Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho da Vigília Pascal, 8 de abril de 2023 (Mateus 28,1-10). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Neste dia, o primeiro dia depois do sábado, início de uma nova semana, na verdade inicia um novo tempo, o tempo da vitória do amor sobre a morte, um tempo que durará até ao fim do mundo (cf. Mt 28,20). É o tempo em que Jesus, o Senhor vivo, “vem” para encontrar os homens e as mulheres que procuram dar um sentido à sua vida; é o tempo em que os discípulos de Jesus, sem o terem visto, convictos de que ele está vivo, procuram segui-lo e conformar sua vida cotidiana à sua própria vida humaníssima (cf. 1Pd 1,8-9). Esse dia que marca uma virada na história é a Páscoa do Senhor, o Dia do Senhor!
O que aconteceu na história, na madrugada daquele 9 de abril do ano 30 da nossa era, o terceiro dia após a crucificação e a morte de Jesus? Todos os Evangelhos nos dão um testemunho concorde: o túmulo no qual Jesus havia sido sepultado encontra-se vazio.
Mas sigamos o relato de Mateus, como nos pede a liturgia da grande e santíssima Vigília Pascal. Passado o sábado, na madrugada do primeiro dia da semana, as mulheres discípulas que haviam sido testemunhas da morte de Jesus na cruz (cf. Mt 27,55-56) e acompanharam seu sepultamento por José de Arimatéia (cf. Mt 27,61) vão ao túmulo de Jesus.
Mateus diz que fazem isso para “contemplar” (verbo theoréo) o sepulcro, enquanto Marcos e Lucas, para ungi-lo (cf. Mc 16,1; Lc 24,1). Seu afeto fiel as leva a voltar ao lugar onde Jesus foi deposto, ao seu corpo, porque essas mulheres continuam sendo atraídas pelo seu mestre e profeta, seguido a um caro preço até ao fim. São Maria de Magdala e a outra Maria, que foram da Galileia para Jerusalém com Jesus.
Naquele início do dia, estão ausentes os discípulos, aqueles que tinham deixado tudo para seguir o rabi Jesus (cf. Mt 4,18-22), mas depois, durante sua paixão, o abandonaram para fugir, todos, sem excluir nenhum deles (cf. Mt 26,56). Também essa ausência evidencia a presença das discípulas, que, em seu vínculo perseverante com Jesus, tornam-se as primeiras testemunhas de sua ressurreição. Assim que essas mulheres se aproximam do sepulcro, eis que ocorre o indizível: ocorre uma revelação de Deus, e é feito um anúncio às mulheres que só Deus podia fazer, um anúncio que se impõe.
A própria terra parece participar da revelação, tremendo como em um terremoto, e um mensageiro do Senhor desce do céu, enviado por Deus, com o rosto resplandecente de luz e as vestes resplandecentes. Temos aqui as imagens vetero-testamentárias que tentam representar o mistério que não pode ser contado com palavras e, ao mesmo tempo, temos a descrição do temor que sempre toma conta de quem se aproxima de Deus.
Esse mensageiro – apenas Mateus narra esse detalhe – desce do céu e faz rolar a grande pedra que fechava o sepulcro, selada pelos guardas colocados pelas autoridades religiosas (cf. Mt 27,62-66); depois, faz dessa pedra um trono, sentando-se gloriosamente sobre ela. A pedra que fechava o túmulo, sinal da morte implacável e invicta, é removida pelo mensageiro que, sentando-se sobre ela, proclama que a morte foi vencida, que não é mais a última realidade. Ele também se impõe aos guardas, que “tremeram e ficaram como mortos”.
O mensageiro, portanto, pode dirigir-se às mulheres, dizendo-lhes: “Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que ele estava”. Acima de tudo, o mensageiro as tranquiliza e certifica que conhece a sua busca: elas buscavam Jesus! Buscavam aquele que tinham visto crucificado três dias antes, aquele que havia morrido na cruz e havia sido sepultado no túmulo por elas visitado.
Mas o túmulo está vazio, e esse é um sinal para passar da aporia à fé. No sepulcro vazio, não há uma prova da ressurreição: de fato, seria possível dizer que os discípulos foram roubar o corpo (cf. Mt 27,64), que Jesus não morreu, mas fugiu; outras explicações poderiam ser aduzidas…
Mas o que é decisivo é que no anúncio: “Ele não está aqui. Ressuscitou”, o mensageiro acrescenta: “como havia dito”, evidenciando que havia palavras ditas por Jesus que deviam ser lembradas e acreditadas.
As mulheres iniciam, assim, o fatigante caminho de recordar, de reviver as palavras de Jesus como confiáveis, fonte de fé, de convicção. Nelas nasce a fé: recordando as palavras de Jesus (dizem Marcos e Mateus), recordando também as Escrituras do Antigo Testamento, verdadeira profecia (diz Lucas), interpretando tudo isso à luz do túmulo vazio, elas aderem à revelação: “Jesus, o crucificado, ressuscitou!”.
E assim que as mulheres chegam a interpretar o evento ocorrido na história, o evento do túmulo vazio, logo sentem nelas o impulso, o desejo, a força para anunciar o evento. Devem ir ao encontro dos discípulos amedrontados e fechados em sua habitação em Jerusalém, para lhes anunciar a boa notícia pascal da ressurreição de Jesus. E na Galileia ocorrerá o encontro:
onde havia ocorrido o chamado,
o encontro e a intimidade,
o envolvimento com a vida de Jesus,
para lá era preciso voltar, com um caminho que não é geográfico, mas existencial. É um voltar ao início para recomeçar e, assim, transcender a hora da negação, do abandono do Senhor, da própria queda.
As mulheres, então, correm, abandonando às pressas o sepulcro, que não tem mais nenhum significado para elas e, convencidas de que Jesus ressuscitou, vão levar o Evangelho aos seus discípulos. Sim, as mulheres foram as primeiras destinatárias do anúncio pascal, foram enviadas àqueles que se diziam enviados (apóstoloi) do Senhor: esse dado ainda hoje parece não ser plenamente aceitável pela cultura eclesiástica... Mas, na verdade, esse não é detalhe pequeno, e hoje devemos ressaltar sua peculiaridade: as mulheres discípulas, e não os discípulos, são os sujeitos do primeiro testemunho, da primeira evangelização pascal.
É um fato que permanece inegável, que não pode ser ignorado ou recordado apenas superficialmente, mas deve nos questionar hoje e ser fonte de perguntas para a cultura cristã dominante nas Igrejas, em todas as Igrejas. Aquela manhã de Páscoa, aquele início da salvação, tem como protagonistas as mulheres discípulas: os discípulos permanecem fechados, os sacerdotes e os escribas permanecem convencidos de que Jesus está morto e corrompem os guardas para que testemunhem o falso, e as pessoas vivem a habitual indiferença que as induz a não fazer perguntas.
Mateus nos diz não só que as discípulas anunciaram a fé pascal aos discípulos, mas também que puderam ver uma manifestação de Jesus ressuscitado. Ele vai ao encontro delas, quase como para lhes agradecer pela missão realizada junto aos discípulos, e as saúda dizendo: “Alegrem-se!” (chaírete). Então, aproximam-se de Jesus e seguram-lhe os pés, isto é, caem por terra e, prostradas, abraçam-lhe os pés, constatando que ele está vivo, expressando-lhe seu afeto fiel, alegrando-se porque sua morte não foi um fracasso, mas uma passagem (é isso que significa o termo “páscoa”) para uma vida nova, a vida eterna de Deus.
Jesus, em resposta, dá-lhes o mandato já dado pelo mensageiro: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão”.
Esse mandato de ir para a Galileia, para as discípulas e os discípulos, significa: “Reconstituam a comunidade depois da dispersão ocorrida em Jerusalém. Retomem o caminho da fé juntos e, nessa terra de fronteira entre Israel e os territórios dos gentios, comecem a anunciar a boa notícia da ressurreição, porque esse é o fundamento do Evangelho”.
Esse evento da ressurreição, os discípulos, os evangelistas e depois todos os cristãos voltarão a contar, a interpretar, celebrando assim sua fé até hoje. Cristo ressuscitou: essa é a nossa esperança, a nossa dívida para com toda a humanidade!