10 Abril 2018
Autor de 'A Ordem do Tempo', Carlo Rovelli explica, do ponto de vista da física moderna, que o tempo não existe como o compreendemos.
A entrevista é de Carlos Eduardo Entini, publicada por O Estado de S. Paulo, 07-04-2018.
Ao escrever sobre os fenômenos da Física, Carlo Rovelli acabou se transformando em outro de vendas. O primeiro livro do físico italiano, Sete Breves Lições de Física, lançado em 2014, vendeu mais de um milhão de cópias. Agora chega ao Brasil seu terceiro trabalho, A Ordem do Tempo, dedicado exclusivamente aos mistérios do tempo. Sem fórmulas matemáticas, Rovelli apresenta ao leitor a discussão sobre o tempo desde Aristóleles até as últimas descobertas da ciência, onde ele é uma sucessão de eventos.
Rovelli explica, por exemplo, que o tempo não existe como o conhecemos e que passa mais devagar quanto maior for a gravidade. Ou seja, sua cabeça envelhece ligeiramente mais rápido que seus pés por estar mais longe da Terra e, portanto, é menos sujeita à influência da força de atração do planeta. No livro de Rovelli a discussão não se restringe à ciência, mas também fala das emoções que o tempo causa em nós, como disse em entrevista por telefone ao Aliás.
Como foi sua reação depois do sucesso de 'Sete Breve Lições de Física'?
O livro foi escrito para o público em geral. Eu não pensava que teria tantos leitores. Eu pensava que seria um pequeno livro que poucos leriam. Ao invés disso o sucesso do livro foi uma surpresa. Foi escrito um pouco por acaso. A história do livro é que eu escrevia artigos para um jornal italiano e um editor me pediu para fazer um livro baseado nos artigos e evitei. Pensei não no início. Depois mudei de ideia e o fiz. Mas não era para os apaixonados [pela física], a ideia era fazer um livro completamente fora da Física, a ideia era fazer uma coisa em que se colocasse as ideias centrais. E para minha surpresa a reação foi enorme, foram vendidas 1.200 milhões de cópias.
Como é discutir ciência em tempos de tantas mentiras, como a terra plana?
Esse livro é mais denso do que as Sete Lições, mesmo sendo escrito para o grande público. A primeira parte conta todas as ideias erradas que tivemos sobre o tempo e as coisas que a Física descobriu sobre o tempo e que as pessoas não sabem. É curioso quantas coisas não se sabe, coisas simples como o tempo que passa em velocidade diversa no alto em embaixo.
Por não sabemos?
Talvez porque se precisa de tempo para que essas coisas se difundam ou porque antes falaram de maneira difícil e para especialistas. Ainda ninguém pensou de contar de maneira mais simples. Penso que muita gente tem medo da ciência e a vê como difícil e longe, muito distante. É verdade que algumas coisas que conto são conhecidas há cem anos, mas só recentemente que foram feitas confirmações, experimentos e provas. Recentemente essas coisas se tornaram muito seguras, claras e muito melhor compreendidas. Quando Copérnico compreendeu [que a Terra gira em torno ao Sol] foi necessário passar mais de um século antes que todos se convencessem. Existe um percurso necessário para que todos conhecessem.
Já é uma certeza que o tempo não existe?
Sim, no meu livro na primeira parte que falo de coisas que estão bem seguras, coisas em que existe um acordo e na última parte do livro falo de coisas incertas, porque são pesquisas em curso. Portanto são ideias ainda não seguras e procuro bem separar as duas partes. Portanto não é tudo certo, mas procuro separar e dizer no livro onde conhecemos bem e onde são incertezas. E ainda os mistérios, porque ainda há muitas coisas misteriosas.
No livro o sr. Fala que a capacidade de compreender antes de ver é o coração da ciência.
Sim, um pouco da magia da ciência é um pouco a arte de compreender as coisas antes de vê-las. É o que fazemos na vida sempre quando procuramos indícios antes de saber alguma coisa, procuramos descobrir as coisas se baseando em sinais. Como faz um caçador que vai caçar uma gazela e vê pegadas e sabe que tem a gazela. É próprio do homem imaginar, e a ciência é essa arte de imaginar levada a grande capacidade. E na história imaginaram coisas extraordinárias e depois se revelaram verdades.
Com nossa experiência limitada é difícil a compreensão de o tempo não existe?
Sim, porque vivemos em nossa escala. Na pequena velocidade que nos movemos temos uma noção muito imprecisa do tempo, portanto temos uma ideia aproximativa. É difícil nos darmos conta que as coisas não são assim. Mas é a mesma dificuldade que o homem teve para aprender que a terra era redonda no começo. Que era fora da experiencial imediata, portanto é necessário tempo para digerir que o mundo é diverso daquilo que parece. Isto é também o belo, aprendemos como as coisas são, mas descobrimos que não são como pensávamos antes. É a beleza de aprender.
Se a concepção de que o tempo não existe fosse adotada por nós, o que mudaria?
Nada. Para o nosso cotidiano, mesmo sabendo que a terra gira não muda qualquer coisa. Para nós o tempo se mantém como é. Talvez de modo geral em geral abra a mente para saber que as coisas são diversas daquilo que parecem. É um passo a mais na compreensão do mundo. Não creio que haverá mudanças concretas no modo que vivemos o tempo. Continuaremos vivendo, envelhecendo e tendo pouco tempo como sempre.
Portanto o tempo humano não vai morrer?
Não, o tempo humano é o tempo humano. Mas não é a mesma coisa que o tempo da natureza. Aprendemos que essa noção de tempo que conhecemos e só para nós, não para o geral.
Não é uma coisa simples entender que o tempo não existe.
O meu livro fala muito do tempo humano. Na parte final do livro é muito dedicada a ele. Fala de poesia, de literatura, de música e fala também do medo da morte. Porque penso que para nós o tempo é muito ligado ao medo de envelhecer, de perder e de morrer.
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'O tempo é muito ligado ao medo de morrer', diz físico italiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU