09 Mai 2017
Enquanto a maioria dos estudos avalia os impactos ambientais das hidrelétricas na área do reservatório e nos arredores da barragem, o estudo do grupo Maua se concentrou nos distúrbios ambientais causados em áreas de igapós a jusante da Usina de Balbina
A reportagem foi publicada por Inpa, 06-05-2017.
Mais de 20 anos depois da implantação da Usina Hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, no Amazonas, árvores adaptadas a prolongados períodos de inundação continuam morrendo, e áreas mais baixas das florestas alagáveis dessa região são dominadas por milhares árvores mortas, conhecidas como paliteiros. Estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/ MCTIC) mostrou esses impactos concentrando-se nos igapós que ficam até 100 quilômetros depois da barragem.
“Nossa hipótese principal é que as árvores morreram devido aos distúrbios do regime hidrológico associados à operação de Balbina”, diz o pesquisador do Inpa Jochen Schöngart, o ao apontar que o estudo investigou a conexão entre a represa e as árvores mortas de Macrolobium acaciifolium, conhecida como arapari, na área.
Segundo o pesquisador, o diferencial da pesquisa é que enquanto a maioria dos estudos avalia os impactos sociais, econômicos e ambientais das hidrelétricas na área do reservatório e nos arredores da barragem, os estudiosos do grupo de pesquisa Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (Maua/Inpa) se concentraram nos distúrbios ambientais causados em áreas de igapó a jusante da Usina de Balbina.
As espécies de árvores mortas de M. acaciifolium, da família de Fabaceae, e outras, como a Eschweilera tenuifolia (Lecythidaceae), da família da castanha-do-pará, estavam concentradas em áreas sujeitas a inundações ao longo do rio Uatumã, a mais de 100 quilômetros de distância depois da usina.
O pesquisador explica que essas árvores possuem mecanismos sofisticados de adaptações morfológicas, anatômicas, fisiológicas e bioquímicas que lhes permitem tolerar inundações longas de até 300 dias por ano, como ocorre com o arapari. Nelas, o metabolismo anaeróbico permite manter alguns processos fisiológicos por meio da fermentação alcoólica durante o período de inundação.
Os resultados são apresentados no artigo “A mortalidade das árvores de uma espécie adaptada às inundações em resposta às mudanças hidrográficas causadas por uma represa amazônica”, que tem como primeiro autor Cyro Assahira, mestre pelo programa de Pós-Graduação em Botânica do Inpa. Ele foi publicado recentemente na revista científica Forest Ecologyand Management, da Editora Elsevier. Além de Assahira e Schöngart, é coautora do artigo a pesquisadora do Inpa Maria Teresa Fernandez Piedade, líder do grupo Maua. Pesquisadores do Instituto Max-Planck também participaram do estudo.
No estudo, os pesquisadores constataram alterações no padrão de inundação do rio Uatumã a jusante da usina hidrelétrica. A equipe analisou um conjunto de 32 indicadores hidrológicos biologicamente relevantes, comparando o período antes da implementação da barragem (1973-1982) e durante a operação da UHE (1991-2012).
Antes da construção da UHE o rio Uatumã apresentou um característico pulso de inundação com uma fase de cheia e seca durante o ano, comum para os rios da bacia amazônica. Este padrão praticamente desapareceu no período pós-barragem, depois do início da operação da hidrelétrica de Balbina. Isso aumentou os níveis mínimos e diminuiu os níveis máximos da água, resultando em uma supressão da fase terrestre durante vários anos consecutivos, principalmente no período de 1999-2011, ultrapassando a capacidade de tolerância de inundação destas espécies arbóreas.
Em geral, a construção de represas hidrelétricas na bacia amazônica impacta direta e indiretamente o habitat, a estrutura e o funcionamento do ecossistema de florestas alagáveis a jusante da barragem. As usinas modificam o regime hidrológico natural, retém sólidos e nutrientes no reservatório, alteram a temperatura e a transparência da água, e obstruem vias de migração de peixes e outros organismos aquáticos.
Árvores adaptadas ao pulso de inundação com uma fase de cheia e uma fase de seca por ano não possuem as adaptações necessárias para sobreviver inundações de vários anos consecutivos. “Por este motivo, a espécie estudada e outras nas mesmas posições topográficas morreram em consequência das alterações do regime de inundação causadas pela UHE de Balbina”, explica Schöngart.
O ano da morte de árvores foi datado com dois métodos independentes, datação com radiocarbono e datação cruzada entre as séries temporais de anéis de crescimento de árvores mortas com uma cronologia exatamente datada, construída com árvores vivas de arapari do igapó do rio Uatumã. Os dois métodos de datação evidenciaram que períodos de inundações durante anos consecutivos, e as condições anóxicas no solo associadas resultaram na elevada mortalidade destas árvores nas topografias mais baixas de igapó a jusante da barragem de Balbina.
A pesquisa mostrou que a mortalidade em grande escala aumenta ainda mais a emissão de gases de efeito estufa para atmosfera pela decomposição da madeira, e piora o balanço da quantidade de gases emitida por unidade de energia produzida (Megawatt-hora). Outros possíveis impactos causados pelas mudanças do regime hidrológico estão sendo estudados do âmbito do projeto PELD-MAUA do CNPq/Fapeam e Projeto LBA, coordenados pela Dra. Maria Teresa Fernandez Piedade, monitorando a fenologia das árvores, regeneração, crescimento, mortalidade, estocagem e sequestro de carbono na biomassa.
Inaugurada em 1989, a Usina Hidrelétrica de Balbina está localizada no rio Uatumã, no município de Presidente Figueiredo. De Manaus até a UHE de Balbina são cerca de 170 quilômetros por via terrestre.
Com um lago que inundou mais de 2.360 Km2 de floresta, e que provocou um desastre ambiental que devastou milhares de plantas e animais e impactou a reserva indígena Waimiri-Atroari, a Usina Hidrelétrica de Balbina tem capacidade instalada para gerar até 250 megawatts (MW) de energia, porém, a geração anual é somente 112 MW, considerada insuficiente para abastecer a capital. A Hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, no Tocantins (Pará), inundou 2.800 Km2 e produz 8.196 MW.
De acordo com o Schöngart, os impactos a jusante da usina indicam uma grande ameaça às florestas alagáveis tropicais devido aos planos de expansão de projetos de barragens na Amazônia. Segundo o estudo, o governo federal brasileiro planeja a construção de várias dezenas de barragens de usinas hidrelétricas, principalmente, no sul da região amazônica.
De acordo com o “Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE-EPE) 2011-2020” do Ministério de Minas e Energia (MME), há estudos de 30 novas grandes barragens na região amazônica até 2020. Já no PDE 2023, mais oito projetos estão previstos para a construção dentro do período de 2020-2023 na região amazônica com um adicional total previsto de energia de mais de 12.500 MW.
Os autores defendem a necessidade de incluir os impactos à jusante em todas as discussões de implementação de novas usinas hidrelétricas. Também defendem que este tipo de impacto seja avaliado nos Estudos de Impactos Ambiental (EIA) e no Relatório sobre o Impacto Ambiental (Rima) exigido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pelos licenciamentos vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Para os pesquisadores, uma forma de mitigar os impactos ambientais nas áreas alagáveis a jusante da barragem seria obrigar os operadores de usinas hidrelétricas a simular o pulso regular de inundação quando da geração de energia.
O trabalho teve o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito dos projetos PELD-MAUA, LBA e Universal.
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Pesquisa do Inpa mostra alta mortalidade de árvores adaptadas à inundação até 100 km depois da barragem de Balbina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU