19 Junho 2017
“O pedido de comutação de pena deve ser interpretado como um ato público de perdão; perdão que se dá voluntariamente e porque foram cumpridos todos os passos requeridos para fechar o círculo de um longo e penoso processo. Ao mesmo tempo, é uma demonstração de como devem ser abordados os crimes de lesa humanidade a partir da justiça transicional e restaurativa: verdade, justiça, reparação e perdão”, informa Editorial UCA, 31-05-2017. A tradução é de André Langer.
Na segunda-feira, 29 de maio, o Reitor da Universidade Centro-Americana (UCA) e o Diretor do Instituto para os Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana "José Simeon Cañas" (Idhuca) se apresentaram à Direção de Assuntos Jurídicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública para solicitar a comutação da pena do coronel Guillermo Benavides, que, como diretor da Escola Militar, ordenou o massacre na UCA sem deixar testemunhas. Benavides foi condenado em janeiro de 1992 a 30 anos de prisão por sua responsabilidade no hediondo crime de lesa humanidade; um ano depois, foi libertado em decorrência da aplicação da Lei da Anistia, aprovada pela Assembleia Legislativa e março de 1993.
Em 2016, Benavides foi novamente privado da liberdade seguindo uma ordem de alerta vermelho da Interpol, para que a Suprema Corte de Justiça tomasse conhecimento da solicitação de extradição da Audiência Nacional da Espanha. Desde então, permanece preso, razão pela qual já soma quase quatro anos de reclusão, uma vez que a Câmara Primeira Penal de San Salvador revisou, a pedido dos representantes legais do coronel, a sentença de 25 anos atrás. A Câmara confirmou o veredicto e sua sentença passou a ser inapelável. Uma vez que isso ocorreu, no dia 06 de abril deste ano, abriu-se a possibilidade de solicitar medidas de graça para o processado.
Muitos vão se perguntar por que se solicitou a comutação da pena de Benavides. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que esta solicitação é feita pelas vítimas, isto é, os familiares, a comunidade jesuíta e a comunidade universitária da UCA. Isto dá valor e força moral ao pedido, pois nasce dos principais atingidos pelo crime, aqueles que perderam os seus familiares, os membros de sua congregação e as suas autoridades e professores. Aqueles que pediram a comutação da pena não são pessoas alheias ao crime, nem representam os interesses daqueles que o perpetraram, mas suas vítimas. E como tais, estão exercendo um direito que corresponde a eles mais do que a ninguém.
Em segundo lugar, o pedido de comutação de pena deve ser interpretado como um ato público de perdão; perdão que se dá voluntariamente e porque foram cumpridos todos os passos requeridos para fechar o círculo de um longo e penoso processo. Ao mesmo tempo, é uma demonstração de como devem ser abordados os crimes de lesa humanidade a partir da justiça transicional e restaurativa: verdade, justiça, reparação e perdão. Somam-se a isso também razões exclusivamente humanitárias: Benavides tem 74 anos, sua saúde é precária e colocá-lo em liberdade não comportaria nenhum perigo para a sociedade. Além disso, há evidências do seu arrependimento pelo crime e não deixa de ser injusto que ele seja o único condenado por um fato atroz organizado por um grupo de militares de alta categoria, todos em liberdade e refugiados da lei.
Em terceiro lugar, uma coisa é solicitar comutação de pena e outra muito diferente é pedir indulto, como fizeram os familiares de Benavides e de alguns ex-militares recentemente. Por um lado, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, o indulto não pode ser aplicado a um crime de lesa humanidade; por outro lado, o indulto extingue a responsabilidade penal do processado. A comutação da pena, ao contrário, não nega em momento algum a existência do crime nem a responsabilidade que em relação ao mesmo teve a pessoa julgada; supõe apenas uma mudança na pena imposta. Neste caso, o que se solicita é uma substantiva redução da sentença, passando dos 30 anos originais aos quase quatro que permaneceu preso.
É fundamental esclarecer que com este pedido de graça para Guillermo Benavides não se renuncia a nenhum direito próprio das vítimas, nem tampouco ao direito de prosseguir um processo que leve ao esclarecimento de quem foram os autores intelectuais do massacre da UCA, a fim de que estes sejam levados à Justiça para que se conheça a verdade sobre sua participação e, no caso de serem declarados culpados, recebam as penas correspondentes. Isso com total independência da possibilidade de que depois de tudo o processo lhes conceda perdão público.
Pedir comutação de pena para Benavides é possível e correto neste momento, porque se conhece a verdade, sabe-se qual foi sua participação no crime, a quem deu ordens para isso e que instruções deu. Fez-se justiça, porque o militar foi levado a um tribunal. E embora o julgamento tenha sido celebrado com graves irregularidades, recebeu a pena máxima que as leis estabeleciam naquela época. Além disso, ao se revogar do ordenamento jurídico salvadorenho a Lei da Anistia, extinguiu-se a impunidade que pesava sobre o crime.
Adicionalmente, ao longo destes anos, foram realizados atos de reparação pelo massacre, na medida em que um crime desta natureza pode ser remediado. O filho de Julia Elba foi indenizado; foram reparadas as instalações onde foram cometidos os assassinatos, que ficaram seriamente danificadas pela Força Armada para encobrir os assassinatos; e, por último, o Estado, através do então presidente Mauricio Funes, outorgou aos jesuítas assassinados um reconhecimento póstumo: a Ordem José Matías Delgado no grau de Grande Cruz de Ouro.
A Companhia de Jesus e a UCA estão confiantes em que seu pedido de graça para Guillermo Benavides contribua para uma verdadeira reconciliação e abra caminho para que aconteçam processos similares que permitam, finalmente, a cicatrização das feridas da guerra civil em El Salvador.
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El Salvador. Uma contribuição para a reconciliação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU