10 Outubro 2017
A denúncia contra a "teoria de gênero" nunca foi um foco do magistério e do interesse pastoral do Papa Francisco. Isso não retira a continuidade com o magistério anterior, especialmente de Bento XVI, e a sua convicção pessoal a respeito. A sua condenação nasce da experiência de um país "do outro lado do mundo" pelo condicionamento de ajudas humanitárias em conexão com aberturas para liberalizações legislativas distantes do sentimento popular (aborto, contracepção, "igualdade de gênero"), da experiência pastoral direta com pessoas marcadas por situações desafiadoras (homossexuais, transexuais, mães solteiras etc.), da percepção da vontade de apoderamento dentro de alguns das chamadas "batalhas da civilidade".
O comentário é de Lorenzo Prezzi, publicado por Settimana News, 07-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um trecho do seu recente discurso à Assembléia Geral dos membros da Academia Pontifícia para a Vida (05 de outubro, cf. Settimananews) retoma o tema do gênero sob o enfoque cultural. "A hipótese recentemente sugerida de reabrir o caminho para a dignidade da pessoa neutralizando radicalmente a diferença sexual e, portanto, o entendimento do homem e da mulher, não é correta. No lugar de contrastar as interpretações negativas da diferença sexual, que mortificam o seu valor irredutível para a dignidade humana, são propostas técnicas e práticas que, na verdade, a tornam irrelevante para o desenvolvimento da pessoa e para as relações humanas. Mas a utopia do "neutro" remove, ao mesmo tempo, tanto a dignidade humana da constituição sexualmente diferente, como a qualidade pessoal da transmissão geradora da vida". "A aliança geradora do homem e da mulher é uma proteção para o humanismo planetário de homens e mulheres, não uma desvantagem. A nossa história não será renovada se rejeitarmos essa verdade".
Ele falou sobre “colonização ideológica" em várias ocasiões. Em Nápoles (23 de março de 2015) usou a expressão "erro da mente humana". Existe um número inteiro na exortação apostólica Amoris laetitia dedicado à teoria de gênero (56). Em julho de 2016, falando aos bispos poloneses, voltou à denuncia das colonizações ideológicas citando, especificamente, o "gênero". Respondendo a uma pergunta durante a sua viagem à Georgia (1º. de outubro de 2016) foi ainda mais explícito: "Hoje existe uma guerra mundial para destruir o matrimônio. Hoje existem colonizações ideológicas que destroem, mas não se destrói pela força das armas, mas com as ideias".
A denúncia não nasce da convicção de ser o defensor da ordem moral com a ilusão de conquistar o poder político ou condicionar as suas leis, mas sim da distância consciente em relação a uma concepção maniqueísta de Deus, concebido como o anti-mal e não como o salvador de todos. Não está interessado em guerras frontais de princípio: "Eu nunca entendi a expressão ‘valores não negociáveis’”(Corriere della Sera, 5 de março, 2014). "Não podemos insistir apenas em questões relacionadas com (moral) ... Eu não falei muito sobre estas coisas, e isso me foi recriminado. Mas, quando se fala, é preciso falar sobre isso em um contexto. O parecer da Igreja, aliás, é bem conhecido, e eu sou filho da Igreja"( Civiltà Cattolica, 19 de setembro de 2013). No Evangelii gaudium lembrou a hierarquia das verdades e a estendeu também ao âmbito da moral (n. 34-39).
Existe o cuidado de alimentar um confronto cultural, ético e civil, sem corroer a alma evangélica da Igreja. Tendo presente que os estudos de gênero interceptam uma exigência de igualdade, respeito e autonomia pessoais não necessariamente negativas. A sua força de "ideologia" reside na interpretação da multiplicação dos modelos familiares, da complexidade da filiação, do individualismo autonormativo, da funcionalidade à hegemonia das técnicas e aos poderes transnacionais das finanças. "A característica emblemática dessa passagem (da civilidade) pode ser reconhecida sinteticamente na rápida disseminação de uma cultura obsessivamente centrado na soberania do homem - enquanto espécie e enquanto indivíduos – em relação à realidade. Há quem fale até de egolatria, ou seja, um verdadeiro culto do ‘eu’, em cujo altar se sacrifica tudo, inclusive os afetos mais caros". "A fé cristã nos impele a retomar a iniciativa, rejeitando toda concessão à nostalgia e à lamentação".
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Francisco: do gênero ao "neutro" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU