05 Dezembro 2016
“O medo é a língua franca do mundo global. Um mundo em que a violência religiosa ocupa a cena pública como protagonista.” Alberto Melloni parte dessa consideração para explicar por que hoje, mais do que nunca, é necessário não fugir, não se refugiar em simplificações fáceis: nós e eles, radicais e moderados, guerras terroristas e guerras justas.
A reportagem é de Raffaella De Santis, publicada no jornal La Repubblica, 03-12-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E, como o medo se alimenta de lugares-comuns e é inimigo do conhecimento, Melloni pensou em coenvolver uma rede internacional de estudiosos para discutir as religiões. Uma comunidade inspirada na American Academy of Religion, mas com entrada franca, que não exige inscrições, em que um teólogo de Casablanca poderá debater com um exegeta cristão sem preconceitos: “Apontamos para a função levitante do pensamento. Estamos cansados de uma diplomacia das autoridades religiosas muitas vezes exibida em favor das câmeras.”
Assim, depois de três anos de trabalho, nesse domingo e nesta segunda-feira, será apresentada em Bolonha a European Academy of Religion, uma rede de intelectuais, instituições e associações com raízes na Europa, mas ramificações planetárias.
“O grande ausente na cena contemporânea é o saber. E sabe-se que o fundamentalismo tira proveito da ignorância”, explica Melloni, satisfeito com a participação de grandes organizações, como o Fórum de Davos e a Unesco.
Até hoje, a Academia registrou mais de 500 adesões, mas todos os dias adicionam-se novas: universidades, centros de pesquisa, associações, órgãos de comunicação (incluindo o jornal La Repubblica, a agência Ansa, Le Monde des Religions e Rai).
Aderiram mais de 20 mil estudiosos, confessionais e laicos, das margens do Mediterrâneo à Rússia, do Oriente Médio aos Estados Unidos. A Academia se reunirá uma vez por ano (primeiro encontro em maio próximo, em Bolonha).
Nesse culto simpósio que reúne filósofos, estudiosos da religião, sociólogos, professores de direito, antropólogos, especialistas em media data, teólogos, cada um vai levar o próprio saber como dote. E, se hoje um debate sereno sobre essas questões parece uma utopia, Melloni aposta que “as incompatibilidades entre disciplinas e metodologias podem ser superadas”. Estudioso da história do cristianismo, Melloni já tinha delimitado esse universo no “Dicionário do saber histórico-religioso do século XX”.
“Precisávamos de um lugar para nos encontrar e discutir”, diz Silvio Ferrari. O professor, que ensina direito e religião na Universidade de Milão e é presidente honorário do International Consortium for Law and Religion Studies, não está preocupado com a proximidade entre perspectivas confessionais e científicas, nem com o fato de que a Faculdade de Teologia de Atenas vai se encontrar ao lado da École Pratique des Hautes Études de Paris, ou que o Centro Schuman irá compartilhar o espaço com uma associação religiosa iraniana ou israelense.
Muito pelo contrário, esse é o desafio: “Estou muito interessado em saber como as faculdade de teologia muçulmana vão falar de liberdade religiosa”.
Não cair em generalizações fáceis: essa, sem dúvida, é a contribuição mais séria que a Academia pode dar. O conhecimento como antídoto à linguagem do ódio e às generalizações das quais ele se alimenta. Incluindo, segundo Melloni, a contraposição entre muçulmanos “radicais” e “moderados”: “É uma distinção assumida acriticamente. Como se um uso sanguinário da fé fosse mais ‘radical’ do que uma prática ‘espiritual’”.
Peter Hünermann, teólogo católico da Faculdade de Tübingen, faz disso uma questão política e cultural: “Vivemos anos difíceis, em que se exacerbou o choque entre o secularismo e religião. A única saída é se confiar a um processo de educação da sociedade”.
Entre os aderentes à Academia há também uma teóloga feminista combativa, Marinella Perroni: “A religião não é apenas uma questão privada. A Alemanha e a França têm universidades islâmicas. Na Itália, ao contrário, ainda estamos discutindo o direito dos muçulmanos de terem locais de culto próprios”.
A mesma opinião é compartilhada por Susanna Mancini, professora de direito constitucional comparado: “Nos Estados Unidos, existem as Divinity Schools, onde se formam os rabinos ou os pastores protestantes. Entre nós, contudo, não existe nada semelhante. Eu espero que a Academia contribua para aproximar as nossas academias às ciências da religião”.
Os dados também ajudam para desfazer alguns lugares-comuns. Tome-se o último dossiê estatístico de 2016 Idos-Confronti, dirigido por Paolo Naso. Descobrimos que, na Itália, existem mais de 5 milhões de estrangeiros, ou seja, 8,3% da população residente, que é de mais de 60 milhões. Entre estes, o primado numérico não é dos muçulmanos (1,6 milhão), como erroneamente se pensa, mas dos cristãos ortodoxos, protestantes e católicos (2,7 milhões).
Desinformação, medo do estrangeiro e ódio estão ligados. Bauman escreve em “Amor ao ódio”: “Parece que o ódio e o medo são prisioneiros de um círculo vicioso, que se alimentam reciprocamente e obtêm um do outro a animosidade e o ímpeto que os inflamam”.
É também por isso que a Academia visa a colocar novamente em jogo a carta do saber: para finalmente tirar do medo o papel de decision maker.
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Todos à universidade do diálogo inter-religioso: nasce a European Academy of Religion - Instituto Humanitas Unisinos - IHU