17 Fevereiro 2017
"Quanta profundidade humana e cristã nas palavras do Papa! Elas fortalecem a nossa fé e renovam a nossa esperança em um outro mundo possível. Meditemos!".
A reflexão é de Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG).
A primeira parte do artigo pode ser lida aqui.
Eis o artigo.
Na 2ª parte do artigo continuo destacando o quinto e último ponto marcante do Discurso do Papa Francisco aos participantes do 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (3º EMMP): A relação entre povo e democracia.
O Papa diz que - na relação entre Movimentos Populares e política - “o segundo risco é o de se deixar corromper”. Com muito realismo, ele afirma: “Assim como a política não é uma questão de ‘políticos’, também a corrupção não é um vício exclusivo da política. Há corrupção na política, há corrupção nas empresas, há corrupção nos meios de comunicação, há corrupção nas igrejas e há corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares”.
E ainda: “É justo dizer que há uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na atividade financeira, e que faz menos notícia do que a corrupção diretamente relacionada com o âmbito político e social. É justo dizer que muitas vezes se utilizam os casos de corrupção com más intenções. Mas também é justo esclarecer que todos os que escolheram uma vida de serviço têm uma obrigação ulterior que se acrescenta à honestidade com a qual qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito alta: é preciso ter a vocação para servir (reparem: vocação para servir!) com um forte sentido de austeridade e humildade”.
Conclui afirmando: “Isto é válido para os políticos, mas também para os dirigentes sociais e para nós pastores (reparem mais uma vez: para nós pastores!). Disse ‘austeridade’ e gostaria de esclarecer ao que me refiro com a palavra austeridade, porque pode ser uma palavra equívoca. Pretendo dizer austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade na maneira como levo por diante a minha vida, a minha família. Austeridade moral e humana. Porque em âmbito científico, científico-econômico, se quiserem, ou das ciências do mercado, austeridade é sinônimo de adaptação... Não me refiro a isto, não estou falando disso”.
Francisco dá um conselho: “A qualquer pessoa que seja demasiado apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas sumptuosas, roupas de marca, carros de luxo, aconselharia que compreenda o que está acontecendo em seu coração e que reze a Deus para que o liberte destes laços. Mas, parafraseando o ex-presidente latino-americano que está aqui, todo aquele que seja apegado a estas coisas, por favor, que não entre na política, não entre numa organização social ou num movimento popular, porque causaria muitos danos a si mesmo, ao próximo e sujaria a nobre causa que empreendeu. E que também não entre no seminário!”.
O Papa volta a falar do sentido e da importância da austeridade: “Diante da tentação da corrupção, não há remédio melhor do que a austeridade moral e pessoal. Praticar a austeridade é, ainda mais, pregar com o exemplo. Peço a vocês que não subestimem o valor do exemplo porque tem mais força do que mil palavras, mil panfletos, mil ‘gosto’, mil retweets, mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera ao serviço do próximo é o modo melhor para promover o bem comum e o projeto-ponte dos ‘3 t’. Peço a vocês dirigentes que não se cansem de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos que exijam dos dirigentes esta austeridade, que - de resto - os fará sentir-se muito felizes”.
Sempre com muita fraternidade e ternura, Francisco faz um caloroso desabafo: “Queridos irmãos e irmãs, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumentam o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que apoia este sistema iníquo (reparem outra vez: este sistema iníquo”).
O Papa conclui com um pedido bem concreto: “Gostaria de pedir a vocês que continuem a contrastar o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade a favor dos povos e sobretudo dos que sofrem. Poderão errar muitas vezes, todos erramos, mas se perseverarmos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. O amor cura tudo”!
Por fim, Francisco refere-se ao documento “A Alegria do amor”, “sobre o amor nas famílias, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade”. A pedido de um participante, distribui - com sua benção - uma parte do quarto capítulo, onde “se encontram alguns ‘conselhos úteis’ para praticar o mandamento mais importante de Jesus”.
O Papa lembra que na “A alegria do Amor” cita o saudoso líder afro-americano, Martin Luther King, “que sabia escolher sempre o amor fraterno até no meio das piores preocupações e humilhações”. Quero recordá-lo hoje com vocês: “Quando - diz Luther King - você se eleva ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que você procura derrotar são os sistemas malignos. Você ama as pessoas que caíram na armadilha daquele sistema, mas você procura derrotar aquele sistema (...). Ódio por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu firo você e você me fere, e restituo a você a pancada e você me restitui a pancada, e assim por diante, é evidente que se continua sem fim. Simplesmente nunca acaba. Em alguma parte, deve haver alguém que tem um pouco de bom senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é aquela que é capaz de cortar a cadeia do ódio, a cadeia do mal” (Sermão na Igreja Batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957, n. 118)”. E sublinha: “disse isto em 1957”.
Francisco termina dizendo: “Agradeço novamente o trabalho de vocês, a presença de vocês. Desejo pedir a Deus nosso Pai que acompanhe vocês e lhes abençoe, que encha vocês do seu amor e lhes defenda no caminho, dando a vocês em abundância a força que nos mantém em pé e nos dá a coragem para cortar a cadeia do ódio: aquela força é a esperança. Peço, por favor, a vocês que rezem por mim, e aos que não podem rezar - sabiam-no - pensem bem de mim e me mandem uma boa onda. Obrigado!”.
Quanta profundidade humana e cristã nas palavras do Papa! Elas fortalecem a nossa fé e renovam a nossa esperança em um outro mundo possível. Meditemos!
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Discurso do Papa Francisco no 3º EMMP. A relação entre povo e democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU