Por: Jonas | 29 Abril 2016
O cardeal Kasper e a ala progressista da Igreja alemã obtiveram o que queriam. Na comunhão aos divorciados em segunda união, Francisco está ao seu lado. Decidiu há tempo e trabalhou assim.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Chiesa.it, 28-04-2016. A tradução é do Cepat.
A confirmação definitiva da adesão do Papa Francisco à solução alemã da questão crucial da comunhão aos divorciados em segunda união foi dada pelo mais célebre dos cardeais e teólogos da Alemanha, Walter Kasper, na entrevista do dia 22 de abril, publicada por “Aachener Zeitung”, um jornal de Aachen.
Graças à exortação pós-sinodal “Amoris Laetitia” – disse Kasper – os bispos alemães agora contam com “ventos favoráveis para resolver essas situações de uma forma humana”.
E contou este episódio revelador. Há algum tempo, um sacerdote que ele conhece havia decidido não proibir uma mãe que havia se casado novamente que também recebesse a comunhão no dia da primeira comunhão de sua filha. O próprio Kasper ajudou este sacerdote a tomar a decisão, com a certeza de que contava com “toda a razão”. Posteriormente, o cardeal informou isso ao Papa, que aprovou a decisão e lhe disse: “É deste modo que um pastor deve tomar uma decisão”.
Como consequência, “a porta está aberta” para a admissão aos sacramentos dos divorciados em segunda união, continuou dizendo Kasper. “Há também uma certa liberdade para cada um dos bispos e as conferências episcopais. Porque nem todos os católicos pensam como nós, alemães. Aqui [na Alemanha], é possível permitir o que na África é proibido. Por isso, o Papa dá liberdade para diferentes situações e para futuros desdobramentos”.
Entre Kasper e Jorge Mario Bergoglio, há muito mais que um contato ocasional. Em sua última coletiva de imprensa, em um avião, no retorno da ilha grega de Lesbos, Francisco disse que havia experimentado “aborrecimento” e “tristeza” pela importância que os meios de comunicação deram à comunhão para os divorciados em segunda união.
No entanto, isso aconteceu justamente por causa da decisão do Papa de confiar a Kasper – há décadas, o número um dos partidários de uma virada na matéria – o discurso de abertura do Consistório cardinalício de fevereiro de 2014.
Após esse dramático consistório, houve dois sínodos que manifestaram as fortes divisões dentro da hierarquia da Igreja. Mas, na mente de Francisco o roteiro já está escrito. E o que agora se lê na “Amoris Laetitia”, cujo ponto culminante é precisamente o capítulo oitavo, redigido na forma vaga e oscilante típica de Jorge Mario Bergoglio quando quer abrir e não fechar um processo, mas que justamente faz dizer agora a Kasper e aos alemães, com absoluta certeza, que neste momento possuem “ventos favoráveis”.
É verdade que nem todos os cardeais e bispos da Alemanha concordam com Kasper. Também é alemão o outro cardeal e teólogo, Gerhard L. Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que fez saber, muitas vezes – a última em um livro publicado pouco dias antes da publicação da “Amoris Laetitia” –, que discorda radicalmente com tudo aquilo que, absolvendo aos divorciados em segunda união e os admitindo à comunhão, de fato, mina os fundamentos de três sacramentos, não de um: o Matrimônio, a Penitência e a Eucaristia.
Agora, tornou-se evidente que para Francisco o cardeal não conta para nada, apesar de seu papel de guardião da doutrina e do esforço inútil de ter enviado ao Papa dezenas de notas corretivas do rascunho da exortação, que lhe foi entregue para que a analisasse com antecedência, por mero dever de ofício.
Com efeito, para apresentar oficialmente ao mundo a “Amoris Laetitia” no dia de sua publicação, o Papa não convidou Müller, mas outro cardeal e teólogo da área de língua alemã, Christoph Schönborn, arcebispo de Viena.
E poucos dias depois, durante o voo de Lesbos a Roma, Francisco novamente propôs Schönborn como exegeta principal da exortação pós-sinodal, e o definiu como “grande teólogo [que] conhece bem a doutrina da fé”. Diante da pergunta se agora, de fato, existe ou não para os divorciados em segunda união a possibilidade anteriormente impedida de receber a comunhão, o Papa respondeu com um categórico e inequívoco: “Sim. Ponto”. Mas, recomendou que se dirigissem exatamente a Schönborn para ter uma resposta mais detalhada.
Não é por acaso. Porque no Sínodo do último mês de outubro foi justamente o Arcebispo de Viena, de acordo com Kasper, que explicou no “Circulus germanicus” as fórmulas de aparente respeito ao magistério tradicional da Igreja, mas ao mesmo tempo abertas à mudança – aptas para evitar as objeções de Müller – que depois convergiram na “Relatio finalis” do sínodo e, por último, na “Amoris Laetitia”. Contudo, sempre dessa forma estudadamente ambígua que agora permite ao partido de Kasper cantar vitória e a Müller e outros que estão de seu lado sofrer uma dolorosa derrota.
Na frente oposta à vitoriosa solução alemã, até o momento, há um único bispo que reagiu indo diretamente ao coração da questão, não apenas se refugiando por trás da natureza “não magisterial” – por consequência, só interpretável à luz do anterior magistério da Igreja – da “Amoris Laetitia”, assim como decidiu fazer, por exemplo, o cardeal Raymond L. Burke.
Curiosamente, este bispo também é de ascendência alemã. Seu nome é Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão.
O texto do pronunciamento do bispo Schneider, na íntegra, foi publicado em italiano, no dia 24 de abril, pela agência on-line “Corrispondenza Romana”, dirigida pelo professor Roberto de Mattei. E no idioma inglês apareceu, no dia seguinte, no blog “Veri Catholici”.
A respeito da questão da comunhão aos divorciados em segunda união, a crítica de Schneider à “confusão” produzida pela “Amoris Laetitia” é duríssima. “A confusão chega a seu ponto culminante – afirma – porque todos, tanto os partidários da admissão à comunhão para os divorciados em segunda união, como seus opositores, sustentam que a doutrina da Igreja nesta matéria não foi modificada”.
Schneider faz uma comparação com a propagação da heresia ariana no século IV. No ano 357 [d. C], a confusão chegou ao extremo quando o próprio Papa Liberio rubricou uma fórmula ambígua a respeito da divindade de Jesus, o que levou São Jerônimo a dizer, ao descrever o estado de confusão da época: “O mundo inteiro geme e adverte com assombro que se tornou ariano”.
Nessa conjuntura – faz notar Schneider –, “Santo Hilário de Poitiers foi o único bispo que dirigiu reprimendas severas ao Papa Liberio por esses atos ambíguos”.
Contudo, também hoje – prossegue dizendo o auxiliar de Astana – a situação é tal que cada um poderia exclamar como São Jerônimo: “Todo mundo geme e adverte com assombro que na práxis se aceitou o divórcio”.
Assim como no século IV “São Basílio Magno fez um apelo urgente ao Papa de Roma para que com a sua palavra fosse indicada uma direção clara para finalmente se alcançar unidade no pensamento, na fé e na caridade”, também hoje “se pode considerar legítimo um apelo ao nosso querido Papa Francisco, o Vigário de Cristo e ‘o doce Cristo na terra’ (Santa Catarina de Siena), para que ordene a publicação de uma interpretação autêntica de ‘Amoris Laetitia’, que necessariamente deveria conter uma declaração explícita do princípio disciplinar do magistério universal e infalível a respeito da admissão aos sacramentos para os divorciados em segunda união, da maneira como está formulado no parágrafo n. 84 da ‘Familiaris Consortio’”.
Esse parágrafo n. 84, “incompreensivelmente ausente na ‘Amoris Laetitia’, diz: “A reconciliação no sacramento da penitência – que lhes abriria o caminho ao sacramento eucarístico – somente se pode dar aos que... assumem o compromisso de viver em plena continência, ou seja, de se abster dos atos próprios dos esposos”. Neste estado de coisas, parece muito pouco provável que o Papa Francisco aceite um chamamento semelhante.
O processo de mudança está em movimento e ele é o primeiro a não mostrar a mínima intenção de querer detê-lo. Pelo contrário.
É o processo no qual os alemães da linha Kasper “obtêm tudo o que querem”, como observa o teólogo moral E. Christian Brugger, professor no Seminário Teológico São João Maria Vianney, de Denver, na análise da “Amoris Laetitia”, publicada no dia 22 de abril, pela The Catholic World Report”, uma revista americana on-line dirigida por Carl Olson e editada pelo jesuíta Joseph Fessio, fundador e diretor de Ignatius Press.
Uma última observação a propósito da linha entre o Papa argentino e a ala progressista da hierarquia alemã: o cardeal Kasper, junto com seu compatriota e companheiro Karl Lehmann, teve uma importante participação nesse punhado de purpurados que nas décadas prévia e posterior a 2000 se reunia periodicamente na Sankt Gallen, na Suíça alemã, e do qual finalmente floresceu a eleição de Bergoglio para Papa.
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A opção alemã do Papa argentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU