12 Dezembro 2017
"Eu sei que não importam os argumentos teológicos, as pessoas vão desejar umas as outras, muitas vezes de maneiras destrutivas. Mas uma teologia do corpo bem articulada pode reduzir o dano."
A opinião é de Bill Tammeus, irmão presbiteriano e antigo colunista religioso vencedor de prêmios do The Kansas City Star, escreve o blogue "Faith Matters" do site do the Star's e uma coluna para o The Presbyterian Outlook. Seu último livro é The Value of Doubt: Why Unanswered Questions, Not Unquestioned Answers, Build Faith (O valor da dúvida: Por que perguntas sem resposta, e não respostas não inquestionáveis, constroem a fé, tradução livre), publicada por National Catholic Reporter, 9-12-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Para a surpresa de alguns adeptos, o Cristianismo não ensina que cada um de nós tem uma alma imortal. Na verdade, esta é uma ideia grega antiga, que de vez em quando entrou sorrateiramente no pensamento cristão. A alternativa cristã para a ideia da alma imortal é chamada a doutrina da ressurreição do corpo. Nesta era de manchete após manchete de assédio sexual, agressão e violência, é hora de a Igreja universal voltar a enfatizar esta doutrina, para que entendamos a sacralidade do corpo humano de forma mais plena.
Há muitos bons teólogos que podem explicar por que a ideia de imortalidade da alma não é cristã. Vou citar apenas um: o falecido professor do seminário e teólogo Shirley Guthrie Jr, em seu importante livro Christian Doctrine (Doutrina Cristã, sem edição no Brasil):
"Se consideramos a esperança genuinamente bíblica pelo futuro, devemos rejeitar firmemente a doutrina da imortalidade da alma por várias razões." Dentre essas razões, está o fato de o Cristianismo não fingir que a morte "não é tão ruim assim". Pelo contrário, a morte é "horrível" porque "significa o nosso fim, não apenas a morte de nossos corpos." Outra razão é que "a esperança cristã não está na indestrutibilidade do homem, mas no poder criativo de Deus".
Dito de outra forma: só Deus é imortal. Para termos uma vida após a morte, será um presente de Deus, não porque algum aspecto de nós já é imortal.
Mas em relação ao abuso sexual, a seguinte razão apresentada por Guthrie pode ser a mais importante: "A Bíblia não ensina que o corpo é apenas uma prisão inútil ou terrível que degrada nossas verdadeiras identidades. ... Nossa esperança é pela renovação da nossa existência humana total."
Isso significa que o corpo humano, de alguma forma misteriosa, inexplicável, será parte do que é ressuscitado, redimido, homenageado com a vida eterna. Assim, estes corpos são sagrados já agora.
Quando usamos a palavra "corpo" neste sentido teológico, queremos dizer mais do que apenas os átomos físicos que nos compõem. Queremos dizer, de alguma forma, nosso ser inteiro, não apenas nossa carne ou nosso espírito desencarnado. E assim como Deus pretende resgatar toda a criação, Deus também pretende resgatar a essência em nós.
Se, então, nossos corpos são navios sagrados e representações físicas de todo o nosso eu, abusar deles desrespeita e denigre o plano divino da salvação.
Mas na nossa cultura, que tem mania por sexo, nós reduzimos o corpo a mera carne sedutora, desconectado da alma e do espírito daquele cujo corpo desejamos. Sem dúvida, este foi um problema quase desde o início, mas em tempos em que a pornografia está tão disponível on-line e tornou-se um grande negócio, encontramos uma generalizada aceitação cultural da ideia de que os corpos humanos são meros objetos sexuais.
Pode-se ter esperança que a igreja defenda sua teologia de totalidade corpo-alma como uma forma de ir contra o tipo de assédio e abuso sexual que vem enchendo os jornais e noticiários. Mas como observa Heidi Schlumpf, em recente artigo, "Infelizmente, o envolvimento dos líderes da igreja no acobertamento de abusos sexuais do clero atrapalhou sua credibilidade, particularmente em questões de violência sexual." Que coisa.
A igreja, se é que pode recuperar credibilidade neste assunto, tem muitos recursos teológicos nos quais pode se basear para se opor à violência sexual. Um recurso óbvio é o que o apóstolo Paulo escreveu no capítulo seis de sua primeira carta à igreja incipiente em Corintos: "Seu corpo é o templo do Espírito Santo que habita em vós."
Se Deus habita em cada homem, imagine a afronta que as pessoas cometem a Deus quando tratam o corpo como se não fosse nada mais do que um parque de diversões sexual.
Não sou ingênuo. Eu sei que não importam os argumentos teológicos, as pessoas vão desejar umas as outras, muitas vezes de maneiras destrutivas. Mas uma teologia do corpo bem articulada pode reduzir o dano.
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É hora de o cristianismo voltar a enfatizar a ressurreição do corpo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU