05 Setembro 2017
Myanmar impediu todas as agências de ajuda humanitária das Nações Unidas de entregar alimentos, água e medicamentos a milhares de civis desesperados em meio a uma campanha militar sangrenta no país, segundo informação obtida pelo The Guardian.
A ONU interrompeu as distribuições no estado de Rakhine, ao norte de Myanmar, depois que militantes atacaram as forças do governo em 25 de agosto ao que o exército respondeu com uma ação contraofensiva deixando centenas de mortos.
A reportagem é de Oliver Holmes, publicada por The Guardian, 04-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O escritório do coordenador local ONU em Myanmar informou ao The Guardian que as entregas de suprimentos foram suspensas “porque a situação de segurança e as restrições imposta pelo governo a visitas de campo nos deixaram impossibilitados de distribuir assistência”, dando a entender que as autoridades não estavam permitindo o desenvolvimento dos trabalhos.
“A ONU está em contato direto com as autoridades para garantir que a ajuda humanitária seja reassumida assim que for possível”, disse o escritório. Kits de ajuda humanitária estavam sendo entregues em outras partes do estado de Rakhine, acrescentou.
No ataque violento mais mortífero em décadas na região, as forças militares são acusadas de cometerem atrocidades contra a minoria muçulmana rohingya. Dezenas de milhares de integrantes deste grupo tiveram de abandonar suas casas em chamas buscando refúgio na vizinha Bangladesh, muitos com ferimentos de bala.
Há mais de uma semana que funcionários da agência para refugiados da ONU (ACNUR), do Fundo de População das Nações Unidas (UNFA) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) não realizam o trabalho de campo na região norte de Rakhine, tempo que representa um perigo para muitas vidas e que afetará moradores pobres budistas bem como os rohingya.
O Programa Mundial de Alimentação da ONU disse que também precisou suspender as distribuições a outras partes de Rakhine, deixando 250 mil pessoas sem acesso regular a alimentos.
Dezesseis grandes organizações humanitárias não governamentais – incluindo a Oxfam e a Save the Children – igualmente reclamaram de que o governo restringiu o acesso à área em conflito.
As organizações humanitárias estão “profundamente preocupadas com o destino de milhares de pessoas afetadas pela violência em curso” no norte de Rakhine, disse em Myanmar Pierre Peron, representante do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês).
Os refugiados que conseguiram chegar a Bangladesh semana passada contaram histórias horríveis de “massacres” em comunidades que, segundo disseram, foram cercadas e queimadas por soldados. Ao longo de quilômetros de fronteira, pode-se ver sair uma espessa fumaça negra dos pequenos assentamentos circundados por campos verdes.
O governo culpa os rebeldes pela queima de suas próprias casas e acusa-os de assassinar budistas e hindus, alegação repetida por alguns moradores.
Embora os rohingya venham sofrendo opressão há décadas, a recente onda de violência está sendo vista como uma escalada perigosa porque foi desencadeada por um novo grupo militante do povo rohingya chamado “Exército de Salvação Arakan Rohingya”.
Os militares dizem que 400 pessoas morreram, a grande maior deles sendo “terroristas”, embora um bloqueio do governo ao acesso a Rakhine torna impossível verificar as informações oficiais.
Estima-se que 1.1 milhão de rohingya vivam em Myanmar, país que se recusa a conceder-lhes o status de cidadania e que já foi condenado no âmbito internacional pelo tratamento dispensado a esta minoria étnica.
Líderes religiosos linhas-duras no Myanmar, nação de maioria budista, vêm alimentando o sentimento antimuçulmano acusando agentes humanitários de manterem um viés pró-rohingya. Os armazéns com ajuda humanitária foram saqueados durante os tumultos de 2014 na capital do estado de Rakhine, Sittwe.
A liderança política Aung San Suu Kyi vem construindo uma relação cada vez mais antagonista junto às organizações humanitárias em Myanmar. Na semana passada, o seu departamento acusou os agentes humanitários de estarem ajudando “terroristas”, declaração que causou temor entre a população.
Mais de 100.000 membros do povo rohingya que viviam desde 2012 em campos para pessoas deslocadas em Rakhine, quando a violência entre muçulmanos e budistas os forçou a sair de suas casas, também pararam de receber ajuda na semana passada.
Os entregadores teriam se recusado a fazer entregas nestes campos por temerem o ressentimento local. As latrinas nestes locais, que geralmente recebem cuidados regulares, estão transbordando.
As autoridades também negam dar visto a equipes internacionais, enquanto equipes do norte do estado tiveram de evacuar.
“Existe a necessidade urgente de garantir que as pessoas deslocadas e os demais civis afetados pela violência estejam protegidos e recebam um acesso seguro à ajuda humanitária, incluindo alimentos, água, abrigo e serviços de saúde”, disse Peron, porta voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
“A ajuda humanitária normalmente vai a estas pessoas em situação de vulnerabilidade por uma razão muito boa, pois elas dependem disso”, acrescentou. “Para o bem das pessoas vulneráveis em todas as comunidades do estado de Rakhine, medidas urgentes devem ser tomadas para permitir a retomada das atividades humanitárias essenciais”.
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Crise do povo rohingya: Myanmar bloqueia ajuda humanitária da ONU a civis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU