O Magnificat: um cântico revolucionário. Comentário de Ana Casarotti

Foto: Wikimedia Commons

15 Agosto 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 1,39-56 que corresponde ao Solenidade da Assunção da Virgem Maria, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Eis o texto. 

Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!" Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu". Então Maria disse: "A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre". Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa.

Para celebrar a festa da Assunção de Maria, a liturgia nos oferece um texto do primeiro capítulo do Evangelho de Lucas. É uma história bonita e tão claro que, às vezes, é difícil desfazer as muitas análises que obscurecem sua normalidade e dificultam o reconhecimento da mensagem que ela traz. Uma mulher, Maria, fica sabendo que sua prima está grávida e corre para encontrá-la.

O evangelho nos diz que Maria partiu para a região montanhosa, que era um dos três caminhos possíveis para chegar à cidade da Judeia onde Isabel mora. É uma longa jornada, de 150 km, que Maria, recém-grávida, empreende desde o momento em que fica sabendo da bênção de Deus sobre sua prima. Ela ansiava por ter um filho, mas até aquele momento isso não foi possível. Com a alegria do Espírito, que também havia agido nela, Maria partiu com o desejo de encontrar, abraçar, estar ao lado de alguém querido e ajudá-la nesse momento especial.

Lucas, que é historiador, não se restringe os modelos preestabelecidos para os grandes protagonistas da história, que geralmente são homens importantes, que conquistaram cidades, derrubaram impérios, subjugaram povos inteiros, deixando como legado os vestígios de muitas pessoas empobrecidas, marginalizadas e excluídas. Ao contrário, o evangelista nos apresenta a vida em movimento, uma mulher grávida que vai em busca de sua prima, também grávida, para desfrutarem juntas desse dom de Deus: a vida que nasce em seu ventre.

Quantas mulheres também viajam pelas cidades hoje em dia para dar a seus filhos uma melhor qualidade de vida, para cuidar de um parente que precisa de ajuda, para consolar ou para comemorar um presente recebido, como fez Maria. Essas não são viagens "planejadas", com uma rota pré-estabelecida, como talvez tenhamos nos acostumado hoje. O texto relata que Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia.

Maria morava em Nazaré, em uma pequena cidade onde as notícias se espalham rapidamente. Podemos pensar na surpresa de José com a decisão de Maria de visitar a prima, talvez em seus temores quanto à insegurança da longa viagem, em sua preocupação com a criança que carregava no ventre. Como também acontece hoje, ele receberia vários conselhos, alguns encorajando a viagem e possivelmente outros sugerindo que ele deveria desistir. Mas, evidentemente, a iniciativa de sair para visitar a prima vem de outro lugar: o mesmo Espírito ao qual ela respondeu, faça-se em mim a tua vontade, a move hoje a visitar a prima. Ele é o protagonista em ação na simplicidade dessa mulher, Maria, que não fica pensando na longa viagem que terá de fazer ou em possíveis sugestões para desistir, mas encaminha-se imediatamente para a Judeia.

Às vezes é difícil, por causa da interpretação "transcendente" que é inerente à leitura de cada relato do Evangelho, pensar em Maria como uma jovem grávida que poderia ter medo da insegurança de uma viagem que talvez nunca tivesse feito antes, que se fazia perguntas: quanto tempo duraria a viagem, onde poderia ficar, como cuidar do presente que Deus lhe dera e que ela carregava consigo... Uma jovem que possivelmente só tinha a experiência de vida de sua idade e de seu povo, que conhecia a gravidez e o parto por sua experiência em Nazaré. Naquele momento, era hora de deixar seu ambiente seguro e familiar e partir em uma jornada para a qual receberia muitos conselhos.

Isso é o que acontece com as jovens mães que deixam sua terra natal em busca de melhores condições, elas não sabem muito sobre onde ficar, nem o que farão no caminho, mas empreendem a jornada com alegria, olhando para a meta desejada. Nessa jornada, o Espírito estava moldando o coração de Maria e ela aprendeu progressivamente a reconhecer sua presença no ambiente, nas pessoas que encontrava, na própria jornada, nos desafios que encontrava.

Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.

Lucas descreve uma saudação que faz vibrar de alegria as profundezas da vida nascente que Isabel está acolhendo. Maria é portadora de uma alegria que é contagiosa, que se expande, que vem crescendo em sua jornada e que Isabel acolhe com profunda emoção. Maria, portadora do Evangelho de Jesus que carrega em seu ventre, comunica-o em sua saudação. Duas mulheres protagonistas da boa notícia que é transmitida pela palavra alegre e cordial dos lábios de Maria!

E assim Maria nos convida a sermos portadores da vida que contagia com a alegria da libertação que ela traz. Uma liberdade que se constrói com esforço e luta diária contra os sistemas que favorecem os poderosos desenvolvidos para isolar os mais pobres que não participam da construção das novas torres de Babel. Maria nos convida a não baixar os braços diante da injustiça gerada pelos orgulhosos de coração e a unir nossos esforços para derrubar os poderosos de seus tronos e criar espaços onde os humildes e simples possam se sentir em casa e reconhecer a presença de Deus.

Maria nos revela que Deus não é passivo diante da dor e do sofrimento gerados pelo orgulho, pela ambição e pelo poder de alguns, mas nos chama a construir uma sociedade mais justa que reflita cada vez mais o coração e o desejo de Deus. Como cristãos, não podemos ficar indiferentes às injustiças que nos cercam, como, por exemplo, a que está acontecendo atualmente com os povos indígenas, ou, pior ainda, achar que isso responde a algum desígnio de Deus. O Magnificat que somos convidados a cantar com nossas vidas e ações diz assim: "Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias".

O Magnificat é uma canção revolucionária que convida a uma autêntica libertação! Não é um cântico de resignação ou de espera passiva por mudanças e intervenções divinas em favor dos pobres, dos famintos e dos humilhados, como se isso dependesse de Deus, mas é um cântico que nos chama à ação de sair, como Maria apressadamente, para ir ao encontro dos necessitados.

Que este cântico de Maria seja reflexo da nossa vida e da nossa comunidade:

Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração.
Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes.
Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias.
Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia,
conforme prometera aos nossos pais,
em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre.

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