07 Dezembro 2016
No último dia 30 de novembro, por ocasião da pré-estreia no Vaticano do seu último filme, Silence, o diretor Martin Scorsese se encontrou com o Papa Francisco. O filme, que será lançado nos cinemas italianos no próximo dia 12 de janeiro, é uma adaptação do romance homônimo de Shūsaku Endō (1966) e é ambientado no Japão dos xoguns Tokugawa e das suas duras perseguições contra os convertidos à fé cristã.
Tiziano Tosolini – diretor do Centro de Estudos Asiáticos dos missionários xaverianos em Osaka – recentemente publicou pela editora EDB um livro dedicado ao romance de Endō e à perseguição dos missionários no Japão.
O sítio Settimana News, 03-12-2016, publicou a introdução da obra. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Você considera a obra dos missionários como uma constrição ao amor?”
“Sim, é justamente isso, do nosso ponto de vista.”
Shūsaku Endō, “Silêncio”
“No seu país”, escreve Ferdinando Castelli, “Shūsaku Endō foi um dos escritores do século XX mais lidos e mais traduzidos no Ocidente. Por mais de 30 anos, esteve na lista dos best-sellers com romances, dramas e ensaios nos quais abordou temáticas incomuns para a mentalidade japonesa, como pecado, redenção, cristologia, eclesiologia, evangelização” [1].
De fato, Shūsaku Endō (chamado de “Graham Greene japonês”) foi um escritor católico que, desde o início da sua carreira, assumiu como tema principal da sua produção literária a relação entre cristianismo e pensamento japonês, entre Oriente e Ocidente. Uma relação sempre instável e inquieta que Endō viveu pessoalmente, antes mesmo que de um ponto de vista literário.
O romance histórico “Silêncio” (1966), do qual se celebra este ano o 50º aniversário de publicação, certamente representa um testemunho eloquente dessa fonte de inspiração literária do escritor [2]. Com “Silêncio”, romance considerado por muitos como uma das suas obras mais bem sucedidas, Endō alcançou um elevadíssimo grau de compreensão não só do cristianismo, mas também, e mais profundamente, de todas aquelas transformações que ele deveria realizar no seu interior se realmente quiser fincar raiz no “pântano” do Japão.
Ambientado durante o conturbado período das perseguições aos cristãos, o romance percorre as vicissitudes de alguns missionários (dentre os quais se destaca a figura do Pe. Rodrigues) que, apesar da proibição de entrar no país, decidem ir para rastrear o seu reverenciado mestre Pe. Ferreira, sobre o qual haviam chegado boatos na Europa de que tinha abjurado sob tortura.
Tendo desembarcado clandestinamente no Japão, os missionários logo se encontram na convivência com o medo de serem descobertos e, ao mesmo tempo, tornam-se testemunhas das tremendas provações que os cristãos estão sofrendo por causa da sua adesão à fé cristã.
É aqui que surge, logo, a primeiro e grande interrogação do romance: o do silêncio de Deus diante do sofrimento do fiel. Se Deus existe, por que esse Seu enigmático silêncio, por que essa Sua misteriosa indiferença, os Seus braços cruzados sem fazer nada para ajudar aqueles que acreditam n’Ele?
A essa primeira temática, segue-se imediatamente outra, igualmente crucial e decisiva: a teologia ocidental, na qual tinham se formado os missionários que foram ao Japão, se revela insuficiente (ou inadequada) não só para interpretar as perseguições sofridas pelos cristãos, mas também para aplacar todas aquelas dúvidas de fé que, gradualmente, começam a assediar a alma dos próprios evangelizadores.
Como afirma Martin Scorsese, o diretor que produziu o filme homônimo a partir do romance, “o romance de Endō aborda o mistério da fé cristã e, por extensão, o próprio mistério da fé. Rodrigues aprende, um pouco de cada vez, que o amor de Deus é mais misterioso do que ele sabe, que Ele concede muito mais aos caminhos do homem do que estamos dispostos a admitir, e que Ele está sempre presente... mesmo no silêncio. Que papel estou desempenhando, pergunta-se Rodrigues? Por que sou mantido vivo? Quando chegará o meu martírio? Obviamente, ele não chega. O que significa que ele vai desempenhar um papel muito diferente daquele que ele esperava desempenhar. Ele não vai seguir os passos do Senhor. Vai percorrer um caminho muito menos nobre, e, por isso, o seu papel vai ser muito diferente. Essa é a consciência mais dolorosa de todas” [3].
A ideia de um Deus vitorioso, onipotente, mas isolado das vicissitudes humanas, assim, é gradualmente substituída pela imagem de um Cristo quenótico, de rosto materno, que se coloca ao lado das pessoas e compartilha o seu sofrimento – seja a dos fiéis perseguidos ou a dos missionários forçados a escolher entre abjurar ou não para salvar outras pessoas sob tortura.
Com esse romance, Endō quer enfatizar, assim, não só a universalidade do cristianismo e os desafios a que ele é chamado a responder no encontro com a espiritualidade e a cultura japonesas, mas também pretende “escavar no coração do homem em busca daqueles componentes universais que encontram no cristianismo a sua expressão mais autêntica e fundar sobre eles a força da evangelização” [4].
1. F. Castelli, “Quando la letteratura si ispira alla teologia”, in Communio (2001) 179, 34.
2. “Silêncio” foi publicado em japonês em 1966 pela editora Shinchōsha. Foi traduzido para o inglês em 1969 pelo jesuíta W. Johnston para a editora Sophia University & Tuttle e foi lançado pela primeira vez em língua italiana em 1972, pela editora Nippon Printing, com uma tradução do japonês pelo missionário franciscano Bonaventura G. Tonutti. Em 1966 (o mesmo ano da sua publicação), o romance recebeu o Prêmio Tanizaki, que é considerado, junto com o Prêmio Akutagawa, um dos mais importantes reconhecimentos literários do Japão.
3. M. Scorsese, “Afterword”, in M.W. Dennis – D.J.N. Middleton, Approaching Silence. New Perspectives on Shusaku Endo’s Classic Novel, Bloomsbury Academic, New York-London 2015, 398.
4. F. Castelli, “Un ‘thrilling’ teologico. Silenzio di Shusaku Endo”, in em La Civiltà Cattolica (1973) 2.961, 235.
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"Silence": as perseguições no Japão, de Endō a Scorsese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU