02 Setembro 2017
Com base no livro Technology vs Humanity, lançado em 2016 por Gerd Leonhard, o colunista e administrador do site AINews, Vinícius Soares, descreve cinco novos direitos humanos que o autor do livro citado aponta como necessários para a era digital. Necessários principalmente frente ao exponencial avanço da automação e da Inteligência Artificial. Estes direitos são:
a) O direito a permanecer natural
As pessoas deverão ter o direito de escolherem permanecer naturais. Ou seja, permanecerem biológicas e orgânicas, por exemplo. Este direito está ligado ao fato do ser humano poder continuar tendo a escolha para existir em um estado não aumentado; um estado não ampliado pela “artificialidade”, pelo inorgânico, escreve Soares com base em Leonhard. Ele segue explicando: “precisamos assegurar o direito a trabalhar ou ser empregado, utilizar serviços públicos, comprar coisas e funcionar em uma sociedade sem necessariamente termos que implementar tecnologia nos nossos corpos ou – o mais crítico – dentro deles”.
Soares exemplifica este direito e o que é central em sua formulação usando o que Gerd descreve em seu livro, qual seja, o fato de ser fácil de imaginar um futuro onde nós seremos progressivamente forçados a usar óculos de realidade virtual ou aumentada (VR/AR), visores ou capacetes para nos qualificar ao emprego, ou o que é pior, sermos forçados a utilizar implantes específicos de apps cerebrais (wetware) ou BCI (interface computador-cérebro (como o Neuralink) como uma condição não negociável para a contratação. “Simples humanos podem em breve não ser bons o suficiente – e de alguma forma Gerd não pensa que isto seria um futuro desejável”, afirma Soares.
b) O direito a ser ineficiente
Será que a imperfeição humana, fonte da sua eterna não eficiência total poderá ainda ser exercida? Dito de outra forma: será que esta condição da humanidade – a imperfeição e sua decorrente ineficiência – continuarão caracterizando os humanos que desejarem seguir assim: seguir imperfeitos?
É isso que este direito busca assegurar no contexto da era digital.
Segundo Soares, Ged expõe a necessidade de garantirmos o direito de “ser ineficiente quando e onde isto definir a nossa humanidade básica”. Ou seja, “precisamos ter a escolha de ser mais lentos e menos capazes que a tecnologia. E, nós nunca deveremos considerar a eficiência mais importante que a humanidade”, escreve Soares interpretando as ideias da obra citada.
Ele exemplifica mostrando que enquanto será muito mais eficiente e mais barato utilizar um diagnóstico de saúde digital através de plataformas como a Scanadu ao invés de se consultar com um médico toda vez que a pessoa tiver uma questão médica ou precisar de um checkup, isto não deve se tornar a única forma permitida para se fazê-lo. Isso não significa que esta tecnologia não deva ser utilizada ou que não seja benéfica.
Ged acredita que estas tecnologias em geral são positivas e podem ser um dos fatores chave na redução dos custos da saúde, de forma global. Entretanto, isto não significa que devemos penalizar as pessoas, não permitindo que escolham outro caminho, ou que não queiram se submeter a este cenário.
c) O direito a se desconectar
O enunciado deste direito parece já deixar claro seu sentido, visto a dificuldade de desconexão que já se apresenta hoje. E é justamente nesta direção que este direito deve ser afirmado. “Ged mostra que precisamos manter nosso direito de nos desligarmos da conectividade, ficarmos à sombra da rede, ou pausar as comunicações, o rastreamento e o monitoramento”, afirma Soares.
Ele afirma que devemos considerar a probabilidade que muitos empregadores e empresas certamente desenvolverão a hiper-conectividade (AR, VR e BCIs) como um requisito padrão em um futuro próximo; ou ainda, que motoristas possam se tornar culpados por “desconexão não-autorizada” se eles não mais puderem ser rastreados na rede; dentre outros. E é contra esse tipo de coisa que devemos afirmar este direito, de se desconectar.
Ou seja, devemos reafirmar o direito das pessoas serem independentes, autônomas e desconectadas nos momentos que escolherem. Isso é fundamental uma vez que “a desconexão nos permite voltar a focar no ambiente não gerenciado e viver o momento, o que é essencial para a boa existência humana”, escreve Soares. Para ele, isto também reduz o risco da obesidade digital, e reduz o risco da vigilância.
d) O direito a ser ou permanecer anônimo
Será o anonimato um direito pelo qual deveremos nos mobilizar no contexto da era digital? Neste mundo exponencial e hiperconectado que está por vir de forma cada vez mais intensa e completa, Ged afirma que nós devemos ter o direito de optar por não sermos identificados ou rastreados. Devemos ter esta opção quando utilizamos uma aplicação, uma plataforma, ou quando comentamos ou criticamos algum conteúdo, desde que isto não seja ofensivo e não viole os direitos de outras pessoas, mostra Soares.
Com certeza existem algumas ocasiões onde o anonimato real seria impossível e provavelmente injustificado de ser esperado: ao utilizar um banco online e transações financeiras, por exemplo. Usando parte do livro de Ged, Soares afirma que “o anonimato, o mistério a serendipidade e os erros são atributos humanos cruciais e nós devemos não buscar eliminá-los por meios tecnológicos”. Pelo contrário, devemos encontrar garantias de que possam continuar ocorrendo.
e) O direito a empregar ou engajar pessoas ao invés de máquinas
Será este direito necessário e possível? Estará ele vinculado ao direito da ineficiência, por exemplo? Para Ged, na era digital, precisaremos “garantir que as empresas ou os empregadores não sejam prejudicados se optarem por empregar pessoas ao invés de máquinas, mesmo se isto for mais caro e muito menos eficiente. Ao invés disto, devemos considerar oferecer benefícios fiscais para aqueles que o façam; e/ou ainda, estipular impostos sobre a automação (robôs) para as empresas que dramaticamente reduzirem a quantidade de empregados em função das máquinas e inteligência artificial”, descreve Soares. Recursos estes que podem e devem ser utilizados para garantir renda e para “retreinar” as pessoas que se tornaram vítimas do “desemprego tecnológico”.
Soares termina sua análise sobre a obra de GED evidenciando uma provocação que perpassa o livro e que parece cada vez mais atual: “Quanto de nossa liberdade estamos dispostos a sacrificar para sermos mais eficientes ou mais seguros?”.
Nota de IHU On-Line: A edição e comentário é de Lucas Henrique da Luz, professor do curso de Administração da Unisinos e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
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Haverá transformações dos direitos humanos na era digital? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU