14 Setembro 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 24º Domingo do Tempo Comum, 16 de setembro (Mc 8, 27-35). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A página que nos é oferecida hoje pela liturgia está no centro do Evangelho segundo Marcos e nos revela a identidade de Jesus. As primeiras palavras do Evangelho já proclamam, como uma espécie de título: “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1, 1), mas agora essa confissão é feita por um discípulo no centro da narrativa “evangelho”; e, no fim, será feita por alguém que pertence ao povo, o centurião romano que, debaixo da cruz, vendo o modo como Jesus expirava, disse: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!” (Mc 15, 39).
De acordo com Marcos, esse episódio decisivo se coloca no coração do ministério de pregação e de ação de Jesus. Com os seus discípulos, Jesus vai embora (literalmente “sai”) da Galileia rumo a territórios próximos às fontes do Jordão, nos arredores da capital dessa região, a cidade construída pelo tetrarca Herodes Filipe com o nome imperial de Cesareia, cidade de César. Esse sair de Jesus da terra de Israel não é motivado pela missão, mas é um distanciamento das multidões dos adversários, escribas e fariseus, cada vez mais prementes em contestar a sua mensagem e o seu comportamento.
Precisamente nesse “retiro” e “no caminho” (en tê hodô), Jesus interroga os seus discípulos fazendo-lhes perguntas referentes à percepção, às opiniões que as pessoas têm dele. Há já algum tempo, Jesus desempenha a sua missão, são muitos os ouvintes do seu anúncio, muitos o aclamam como rabi, como profeta ou como carismático capaz de fazer Satanás recuar, e a sua fama chegou até Jerusalém, preocupando a autoridade religiosa dos sacerdotes e dos escribas.
Ao mesmo tempo, porém, apareceram adversários que o caluniam, hostilizam-no e o acusam de estar a serviço de Satanás, não um homem enviado por Deus (cf. Mc 3, 22-30). Há, portanto, a urgência de um esclarecimento, e Jesus toma a iniciativa, interrogando os seus discípulos.
Eles relatam a ele que, para alguns, ele é João Batista que voltou à vida, para outros é Elias, para outros ainda é um dos profetas. Sim, para as pessoas que se encontraram com ele, Jesus é um profeta, isto é, um homem enviado por Deus para anunciar a sua palavra e fazer ações no poder dado pelo próprio Deus aos seus enviados. Mas, nesse ponto, Jesus interroga de novo os seus discípulos, interroga todos eles para conhecer a adesão deles: eles o seguiram como mestre, consideram-no como um profeta, mas compreenderam a sua verdadeira identidade?
Pouco antes, Jesus os havia repreendido, perguntando se eles estavam desprovidos de intelecto e por que motivo eles não compreendiam, como se tivessem um coração endurecido (cf. Mc 8, 17-21). Agora, o que eles acreditam sobre Jesus? Todos são interrogados, mas apenas Pedro responde, o discípulo chamado por primeiro (cf. Mc 1, 16-17), e que Marcos recordará como destinatário do anúncio pascal no fim do Evangelho (cf. Mc 16, 7). E diz: “Tu és o Cristo!”, isto é, o Messias, o Ungido.
Eis o reconhecimento da identidade verdadeira de Jesus, que, não por acaso, antes de qualquer outro atributo, será sempre chamado de Jesus Cristo. Jesus é o Messias, e não apenas um rabi, não apenas um profeta, mas o Ungido do Senhor, aquele que faz cumprir as promessas contidas nas Sagradas Escrituras, aquele que instaura o reino de Deus. Para a fé de Pedro, essa é uma primeira etapa, mas a sua confissão é fruto da revelação de Deus, como Mateus evidenciará (cf. Mt 16, 17).
Certamente, no Evangelho segundo Marcos, essa confissão de fé é muito breve, e, depois dela, não se registra nenhuma resposta de Jesus a Pedro, mas apenas a injunção de manter o sigilo sobre a identidade autêntica por ele proclamada. Por quê? Porque as palavras de Pedro expressavam a verdade sobre Jesus, mas precisavam ser assumidas e repetidas não simplesmente como proclamação messiânica de acordo com as opiniões das pessoas e em sentido político, mas deviam ser acolhidas através da visão de um Messias crucificado, não no entusiasmo de uma aclamação triunfalista. Pedro mesmo deveria ainda fazer o caminho “atrás” de Jesus e segui-lo fielmente, para compreender plenamente as suas próprias palavras.
É por isso que, sem solução de continuidade, Jesus continua o diálogo com os seus discípulos começando (érxato: Mc 8, 31) um ensinamento inédito, ainda não ouvido com clareza pelos discípulos: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias”. Esse anúncio é uma verdadeira didaskalía, um ensinamento no qual se expressa sobretudo uma necessitas: “O Filho do Homem deve (deî)”.
Por que “deve”? É claro, não é nem uma fatalidade, nem um destino, nem mesmo a vontade de um Deus que gostaria do sacrifício, dos sofrimentos do seu Filho Jesus, para aplacar a própria ira contra a humanidade pecadora. Por que, então, está escrito “deve”? Porque, acima de tudo, há uma necessitas humana: no mundo, o justo só pode ser rejeitado e perseguido. Sempre ocorreu assim, por causa da maldade dos ímpios, que não suportam o justo, porque só o fato de vê-lo os incomoda e, portanto, tiram-no do meio do caminho. No Livro da Sabedoria, composto no limiar do Novo Testamento, denuncia-se com clareza essa necessitas humana (cf. Sb 1, 16-2, 20).
Mas há também uma necessitas divina que deve ser compreendida: se o justo, no nosso caso, Jesus, vive de acordo com a vontade de Deus, seu Pai, vontade expressada nas Sagradas Escrituras, e faz isso na liberdade e por amor, então a sua vida não pode deixar de conhecer a maldade do mundo e, portanto, a paixão e a morte.
Esse é o caminho de Jesus, que não está sujeito a nenhum “destino” imposto por um Deus perverso, nem ao “acaso”, a um fracasso possível ao ser humano. O que Jesus deve cumprir até o fim é a vontade de Deus, isto é, o amor pelas pessoas, a renúncia a cometer o mal mesmo que para se defender, a fidelidade a um chamado que contém a promessa da vida mais forte do que a morte.
Jesus crê que, mesmo naquele caminho que agora cumpre resolutamente rumo a Jerusalém, rumo à paixão e à morte infligida pelos adversários, Deus, seu Pai, vai assisti-lo, vai apoiá-lo, vai fazê-lo reviver. Como ele cumpre pontualmente a vontade do Senhor, após seu tormento íntimo, ele verá a luz e se levantará dos mortos (Is 53, 8-12).
Se a necessitas passionis não for compreendida desse modo, dá-se a Deus a imagem de um Pai perverso, ou se lê o fim de Jesus como uma casualidade possível! Nem destino nem acaso, mas um caminho nascido da liberdade e do amor, por parte de Jesus e também por parte de Deus, que escolhe se revelar à humanidade como um Deus rejeitado e entregue pelas mãos dos malvados à cruz. Jesus, portanto, ensina e lê o caminho que está à sua frente e que se cumpre em Jerusalém: paixão, morte e ressurreição, e não uma etapa sem a outra.
A esse anúncio, Pedro, tomando Jesus à parte, o repreende, mas Jesus, por sua vez, o reprova e pede que ele volte para o seu lugar: “Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como os homens”. Pedro, que confessou a verdadeira identidade de Jesus, logo depois desse ensinamento inédito, torna-se obstáculo diante de Jesus no caminho rumo a Jerusalém. Sim, toda pessoa que crê pode se tornar um obstáculo para Jesus e, portanto, assumir a atitude de Satanás, o opositor, aquele que obstaculiza a vontade de Deus. Por isso, sempre se deve lembrar a palavra de Jesus, aquela do chamado: “Venham atrás de mim” (Mc 1, 17).
Depois, Jesus dirige esse anúncio da paixão, morte e ressurreição a toda a multidão, que ele chama e convoca à sua escuta: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”. O caminho de Jesus é o caminho de quem quer segui-lo, isto é, do discípulo, da discípula, ontem, hoje e amanhã. É o seguimento de Jesus que faz um cristão, uma cristã, “perder a vida por ele” que significa “salvá-la”: a confissão de fé em palavras não é suficiente!
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