30 Outubro 2015
Neste 2 de novembro, a Liturgia quer chamar a nossa atenção para a passagem ao além, passagem que já foi cumprida pelo Cristo, o "primogênito" dentre os mortos, que atravessou a morte e nos abriu o caminho da ressurreição.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Comemoração dos Falecidos e das Falecidas, do Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
Primeira Missa
1ª leitura: «Depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne verei a Deus.» (Jó 19,1.23-27)
Salmo: Sl 26(27) R/ O Senhor é minha luz e salvação.
2ª leitura: «Cristo morreu por nós quando éramos ainda pecadores.» (Romanos 5,5-11)
Evangelho: «Esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.» (João 6,37-40)
Segunda Missa
1ª leitura: «O Senhor Deus eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces.» (Isaías 25,6-9)
Salmo: Sl 24(25) R/ Senhor meu Deus, a vós elevo a minha alma.
2ª leitura: «Toda a criação, até o tempo presente, está gemendo como que em dores de parto.» (Romanos 8,14-23)
Evangelho: «Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! » (Mateus 25,31-43)
Terceira Missa
1ª leitura: «A vida dos justos está nas mãos de Deus.» (Sabedoria 3,1-9)
Salmo: Sl 41(42) R/ A minha alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo.
2ª leitura: «Eis que faço novas todas as coisas. Eu sou o alfa e o ômega, o princípio e o fim.» (Apocalipse 21,1-7)
Evangelho: «Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.» (Mateus 5,1-12)
Uma festa!
Com frequência, a festa de Todos os Santos, no 1º de novembro, assume um ar um pouco lúgubre pelo contágio com a festa de recordação dos falecidos. Visitas ao cemitério, flores tristonhas, etc. Queria fazer o contrário: projetar sobre a lembrança dos nossos mortos a luz do "Todos os Santos", a festa da vitória de Deus sobre as forças do mal, a festa da realização final da humanidade e festa também da solidariedade. De fato, se rezamos pelos nossos mortos, não é para que Deus lhes conceda algo que não obteriam sem a nossa intervenção: o amor de Deus por eles ultrapassa o nosso infinitamente. Buscamos é tomar consciência da nossa unidade com eles. Todas as suas falhas passadas são também nossas; as "virtudes" todas dos que declaramos santos nos pertencem. Em Deus, a humanidade é una como o próprio Deus é Um. Por fim, a prece que fazemos pelos nossos mortos deve nos mudar a nós mesmos, para que façamos nosso o amor de Deus por eles. Este amor é purificador: faz queimar tudo o que, neles como em nós, é só palha ou dejeto, para fazer resplendecer, ainda que ínfimo, o que de bom temos deixado Deus produzir em nós. Como diz Paulo (Efésios 5,13-14): "Tudo o que é condenável (julgado) é manifesto pela luz, pois é luz tudo o que é manifesto. E por isso se diz: Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos que o Cristo te iluminará."
Uma justiça que justifica gratuitamente
Na Bíblia, o tema da "vida eterna" veicula perspectivas que à primeira vista são contraditórias. Estamos habituados, por exemplo, a pensar e dizer, apoiados em numerosos textos, que a ressurreição é universal, que uns ressuscitarão para a felicidade e, outros, para o castigo. Lemos, entretanto, em outros lugares, que todos os homens serão salvos, e vemos o Cristo pedir pelos que o crucificaram. Assim como há passagens que apresentam a ressurreição como o destino só de alguns, e não de todos. Por exemplo, em Lucas 20,35, Jesus fala d’ "os que forem julgados dignos de ter parte no outro mundo e na ressurreição dos mortos". Em Filipenses 3,11, Paulo diz que comunga com os sofrimentos do Cristo "para ver se alcança a ressurreição de entre os mortos". Parece que, para ser assumido na ressurreição do Cristo, é necessário passar por uma morte semelhante à dele, ou seja, fazer da morte necessária, uma morte que seja um dom livremente realizado. De minha parte, penso que as Escrituras nos falam com frequência de como as coisas deveriam acontecer se a justiça fosse exercida normalmente. Mas Deus, na verdade, está muito além do que chamamos de "justiça". Um texto chave neste sentido: Mateus 19,24-26 (Marcos 10,23-27). No versículo 24 lemos: "É mais fácil o camelo entrar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no Reino de Deus." E os discípulos perguntam: "Quem poderá, então, salvar-se?" Jesus responde: "Ao homem isso é impossível, mas a Deus tudo é possível."
O banquete de núpcias
Alguns textos, portanto, falam do que deveria acontecer se tudo se passasse normalmente. Em outros lugares, encontramos o anúncio do que virá a acontecer em razão deste Amor inconcebível pelo qual o Cristo, Deus, nos dá a vida, dando a sua vida. Podemos assim, agora, alegrar-nos com a vida nova que foi dada aos nossos mortos. Nem todos foram "santos", mas todos foram "santificados". Desta vida podemos ter apenas imagens simbólicas. A Bíblia nos fornece algumas: fala particularmente de um banquete de núpcias. Perpétuo! Porque fome e sede ali serão preenchidas sem cessar e, sem cessar, renascerão (João 6,35: "Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede". Ao contrário, o Eclesiástico 24,21, no elogio da Sabedoria que é a figura do Cristo que está por vir, diz: "Os que me comem terão ainda fome, os que me bebem terão ainda sede.") Este banquete é um banquete de núpcias. Banquete significa a felicidade compartilhada, usufruída em comum. São anunciadas assim a perfeição da relação com a natureza (o alimento) e a perfeição da relação dos homens entre si. O banquete de núpcias fala igualmente da realização da união entre o homem e a mulher, que se busca na sexualidade. Deste modo, o que chamamos de "céu" não é o contrário do que vivemos na terra, mas é como isto mesmo que vivemos tem acesso à sua verdade e à plenitude da sua justiça. Superemos, pois, toda tristeza e tenhamos confiança, por nossos mortos e por nós, neste amor que nos faz existir: para sempre.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cristo nos abriu a caminhada da ressurreição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU