16 Outubro 2015
Aos discípulos que pedem para sentar ao seu lado, “quando estiver em sua glória", Jesus diz que quem quiser ser grande deve servir aos outros. Os lugares que Tiago e João pediram a Jesus serão obtidos por dois malfeitores, no dia da crucifixão!
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 29º Domingo do Tempo Comum do ciclo B (18 de outubro de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura.» (Isaías 53,10-11)
Salmo: 32(33) R/ Sobre nós venha Senhor a vossa graça, pois em vós nós esperamos!
2ª leitura: «Aproximemo-nos então, com toda confiança, do Trono da graça.» (Hebreus 4,14-16)
Evangelho: «O Filho do homem veio para dar a sua vida como resgate para muitos.» (Marcos 10,35-45)
Tiago e João: imagens das nossas próprias ambições
Eis que estamos no coração mesmo da revelação evangélica. Jesus e os seus estão a caminho de Jerusalém, lugar em que a Páscoa irá acontecer. Tiago e João acreditam que Jesus irá tomar o poder. Pedem, então, para sentar um à direita e o outro à esquerda de quem exercerá o julgamento do mundo. Sabemos que esta expressão, "à direita e à esquerda", usada aqui para designar dois lugares com equivalentes graus de dignidade (ao contrário de Mateus 25,31-46), encontra-se nos evangelhos somente a propósito dos dois malfeitores crucificados com Jesus: para estes (“irmãos mais pequeninos”) foi que aqueles lugares foram preparados (cf. versículo 40). Com a menção ao "cálice que eu vou beber", somos remetidos diretamente, portanto, à Paixão. Há um contraste total entre a humilhação e o aniquilamento (a kenosis) que Jesus vai sofrer e a ambição dos dois irmãos. Os outros discípulos não se saíram melhor, ao se indignarem contra os dois. A sua reação revelou estarem no mesmo lugar, significando simplesmente: "Por que eles, ao invés de nós?" Não cometemos também nós este mesmo erro? Este relato está escrito para nos advertir que a Cruz mantém-se sempre um escândalo, uma pedra de tropeço ou, até mesmo, um objeto de repulsa. Denuncia que, espontaneamente, mesmo sem que saibamos, compartilhamos de uma forma ou outra deste sonho de glória de Tiago e João. Atualizamos isto cada vez que, instalando-nos à direita ou à esquerda do juiz, permitimo-nos julgar os outros. Quem poderá dizer que nunca fez isto?
O maior é o que serve
Falei acima no "coração mesmo da revelação evangélica". É que não se trata de uma simples lição de moral, do tipo "não julgueis". Esta instrução é o resultado de fato de uma espécie de demonstração que Deus faz de Si mesmo, em Cristo. A demonstração ou revelação de "como Deus é", do que Ele é. A Cruz é esta demonstração, assim como descrito no final deste texto. Por isso era preciso que, primeiro, Jesus se manifestasse como detentor da Onipotência de Deus. Encarnada, com certeza, num homem "comum", de quem se conhecia o pai e a mãe, mas manifestada por palavras e atos que revelavam outra Origem. "Jamais um homem falou como este homem" (João 7,46), ninguém jamais realizou obras semelhantes (João 3,2). Era preciso que Jesus realizasse milagres. Eles mostram com nitidez que Jesus é "o primeiro", o "maior", o Altíssimo. "O vento e o mar o obedecem"; ele expulsa as forças malignas que envenenam a humanidade; ele faz com que a saúde seja recuperada. Para resumir, Deus e a sua Onipotência o habitam. Ora, a sua obra completa irá se concentrar em sua entrega total nas mãos dos homens. Como diz Paulo: "aniquilou-se a si mesmo" (Filipenses 2,7). O primeiro fez-se o último. Se um homem comum tivesse realizado isto, a cruz não teria significado grande coisa: este aniquilamento ganha valor quando é escolhido pelo próprio Deus, que, assim, revela-se tal qual Ele é.
Seguimos todos na esteira de Tiago e João
A descida de Deus aos nossos infernos, para aí nos encontrar e nos abrir uma saída, é o que significa a Eucaristia, na qual Deus, o Cristo, faz-se nosso alimento, o nosso pão e o nosso vinho. Faz-se ser absorvido por nós. Este é o resultado da "kenosis" do Cristo. Perdendo a sua vida, a sua vida divina dentro de nós, Ele nos faz viver. Por isso a Eucaristia atualiza ao mesmo tempo a Morte e a Ressurreição: “aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá”. E, é lógico, este percurso pascal do Cristo, do mesmo modo que nos revela o segredo de Deus, revela-nos também a nossa verdade, por mais difícil que seja admiti-la e vivê-la. Só podemos existir de fato, escolhendo ser a imagem e semelhança deste amor. Ora, este Evangelho não foi ainda compreendido nem sequer recebido como a verdade da nossa vida. Participamos da Eucaristia às cegas e prosseguimos no culto à nossa superioridade, gerador da mesma violência que matou o Cristo e à qual ele recusou sacrificar para defender-se. Sem falar da competição generalizada pela conquista do poder e da riqueza (ver as tentações do Cristo em Lucas 4), até mesmo na Igreja, onde se cultivam os Reverendos, Eminências, Excelências, etc. Todos sem exceção compartilhamos a mentalidade de Tiago e João; por isso, para fazer-nos precaver, é que este episódio foi relatado. Jesus diz aos dois apóstolos que eles não sabem o que estão pedindo; ainda não sabem o que será este "beber do cálice".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
À direita ou à esquerda? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU