06 Julho 2017
Por trás de demissões e novas nomeações, entrevê-se o afã das reformas de Bergoglio. Aumentam as críticas da Cúria a um método e a uma agenda considerados desequilibrados.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada por Corriere della Sera, 04-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A lista de cabeças caídas nas últimas semanas narra um Vaticano ainda não estabilizado, após mais de quatro anos do início do pontificado de Jorge Mario Bergoglio. E transmite a imagem de um papa formidável no plano da popularidade e da influência sobre a geopolítica mundial; mas em apuros quando deve fazer escolhas de governo na “sua” Roma e na Itália: trate-se de finanças vaticanas, de colaboradores ou de “ministérios” da Santa Sé.
Limitar-se a dizer que uma ou outra promoção foram arriscadas ou equivocadas talvez não seja mais suficiente. O que surge é um método que mostra limites evidentes; e que transforma as melhores intenções de reforma em potenciais bumerangues. E tudo acontece em uma aura de mistério, às vezes até de opacidade, que só o grande carisma de Francisco permite registrar com indulgência.
O “auditor geral” das contas, Libero Milone, liquidado três anos antes do prazo do mandato. O seu mentor, o cardeal George Pell, forçado a deixar o “ministério da Economia” vaticano para ir para a Austrália para se defender em um processo por abuso sexual de 40 anos atrás. E o guardião da ortodoxia, Gerhard Ludwig Müller, não renovado no cargo depois de cinco anos: todos saídos de cena no espaço de duas semanas.
O singular é que Francisco nomeou como sucessor de Müller o jesuíta espanhol Luis Francisco Ladaria Ferrer: um fidelíssimo. E ficou-se sabendo que o homem chamado a guiar a Congregação para a Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício, foi tocado pela sombra de não ter denunciado um padre pedófilo no passado. Notícia que, aliás, tinha surgido recentemente; mas que, evidentemente, ou não foi lembrada ou foi considerada de importância secundária no momento de decidir o sucessor do conservador Müller, crítico tenaz de Bergoglio no plano teológico.
O prelado alemão negou discordâncias com Francisco, recusou cargos alternativos e anunciou que permanecerá em Roma. “Agora Müller pode se tornar a bandeira dos opositores ao papa”, explica um cardeal. “Ele já é o ponto focal dos episcopados da Europa oriental, da África e de parte da América do Norte, principalmente conservadores.”
São retratos de um papado imerso em uma fase agitada, na qual até mesmo mudar um chefe de dicastério depois de cinco anos parece ser não fisiológico, mas traumático.
Os inimigos de Francisco, que continuam sendo muitos, acreditam ver, na realidade, uma espécie de “coerência progressista”. De fato, acusam-no de seguir uma agenda desequilibrada sobre o plano social em favor dos pobres, do diálogo com a modernidade e dos imigrantes. Soaria como um título de mérito, se não fosse acompanhado pela crítica de nomear preferencialmente aqueles que expressam uma cultura “não antagônica”, especialmente em relação a ele; e de ter um círculo de colaboradores nem sempre capazes de aconselhá-lo de modo exaustivo.
Dentre outras coisas, insinua-se, há meses, a existência de dossiês anônimos sobre pessoas próximas a ele. E, em alguns sites conservadores, leem-se histórias romanceadas de personagens ligados ao mundo das ajudas da Conferência Episcopal Italiana no Terceiro Mundo, que entraram em contato com Bergoglio quando ele era bispo na Argentina: venenos que fotografam bem uma situação de tensão constante; e de luta interna que corre o risco de se assemelhar um pouco à dos anos e dos pontificados do passado recente.
É um ruído surdo, que reflete um descontentamento reprimido, mas generalizado; e a frustração daqueles que sabem que não podem atacar diretamente um papa muito popular e respeitado em nível internacional. Porém, é um lugar-comum que as reformas econômicas implementadas, no início, produziram resultados, no mínimo, controversos.
A “despedida” de Pell e, antes, a renúncia de Milone não podem ser descartadas somente como fruto de um choque com a Cúria. “Sobre Milone, perguntem à Gendarmeria”, responde-se de modo enigmático, referindo-se à polícia vaticana. A ideia de que ele só foi embora porque tinham lhe pedido para diminuir o seu salário não convence até o fim. Na realidade, entraram em crise um modelo de governo e um impulso reformista que o papa havia desejado fortemente.
E se levanta a hipótese de uma revanche de fato da “velha guarda” da Cúria. E não porque tenha uma força autônoma própria: nos anos de Bergoglio, essa ala foi empurrada para as margens ou posta na defensiva. Algumas alavancas, porém, permanecem firmemente nas mãos de personagens que não foram minimamente afetados pelo novo curso. E agora, quase que por inércia, emergem novamente com a saída de cena dos “novos”.
Por outro lado, foi Francisco que admitiu, em uma entrevista ao Corriere em fevereiro passado, que a situação em relação ao conclave de 2013 mudou. “Nas Congregações Gerais”, contou ele ao diretor da Civiltà Cattolica, padre Antonio Spadaro, “falava-se dos problemas do Vaticano, falava-se de reformas. Todos as queriam. Há corrupção no Vaticano. Mas eu estou em paz. Se há um problema, eu escrevo um bilhete para São José e o coloco debaixo de uma pequena estátua que eu tenho no meu quarto. É a estátua de São José que dorme. E agora ele dorme sobre um colchão de bilhetes!”
Pois bem, esse “colchão” simbólico, nas últimas semanas, deve ter ficado ainda mais denso. E, no restaurante da Casa Santa Marta, residência papal dentro dos muros vaticanos, há alguns meses, foi notada uma pequena, significativa novidade. A mesa de Francisco não está mais como antes no centro do local. Agora, ela se encontra em um canto, e Bergoglio come com poucos, selecionados comensais, dando as costas para o resto da sala.
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Entre tramas de poder e venenos: a pista de obstáculos de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU