19 Dezembro 2018
"Tantas vezes na minha vida eu simplesmente queria ficar sozinha, sem ser perturbada. Eu queria viver os meus dias entre os altos e baixos da vida familiar, sofrendo confortavelmente, desmoronando lentamente, resistindo à ruptura, estremecendo ao pensamento de mudança. Mas ter um encontro com Cristo é ser perturbado", escreve Simcha Fisher, palestrante, escritora e autora, em artigo publicado por America, 15-12-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Simcha Fisher é palestrante, escritora freelance e autora de “The Sinner's Guide to Natural Family Planning” (O Guia do Pecador para um Planejamento Familiar Natural, em tradução livre). Ela escreve diariamente para seu blog simchafisher.com e semanalmente para o The Catholic Weekly. Ela mora em New Hampshire com o marido e 10 filhos.
No segundo domingo do Advento, ouvimos, na missa, Lucas citar Isaías:
“Preparem o caminho do Senhor,
endireitem suas estradas.
Todo vale será aterrado,
toda montanha ou colina será rebaixada.
Os caminhos tortuosos serão endireitados,
e as estradas esburacadas serão niveladas.
E todos verão a salvação de Deus”
Essa passagem sempre atingiu um ponto sensível para mim. Eu moro num lugar onde as colinas e vales se abrem tão graciosamente no horizonte, que você se apaixonaria. Ao ver a escarpada, até mesmo o mais endurecido utilitarista se comove e se torna um romântico no seio de tanta beleza.
E assim, cada vez que ouço esses versos fico chateada, pois amo minhas montanhas e vales. Quão cruel, destrutivo, até mesmo pensar em aterrá-los, transformar as estradas docemente sinuosas em retas.
Compreendo que seja apenas uma metáfora, mas quando você está de pé ali em frente à paisagem que o próprio Deus fez, as palavras de Isaías são difíceis de engolir. Meu cérebro reclama um protesto: Deus nunca iria mexer numa paisagem como essa. É tão bonita!
É especialmente difícil ouvir justamente esta passagem no Natal, quando estamos focados em fazer tudo parecer encantador e pitoresco, calmo e luminoso". Todo vale será aterrado, toda montanha ou colina será rebaixada”, como isso pode ser bom? Que sentido teria?
Mas então, penso sobre onde estou e como me deleito com a beleza dessa paisagem familiar. Muito provavelmente a estrada sinuosa que aprecio em minha vista foi criada pela dinamite. Eu contemplo a beleza das montanhas e vales, olho através dos longos corredores entre penhascos estriados que foram explodidos para criar espaço para ela. É por ela que chego até minha casa, e também ao hospital.
Para um observador sentimentalista, é uma vergonha sequer pensar em derrubar aquelas belas colinas e endireitar o caminho suavemente sinuoso. Mas para o paciente cujo coração está falhando, é muito bom que aquelas estradas tenham sido completamente explodidas, pois agora a ambulância pode passar em direção ao hospital. É porque alguém vive neste lugar e deve permanecer vivo que nós fazemos algumas explosões; e então descobrimos o que pertence e o que não pertence à paisagem, o que é intrínseco e o que não é.
Isaías falava da encarnação e também da segunda vinda. Mas ele também fala sobre nossos próprios caminhos rochosos individuais, nossas próprias montanhas e vales que devem ser endireitados, nivelados - e, sim, às vezes violentamente explodidos porque eles estão impedindo que o Senhor venha até nós. É verdade, limpar nossas estradas foi violento, foi perigoso e cataclísmico. Mas também foi feito artisticamente, retirando apenas o que precisava ser levado embora. A paisagem não foi colocada em absoluto desperdício. Não foi transformada em escombros ou ruínas. Em vez disso, foi feita para se adequar a um bom e verdadeiro propósito.
Eu não vivi uma vida especialmente trágica ou dramática. Mas como todos, sofri perdas e privações, e também tive fardos e obstáculos. Curiosamente, carregar os fardos e remover os obstáculos era muitas vezes mais violento, doloroso e menos bem-vindo do que outras perturbações mais óbvias. Por quê? Tantas vezes na minha vida eu simplesmente queria ficar sozinha, sem ser perturbada. Eu queria viver os meus dias entre os altos e baixos da vida familiar, sofrendo confortavelmente, desmoronando lentamente, resistindo à ruptura, estremecendo ao pensamento de mudança.
Mas ter um encontro com Cristo é ser perturbado.
Todos os anos o Advento começa, e todos os anos os profetas dizem: Cuidado! Ele está a caminho! Ano após ano, eu confundi a calmaria e tranquilidade do Advento com uma paisagem silenciosa. Mas, de vez em quando, consigo ouvir o que os profetas estão realmente querendo dizer e entender o tipo de silêncio de que se trata. É o silêncio de uma contagem regressiva antes que comece a explosão. E a oração certa é esta: Eu posso não estar pronto, Senhor, mas estou esperando.
O Senhor nos advertiu de que um dia a terra vai virar pó, e nós também. Essas montanhas serão niveladas eventualmente, queiramos ou não. É só uma questão de saber se isso acontecerá agora, enquanto vivemos, ou depois de morrermos. E como vivemos nossas vidas enquanto esperamos que o inevitável cataclismo chegue? Onde estamos investindo nossa energia? Estamos preservando nossas paisagens só porque elas são familiares? Ou estamos nos preparando para a dinamite?
É sobre isso que o tempo do Advento e longo Advento de cada vida individual diz respeito: uma contagem regressiva antes que comece a explosão. A melhor oração do Advento que eu conheço é esta: Jesus, você sabe o que faz parte da minha vida e o que não faz. Aquilo que não pertence, venha e exploda pelos ares.
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O Advento até pode ser um momento de silêncio, mas não fique acomodado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU