20 Julho 2018
Os sacerdotes das villas miseria de Buenos Aires lançam os Hogar del abrazo maternal centros de assistência e acolhimento para mulheres com gestações de alto risco ou imprevistas
A reportagem é de Alver Metalli, publicada por Vatican Insider, 18-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O debate sobre o aborto cavou ainda mais fundo a histórica divisão argentina e criou outra, uma fenda na fenda que atravessa um mesmo partido, uma mesma família, e associações de todos os tipos dentro deles, tanto aquelas orientadas ao serviço do próximo, como aquelas mais puramente profissionais. Não há agregação social que se salve do acenar dos lenços celestes ou verdes, frequentemente brandidos como armas dialéticas. Os efeitos são os de um vidro quebrado onde as linhas de fratura correm enlouquecidas na superfície. Basta a pressão de um dedo para esfacelar o cristal. A Argentina nunca esteve tão dividida como é hoje, e talvez o próprio presidente Macri e seus conselheiros mais próximos - que colocaram no centro da cena nacional a lei sobre o aborto e anunciam que não será votada mesmo que passe pelo exame do Senado – provavelmente não previram a que teria levado a decisão de três meses atrás. Também porque os resultados não lhe seriam favoráveis no momento, se for verdade, como hoje mostra uma pesquisa realizada em junho por um instituto de pesquisas de Buenos Aires, que 49% dos argentinos rejeitam o aborto, 40% o aprova e 11% ainda não tomaram uma posição. Uma evidente desconexão entre sentimento popular e representação política parlamentar.
Mas a meia aprovação da Câmara e a esperada confirmação ou rejeição do Senado tiveram um resultado positivo. Uma gigantesca tomada de consciência da fragilidade em que se encontram as vidas de centenas de milhares de argentinas que todos os anos dão à luz a filhos ou abortam. Mulheres às vezes ainda adolescentes, garotas e jovens que vivem em situações marcadas pela marginalização e à necessidade, muitas vezes, pela violência, inclusive familiar, e onde decidir levar a termo uma gestação requer algo mais do que coragem que a natureza concede a uma mãe. A consciência de que a vida ameaçada pelo aborto precisa de atenção desde a concepção até a morte natural abriu caminho no fosso da divisão com uma urgência inédita em tempos de tranquilidade burguesa.
Pão para os dentes dos sacerdotes que vivem nos abrigos de emergência argentinos e que se colocaram na linha de frente para liderar a batalha contra o aborto, fortalecidos pela autoridade que lhes confere a luta cotidiana pela vida nas realidades mais segregadas da Argentina moderna. Dez anos atrás, recentemente comemorados, os "Hogar de Cristo" foram a resposta à droga que invadia as vilas, o primeiro dos quais foi inaugurado justamente pelo próprio Bergoglio, quando arcebispo. Das poucas casas que começaram em Buenos Aires, os "Hogar" agora se tornaram cerca de cem, com uma metodologia comprovada e resultados comprovados.
A droga, como o aborto, degrada a vida. Assim, dos "Hogar de Cristo" aos "Hogar del abrazo maternal" o passo foi curto e os padres ‘villeros’ o anunciaram nesta terça-feira no túmulo de Carlos Mugica, seu fundador, na Villa 31, a mais populosa e central da capital. São "a resposta concreta aos problemas das jovens mulheres e adolescentes nos nossos bairros que carregam gestações de risco ou mesmo indesejadas e não planejadas", explicaram Dom Gustavo Carrara e o padre José Maria "Pepe" Di Paola.
"Em tempos em que muitos falam para os pobres mostrando sua "preocupação" por eles, as nossas comunidades pretendem mostrar que as mulheres dos nossos bairros escolhem a vida, a vida da menina ou do menino que virá e aquela que a mulher já traz no ventre, mesmo quando muitas vezes estão sozinhas, sem um homem que assuma a paternidade e totalmente ausente ou que está em grandes dificuldades". Uma razão que faz das mulheres as grandes protagonistas da proposta apresentada ontem, porque serão justamente elas, as mulheres, que receberão a atenção necessária e a oferecê-la para aquelas que estão na mesma condição.
O documento apresentado para a cidade está em continuidade ideal com outro documento pelo qual os sacerdotes das villas fizeram frente contra a campanha em favor do aborto, "Com os pobres, abraçamos a vida." Então, em abril, criticavam a liberalização do aborto como uma cortina de fumaça lançada sobre a crise de uma presidência de centro-direita e de seu chefe de governo que se declara pessoalmente contrário ao aborto, para depois abrir as portas ao polêmico tema que o próprio Bergoglio, em seus anos argentinos, havia colaborado para esfriar. Agora reivindicam que "a luta pela igualdade - assim chamada nos discursos atuais - está em nosso DNA: os cristãos acreditam profundamente na fraternidade que nos mostra que somos filhos de Deus e, portanto, irmãos e iguais entre nós e diante de seus olhos”. Disso surge a proposta do "Hogar del abrazo maternal" lançada no país.
"Vamos começar, e convidamos os outros a fazê-lo, para criar Centros para receber adolescentes e mulheres jovens que carregam gestações de risco ou inesperadas, em condições de fragilidade e impotência. Vamos garantir comida, cuidados médicos e sanitários, apoio psicológico, aconselhamento jurídico e social, para que elas possam levar a termo suas gestações e os primeiros anos de seus filhos até que eles entrem no ciclo de formação educacional. Vamos tentar facilitar o acesso às políticas e programas que promovam a vida, tais como o subsídio universal para as mulheres grávidas e os programas de saúde materna e infantil, entre outros", explicaram Carrara e Di Paola.
"Em nossas capelas vamos criar um local adequado onde possam ficar durante o dia, almoçar, tomar um lanche, descansar, receber carinho e atenção, formação e orientação em todas as situações e, nos casos em que não for possível a continuidade com a criança, articular rapidamente com o sistema judiciário sua rápida adoção”. As "casas de abraço materno" prestes a sair nos bairros de Buenos Aires e dioceses periféricas são cerca de vinte.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Argentina se divide sobre o aborto, os sacerdotes "villeros" ao lado das mães - Instituto Humanitas Unisinos - IHU