, participem da ação sagrada conscientemente, piamente, ativamente”.
Justamente nos livros litúrgicos promulgados pelo Bem-aventurado Montini, encontrou forma a direção traçada pelo Concílio, “de acordo com o princípio do respeito pela sã tradição e do legítimo progresso”, que foi bem acolhida pelos próprios bispos presentes na cúpula e há quase 50 anos “universalmente em uso” no Rito Romano.
No entanto, observou o pontífice, “a aplicação prática ainda está em curso”, porque “não basta reformar os livros litúrgicos para renovar a mentalidade”.
O processo desencadeado pelos livros reformados pelos decretos conciliares ainda requer “tempo, recepção fiel, obediência prática, sábia implementação celebrada por parte, primeiro, dos ministros ordenados, mas também dos outros ministros, dos cantores e de todos aqueles que participam da liturgia”, explicou Francisco. “A educação litúrgica de pastores e fiéis”, portanto, é um “desafio” a ser enfrentado “sempre de novo”.
O trabalho ainda é muito: é preciso redescobrir “os motivos das decisões tomadas pela reforma litúrgica, superando leituras infundadas e superficiais, recepções parciais e práticas que a desfiguram”, afirmou o pontífice. “Não se trata – acrescentou – de repensar a reforma revendo as suas escolhas, mas sim de conhecer melhor as razões subjacentes, inclusive através da documentação histórica, assim como de interiorizar os seus princípios inspiradores e de observar a disciplina que a regula”. Porque “a reforma litúrgica é irreversível”.
O Papa Francisco se debruçou, então, sobre o tema que animou os trabalhos do Centro de Ação Litúrgica, “Uma liturgia viva para uma Igreja viva”. “A liturgia é viva”, ressaltou Bergoglio, em razão da “presença real do mistério de Cristo”. Sem esta, “não há nenhuma vitalidade litúrgica”. “Assim como sem batimentos cardíacos não há vida humana, assim também, sem o coração pulsante de Cristo, não existe ação litúrgica.”
Entre os sinais visíveis desse Mistério invisível, está “o altar”, sinal “de Cristo, pedra viva”, sublinhou o pontífice. Por isso, “o altar, centro para o qual, nas nossas igrejas, converge a atenção, é dedicado, ungido com o crisma, incensado, beijado, venerado: em direção ao altar orienta-se o olhar dos orantes, sacerdote e fiéis, convocados pela santa assembleia em torno dele. Em cima do altar, é posta a oferta da Igreja que o Espírito consagra como sacramento do sacrifício de Cristo”.
A liturgia, acrescentou o Papa Francisco, também “é vida para todo o povo da Igreja”, porque, por sua própria natureza, é “popular e não clerical”. Ou seja, é “uma ação para o povo, mas também do povo”, “a ação que Deus mesmo realiza em favor do seu povo, mas também a ação do povo que escuta a Deus que fala e reage louvando-o, invocando-o, acolhendo a inesgotável fonte de vida e de misericórdia que flui dos santos sinais”.
Essa Igreja orante “reúne todos aqueles que têm o coração à escuta do Evangelho, sem descartar ninguém”. São convocados “pequenos e grandes, ricos e pobres, jovens e idosos, sãos e doentes, justos e pecadores”, e não há nenhum obstáculo de “idade, raça, língua e nação”.
“O porte ‘popular’ da liturgia nos recorda que ela é inclusiva e não exclusiva, defensora de comunhão com todos, sem nunca homologar, porque chama a cada um, com a sua vocação e originalidade, a contribuir na edificação do corpo de Cristo”, observa o papa. “A Eucaristia não é um sacramento ‘para mim’, é o sacramento de muitos que formam um só corpo, o santo povo fiel de Deus.”
Não deve ser esquecida, então, a “pietas” de todo o povo de Deus expressada na liturgia que se prolonga em “piedosos exercícios e devoções” a serem “valorizados e encorajados em harmonia com a liturgia”, recomenda o papa.
Também não se deve esquecer que “a liturgia é vida, e não uma ideia a se entender”: ela “dá origem a uma experiência iniciática, isto é, transformadora do modo de pensar e de se comportar, e não a enriquecer a própria bagagem de ideias sobre Deus”. As “reflexões espirituais”, portanto, são uma coisa bem diferente: “Há uma grande diferença entre dizer que Deus existe e sentir que Deus nos ama, tal como somos, aqui e agora. Na oração litúrgica, experimentamos a comunhão significada não por um pensamento abstrato, mas por uma ação que tem como agentes Deus e nós, Cristo e a Igreja”, esclarece Bergoglio.
Ritos e orações, portanto, tornam-se “uma escola de vida cristã”, “por aquilo que são, e não pelas explicações que lhes damos”. “A Igreja – acrescentou o Papa Francisco – “é verdadeiramente viva se, formando um só ser vivo com Cristo, é portadora de vida, é materna, é missionária, sai ao encontro do próximo, solicita a servir sem perseguir poderes mundanos que a tornam estéril”.
O bispo de Roma, por fim, ampliou o olhar e observou que “a riqueza da Igreja em oração como ‘católica’ vai além do Rito Romano, que, apesar de ser o mais extenso, não é o único”. “A harmonia das tradições rituais, do Oriente e do Ocidente, pelo sopro do mesmo Espírito, dá voz à única Igreja orante por Cristo, com Cristo e em Cristo, para a glória do Pai e para a salvação do mundo”, disse.
E concluiu com o encorajamento aos responsáveis do Centro de Ação Litúrgica a continuarem o seu trabalho de “servir a oração do povo santo de Deus”, mantendo-se fiel à inspiração original a “ajudar os ministros ordenados, assim como os outros ministros, os cantores, os artistas, os músicos, a cooperarem para que a liturgia seja ‘fonte e cume da vitalidade da Igreja’”.
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Papa Francisco: ''A reforma litúrgica é irreversível'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU