05 Agosto 2017
Nestes dias, particularmente esta sexta-feira, 4 de agosto, na Argentina, serão lembrados os 41 anos da morte de Dom Enrique Angelelli. O bispo foi morto no dia 4 de agosto de 1976, com um falso “acidente de carro” provocado contra o Fiat 125 no qual ele viajava com um sacerdote que ficou gravemente ferido.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada por Il Sismografo, 04-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dom Angelelli, bispo de La Rioja, era considerado “um bispo incômodo e insidioso”, de acordo com uma definição usada várias vezes pelos militares que governavam o país sul-americano, sob a liderança do ditador Jorge Videla.
Foi um dos primeiros bispos latino-americanos mortos pela violência política, mas o seu sacrifício foi reconhecido por último. Na prática, durante 35 anos, a opinião generalizada sobre as verdadeiras causas da morte do prelado, dentro e fora da Igreja argentina e também no exterior, era a que tinha sido credenciada desde o primeiro momento, “um triste acidente rodoviário”. Muitos, porém, puseram imediatamente em dúvida a versão oficial.
O jornal L’Osservatore Romano falou de um “estranho acidente”. A verdade, no entanto, custou muito a abrir caminho, e somente hoje há uma esperança fundada de poder fazer justiça a um pastor exemplar, cujo martírio ficou escondido sob uma montanha de mentiras, omissões e calúnias.
Depois de muitas décadas, já é certo que o nome de Dom Enrique Angelelli deve ser acrescentado à triste lista de dezenas e dezenas de sacerdotes, mas também de leigos e religiosas, que, nesses últimos 50 anos, foram vítimas, na América Latina, da repressão militar, do crime organizado (narcotráfico), dos paramilitares e das guerrilhas.
Entre esses pastores, é preciso lembrar:
Essa recordação chega justamente em um momento em que um tribunal federal de Buenos Aires acusa o ex-ditador Videla, o seu ministro do Interior, o ex-general Luciano Benjamín Menéndez, e outros dois militares, todos seriamente suspeitos de terem organizado e executado o assassinato de Dom Angelelli. As motivações do tribunal são precisas: “O homicídio de Dom Angelelli e a tentativa de homicídio de Pinto [o Pe. Arturo Aído Pinto, que viajava junto com o bispo] faz parte do plano sistemático das Forças Armadas para eliminar as pessoas incômodas”, escreve o jornal La Voz Interior.
A Justiça argentina reabriu o caso apenas em 2010, depois que inúmeras testemunhas, pessoas bem informadas, alguns ex-militares “arrependidos” e provas esmagadora evidenciaram a falsidade da tese oficial do acidente de carro.
Dentre outras coisas, as investigações, nunca feitas antes, permitiram saber com certeza que o bispo foi morto também porque transportava no seu carro toda a documentação que demonstrava sem equívocos que, duas semanas antes, os sacerdotes Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville tinham sido mortos pelas forças repressivas da ditadura.
É preciso lembrar que Jorge Videla, já condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, foi recentemente condenado a outros 50 anos de prisão pelo furto de recém-nascidos de mulheres dissidentes que davam à luz na prisão, crianças que, depois, foram dadas para adoção a casais próximos aos militares.
No dia 4 de agosto de 1976, enquanto Dom Enrique Angelelli estava no seu carro (depois de ter celebrado a missa em El Chamical), dirigido pelo padre Arturo Pinto, foi cercado por um veículo com três militares a bordo, que se chocou várias vezes contra o Fiat 125 do bispo, até fazê-lo capotar.
O falso processo foi concluído em 1987 sem nenhum veredicto (em conformidade com as famigeradas leis sobre a Obediência Devida e Ponto Final) ou, melhor, com a confirmação da tese do acidente.
Em 2004, o juiz Herrera Piedrabuena mudou o clima político do país. Há muito tempo empenhado na busca da verdade sobre as violações dos direitos humanos sob os regimes militares, ele ouviu 14 pessoas suspeitas, incluindo o próprio Videla. Em 2 de agosto de 2006, dentre outras coisas, o falecido presidente Néstor Kirchner decretou, em homenagem ao prelado, um dia nacional de luto no dia 4 de agosto de cada ano.
Dom Angelelli, algumas semanas antes da sua morte, pedira ao comandante da Terceira Arma, general Luciano Benjamín Menéndez, notícias sobre os dois padres e um leigo desaparecidos. Foi então que o bispo ouviu como resposta do general Menéndez: “Excelência, o senhor deve ficar muito atento!”.
Dom Enrique Angelelli, nascido em 17 de junho de 1923 e morto quando tinha 53 anos, foi uma das milhares de vítimas do famigerado “Processo de Reorganização Nacional”, eufemismo com o qual diversas ditaduras militares argentinas (março de 1976 a dezembro de 1983) chamaram a política e a técnica, sistemáticas e planejadas, voltadas a eliminar fisicamente qualquer tipo de opositor.
Angelelli entrou em um seminário muito pequeno, aos 15 anos. Foi ordenado sacerdote em Roma e, em 9 de outubro de 1949, retornou à Argentina, em Córdoba, cidade da qual foi nomeado auxiliar por João XXIII em 12 de dezembro de 1960.
Imediatamente, o seu trabalho pastoral, muito sensível à promoção humana e muito próximo dos mais pobres, contou com o apoio dos fiéis, mas, ao mesmo tempo, não faltaram resistências. Em 1964, ele foi removido do seu cargo, e isso foi fundamental para ele, porque lhe permitiu fazer parte das sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Em 3 de julho de 1968, o Papa Paulo VI nomeou Dom Angelelli bispo da diocese de La Rioja. A sua vida episcopal não foi fácil. Desde o primeiro momento, a sua obra e presença pastoral entre os sindicatos, os camponeses, os operários e os estudantes foram julgadas por muitos como “um magistério irresponsável e ideológico”.
Em 13 de junho de 1973, Dom Angelelli visitou a cidade de Anillaco, local de nascimento do ex-presidente Carlos Menem. A acolhida ao bispo foi muito hostil. Proprietários de terras e políticos anticlericais, liderados pelo governador Amado Menem, irmão do ex-presidente, para protestar contra Dom Angelelli pelo seu apoio às cooperativas rurais, entraram de forma violenta na igreja onde a missa era celebrada. A reação do bispo foi imediata: suspendeu a missa, exortando os violentos a abandonarem o templo.
Dom Vicente Zazpe Faustin, arcebispo de Santa Fé, e o prepósito da Companhia de Jesus, padre Pedro Arrupe, foram encarregados de conduzir uma investigação e, no fim, expressaram ampla solidariedade ao bispo e declararam que o seu comportamento tinha sido apropriado.
Em junho de 2011, começou formalmente o processo de inquérito para pedir uma possível beatificação de Carlos de Dios Murias e de Gabriel Longueville, que, de acordo com as provas de posse de Dom Angelelli, foram mortos pelos militares.
Em 18 de julho de 1976, os presbíteros de La Rioja (Chamical) foram sequestrados por um grupo de “desconhecidos”. Poucos dias depois, foram encontrados os cadáveres dos dois padres, com evidentes sinais de tortura.
Enquanto isso, uma semana depois, conhecia-se a notícia de um leigo, Wenceslao Pedernera, sequestrado e depois executado na localidade de Sañogasta. O processo diocesano para uma eventual causa de beatificação foi aberto há dois meses pelo bispo de La Rioja, Dom Roberto Rodríguez, que confiou o delicado encargo ao frei Angelo Paleri.
Quem estava se encarregando da morte dessas três pessoas, com uma minuciosa investigação, era Dom Enrique Angelelli, e é por isso, com toda a probabilidade, que ele foi morto.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O martírio de Dom Enrique Angelelli, há 41 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU