05 Mai 2017
“Não há reconciliação possível entre vítimas e vitimários, principalmente quando estes não deram sequer um só passo nesse sentido”, sustenta, em uma declaração, o Grupo de Padres em Opção pelos Pobres, ao se pronunciar sobre a iniciativa anunciada pela hierarquia católica de “iniciar um tempo de reflexão sobre os acontecimentos ocorridos durante a última ditadura militar”, que levaria à escuta de vítimas de fatos de violência ocorridos naquele momento.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página/12, 04-05-2017. A tradução é do Cepat.
Os sacerdotes que trabalham em meios populares defendem que não é possível a reconciliação com os vitimários porque estes “continuam afirmando que aquilo que fizeram foi o correto, continuam sem oferecer informação sobre os presos-desaparecidos, continuam sem oferecer informação sobre as então crianças apropriadas, continuam em uma cadeia de silêncio e cumplicidade, cujas ressonâncias continuam diariamente presentes na sociedade”.
Em um sentido semelhante, o Coletivo da Teologia da Libertação ‘Pichi Meisegeier’, afirmou que “nossos bispos seguem acreditando que o poder religioso está acima do poder político, que a Igreja é a reserva moral da sociedade e que sua palavra é reitora da mesma”. Na mesma declaração, estes cristãos se perguntam: “quem são eles (os bispos) para iniciar um ‘processo de reconciliação’, quando há julgamentos em curso com todas as garantias constitucionais?”. E acrescentam: “que autoridade moral possuem, quando muitos deles possuem relações espúrias com empresários, políticos e juízes que lhes escondem vários escândalos em troca de diferentes vantagens?”.
Ao expressar seu “repúdio” à iniciativa oficial da hierarquia, o Coletivo sustenta, em concordância com o destacado pelos organismos defensores de direitos humanos e com os Padres, que “não há possibilidade de reconciliação, sem arrependimento e justiça”. O grupo de sacerdotes católicos defende também que “se de ‘tempo de reflexão’ se trata, talvez a CEA (Conferência Episcopal Argentina) devesse começar revisando seus próprios arquivos, e convocar os capelães militares para conhecer, de ‘própria mão’, as cumplicidades e ativa participação em um terrorismo de estado do qual vários de seus membros foram responsáveis e executores. Se o que pretendem é – 41 anos após o golpe cívico-eclesiástico-militar – saber o que aconteceu, certamente terão bom material em seus próprios arquivos”.
Entendem os Padres que “boa parte” do Episcopado daquele momento foi “instigador”, “abençoador” ou “cúmplice” do genocídio e, por este motivo, “não nos parece sensato que clamem por uma reconciliação e encontro sem começar por pedir expresso perdão às vítimas e esperar delas que, por iniciativa própria, decidam se querem ou não o conceder”.
Os Padres em Opção pelos Pobres criticam os bispos ao recordar que “Cristian von Wernich continua sem ser expulso do estado clerical, apesar de ter sido condenado pela justiça independente por crimes contra a humanidade” e destacam que ainda estão vivos capelães das forças armadas e de segurança que têm muito a informar e que foram “cúmplices sagrados da repressão ilegal, em nome de uma cultura ocidental e cristã”.
Após reiterar sua crítica ao modelo econômico do presente governo e a suas atitudes a respeito do tema de direitos humanos, os Padres em Opção pelos Pobres reiteram que “toda reconciliação e encontro se inicia nos posicionando claramente ao lado das vítimas”, porque “ficar bem ‘com Deus e com o diabo’, sem dúvida, nos deixaria bem com este, rejeitando àquele”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Hierarquia católica, algozes e vítimas na ditadura argentina. “Não há reconciliação” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU