Numa sociedade machista Jesus continua próximo da mulher. Comentário de Ana Casarotti

Foto: canva

04 Outubro 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 10,2-16 que corresponde ao 27 Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Queriam tentá-lo e lhe perguntaram se a Lei permitia um homem se divorciar da sua mulher. Jesus perguntou: «O que Moisés mandou vocês fazerem?» Os fariseus responderam: «Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e depois mandar a mulher embora.»

Jesus então disse: «Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar.»

Quando chegaram em casa, os discípulos fizeram de novo perguntas sobre o mesmo assunto. Jesus respondeu: «O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério.»

Depois disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos os repreendiam. Vendo isso, Jesus ficou zangado e disse: «Deixem as crianças vir a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas. Eu garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele.» Então Jesus abraçou as crianças e abençoou-as, pondo a mão sobre elas.

Jesus abandona definitivamente a Galileia e inicia o caminho a Jerusalém. Continua ensinando aos seus discípulos e os que estão ao seu lado sobre o mistério do reino, como é viver na comunidade que ele está lhes-convidando a participar. Jesus apresenta assim diferentes ensinamentos catequéticos. Os discípulos e discípulas de Jesus não somente devem conhecer seus ensinos; é preciso que saibam distinguir perguntas capciosas, mal-intencionadas. No texto deste domingo um grupo de “fariseus se aproximaram de Jesus”. Mas sua intenção era bem clara e precisa: “Queriam tentá-lo e lhe perguntaram se a Lei permitia um homem se divorciar da sua mulher”.

Na sua vida e no seu agir, Jesus permitia que as mulheres o acompanhem, faziam parte da comunidade e ele oferecia um lugar importante para a mulher. Isto não era bem visto para algumas pessoas e entre eles os fariseus que procuram colocar Jesus a cruz e a espada. Na sociedade machista desse momento todos os homens sabiam que podiam separar-se da sua mulher e particularmente os fariseus conheciam a Lei. Por isso a pergunta é capciosa e eles tem astucia para introduzir Jesus num erro.

O diálogo com Jesus é sobre o matrimônio, porém não sob o ângulo da casuística, mas sob o ângulo da vontade de Deus. E um encontro “catequético” que se desenvolve em forma de diálogo.

Na história do povo de Israel, esta vontade inicial de Deus nem sempre se realizou, porque os homens achavam legítimo despedir suas mulheres. Para protegê-las, a legislação deuteronomística previu que as mulheres repudiadas recebessem um certificado de divórcio e, desta forma, a mulher estaria livre para casar com outro homem, sem ser acusada de adultério. Mas esta intenção também foi esquecida, e o divórcio passou a ser uma demonstração do arbítrio e do machismo.

Tendo em conta este panorama, podemos entender melhor a resposta de Jesus, que em primeiro lugar mostra que a legislação do divórcio foi feita para enfrentar a maldade humana: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento”.

E em segundo lugar, Jesus restaura o sentido inicial do matrimônio dentro do projeto de Deus: “o que Deus uniu, o homem não deve separar”. Jesus insiste na fidelidade ao pacto de amor, ao compromisso mútuo que está por cima das leis estabelecidas pelos homens. O matrimônio é um projeto de amor que implica equidade de direitos, dignidade e obrigações. Não pode existir uma relação de dominação, porque isso estaria indo contra os direitos pessoais e sociais.

Jesus veio para fazer possível o sonho de Deus referente ao amor humano. Em outra passagem evangélica, vemos como ele mesmo se coloca no meio da festa de bodas para cuidar que o vinho do amor não se acabe, oferecendo-se ele mesmo como a fonte do Amor (Jo 2,1-12).

Qual é a visão de matrimônio da sociedade de hoje? Alimentamos ainda hoje a utopia do matrimônio? A proposta evangélica é para aqueles que, querendo abraçar o ideal cristão de vida, e sendo conhecedores de suas limitações e fraquezas, buscam em Jesus a fonte e o Mestre para viver o caminho do amor. Fomos feitos por amor e para o amor, e vivê-lo é um processo, uma arte que se aprende na família, com os amigos, na comunidade. Fazendo referência ao matrimonio o Papa Francisco lembra que “A preparação para o matrimônio deve tornar-se parte integral de todo o procedimento do matrimônio sacramental, como um antídoto para evitar a proliferação de celebrações matrimoniais nulas ou inconsistentes”, escreve, ao introduzir os “Itinerários catecumenais para a vida matrimonial” (Papa Francisco quer transformar preparação do Matrimônio na Igreja Católica, para evitar uniões “nulas ou inconsistentes”)

Depois disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos os repreendiam.

No texto evangélico, logo a seguir da explicação de Jesus sobre o matrimônio, este novo desentendimento dele com seus discípulos. Lembramos que Jesus já lhes tinha explicado a centralidade das crianças no Reino de seu Pai, mas eles continuam sem entender. As crianças são um sinal de vida e ao mesmo tempo de fragilidade, de dependência, de um ser humano em crescimento, com um futuro pela frente. Jesus não só quer que as crianças vão a Ele, mas ainda acrescenta uma sentença muito importante: “quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele”.

É um convite que o Senhor nos faz para reconhecer nossa realidade humana mais profunda, somos finitos, limitados, mas com sede de infinito, de plenitude! A vida é o presente que recebemos de Deus para percorrer esse caminho entre o finito e o infinito, entre o amor limitado e a plenitude do amor.

Nesse peregrinar não estamos sozinhos/as como as crianças do evangelho, Jesus pega-nos no colo, abraça-nos, isto é, está conosco, desde já nos concede viver sua amizade, sua companhia amorosa. É por isso que podemos, apesar das dificuldades da vida pessoal e a dos outros, continuar apostando no matrimônio, no amor duradouro, sabendo que nesse caminho a dois, é preciso deixar entrar, renovar, agir um Terceiro! Fazemos nossas as palavras de Adroaldo Palaoro no seu comentário sobre este texto evangélico: O homem e a mulher são um lugar privilegiado de revelação e de experiência do Amor de Deus. Eles são a encarnação e a visibilização desse Amor Ágape que tem sua fonte no próprio Deus. Cada pessoa jamais deixa de ter suas raízes plantadas no coração do Criador (Matrimônio: Amor de Deus que se faz carne)

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