28 Junho 2018
O jesuíta Pedro Ricardo Barreto Jimeno fala sobre sua iminente elevação ao cardenalato, sobre os desafios que enfrentará, as reformas promovidas pelo Papa e os abusos sexuais de crianças e adolescentes no Peru.
A entrevista é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 27-06-2018. A tradução é de André Langer.
Quando pequeno, no seminário de Lima, Pedro Barreto ficava admirado com os missionários que, com longas barbas, se consagravam à evangelização no coração da selva, jamais imaginou que a sua vocação como bispo seria erguer a voz em defesa da Amazônia. Mas a história o levou a ser vigário apostólico de Jaén primeiro, e arcebispo de Huancayo depois. Naquela região do Peru, descobriu que sua verdadeira missão era proteger o pulmão verde do mundo.
Por isso, quando um cardeal que ele admirava e um velho conhecido para ele como Jorge Mario Bergoglio tornou-se Papa, lançou-se – junto com o cardeal brasileiro Claudio Hummes – na criação da REPAM. Uma rede eclesial dedicada à Amazônia que com o tempo ampliou seus horizontes e incluiu novos atores, como a Cátedra do Diálogo e da Cultura do Encontro do argentino Luis Liberman. Escolhido pelo cardeal Francisco, nesta entrevista Barreto conta detalhes sobre sua nova missão e outros assuntos da conjuntura eclesial.
Como você ficou sabendo da notícia do seu cardinalato?
Não fui eu que fiquei sabendo em primeira mão; foram muitas pessoas que me comunicaram essa decisão do Papa. Eu estava vindo do Peru, estava no aeroporto de Barajas, em Madri, ia chegar em Roma à tarde, mas comecei a receber muitas mensagens. Nas primeiras semanas não conseguia me aprofundar no que significava ser cardeal; estava sempre respondendo mensagens.
E o que essa nova dignidade significa para você?
Não me acostumo com essa ideia de ser chamado de eminência; eu fui batizado como Pedro Barreto, mas essa de eminência é como um chapeuzinho que, espero, não me impeça de estar perto das pessoas. É importante esclarecer que esta nomeação não somente é inesperada e imerecida, mais é um maior serviço, não é um título. Sempre fui uma pessoa muito próxima, é uma virtude que Deus me deu. Tenho outras limitações muito fortes, então, para mim, ser presbítero, arcebispo e, agora, cardeal, não vai me mudar. Continuarei sendo o que sou: servo da Igreja, servidor de Cristo e à disposição do Santo Padre.
Como gostaria de viver esse cardinalato?
Estou bem ciente de que devo ser ainda mais ponte entre a minha Igreja particular e o Papa, além da responsabilidade que tenho em relação ao Sínodo Pan-Amazônico (de 2019). Em janeiro passado, Francisco, ao visitar o Peru, queria começar por Puerto Maldonado e ali disse aos povos da Amazônia: vocês são os interlocutores válidos, vocês devem nos ensinar como viver neste ambiente natural e vocês estão sofrendo muito o embate dessa sociedade de mercado, da mineração informal, que tantos danos provoca à natureza.
Este é um cardinalato que servirá para lançar mais luz sobre a realidade da Amazônia?
Sim, estou envolvido nisso, mas é melhor perguntar ao Papa Francisco.
Mas o que você pensa a respeito?
Sinto uma responsabilidade muito grande em continuar o que já estava fazendo. Não há nenhuma novidade. Sou o vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica, que foi fundada em setembro de 2014; fui o presidente da Comissão de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), assim que estou enfronhado nisso. Ser cardeal não me acrescenta absolutamente nada.
Não acrescenta nenhum peso?
Não, porque se Deus põe a carga, também dá a força para carregá-la.
Qual é a parte mais difícil deste novo papel?
O mais difícil é lidar com os comunicadores, porque não tenho muita experiência com eles. Este é um grande presente de Deus, espero servir, servir e servir.
Com o Papa Francisco mudou a forma de escolher os cardeais, suas procedências e seus perfis. Como vê essa evolução?
Como disse o Papa Francisco em alguma ocasião: a Igreja é católica e universal, é global e, portanto, não deve estranhar, neste processo de renovação, que todas as culturas e todas as nações estejam representadas. Eu entendo que somos cardeais de 90 países, ainda falta muito. Não é uma ideia do Papa, ele está olhando para uma Igreja que deve responder ao mandamento de Jesus de ir até os confins da terra.
Nós não somos representantes do país de origem; nós representamos uma Igreja católica que deve ser fermento de uma sociedade que, aparentemente, não muda, piora, mas que definitivamente nela está a semente do Reino. Isso está claro: o Reino não retrocede, avança.
Há alguns dias você falou com o Papa. Você tocou na questão da ferida aberta para o Peru que são os abusos do fundador do Sodalício de Vida Cristã, Luis Fernando Figari?
Não posso revelar o que falamos. O que posso dizer é que a Igreja no Peru, assim como a Igreja no Chile, na Austrália ou nos Estados Unidos, está se tornando o que Deus quer: transparência e tolerância zero diante de qualquer sinal de corrupção, chamemo-la sexual, econômica ou de qualquer tipo. Nessa perspectiva, sentimos que o Papa Francisco está sofrendo muito, como aconteceu com Bento XVI e, tenho certeza, São João Paulo II, porque se está aqui em Roma e chegam notícias reais.
Qual tem sido a principal falha da Igreja em relação a essa questão?
Eu acredito que o grande pecado da Igreja, e eu me incluo nisso, é que se tratou as vítimas como inimigos. Além de terem sido vítimas do assédio sexual ou da pedofilia, elas achavam que a Igreja as rejeitava. Agora estamos mudando ao considerar que a vítima requer nosso respeito e nossa proximidade, porque há coisas que já são irreversíveis. É por isso que muitas situações estão começando a aparecer.
Estou muito triste por ver que um cardeal de 88 anos de idade está sendo afastado do ministério porque há 50 anos teve um problema desses, o que é muito triste. Mas Jesus nos pede transparência; temos que ser muito claros e não olhar apenas para nós mesmos. Este problema não é só da Igreja ou do Sodalício; é das famílias, da sociedade, e nisso os comunicadores devem assumir a responsabilidade de não culpar apenas a Igreja por esta praga.
Uma mensagem para o seu povo no Peru...
Que tenham confiança em que a Igreja está olhando para os mais descartáveis da sociedade, para aqueles que estão do lado de fora, para aqueles que não contam. Isto não é uma novidade do Papa Francisco. Eu não sou cardeal do Papa o Francisco; sou cardeal da Igreja que quer ser fiel às orientações que o Concílio Vaticano II e a 5ª Conferência do Episcopado Latino-americano em Aparecida nos marcam como caminho.
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“Eu não sou cardeal de Francisco; sou cardeal da Igreja que quer ser fiel”. Entrevista com Pedro Barreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU