20 Dezembro 2016
"Nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 10%, das suas áreas de natureza não domesticada, isto é, regiões praticamente intocadas pela ação humana, segundo cálculo do periódico científico “Current Biology”. Trata-se de uma perda catastrófica da vida selvagem", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 19-12-2016.
Eis o artigo.
“O ser humano é um ectoparasita que está matando o seu hospedeiro”
Alves (28-09-2016)
“Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento”
Patterson (07-05-2014)
Em 2012, escrevi um artigo provocativo no Portal Ecodebate perguntando se a expansão do ser humano por todos os cantos e espaços do Planeta poderia ser considerada uma atividade semelhante ao que acontece na biologia com as espécies invasoras.
A ideia do conflito irreconciliável e antagônico entre o ser humano e a natureza não é nova. Diversos autores já trataram a humanidade como um câncer, uma praga ou erva daninha que ataca a biodiversidade da Terra. Por exemplo, o grande ambientalista David Attenborough disse: “Somos uma praga sobre a Terra. Não é apenas a mudança climática; é o espaço absoluto, lugares para cultivar alimentos para esta enorme horda. Ou nós limitamos o nosso crescimento populacional ou o mundo natural fará isso por nós. Aliás o mundo natural já começou a fazer isso para nós agora”.
Na mesma linha, o filósofo britânico John Gray, em entrevista à revista Época (29-05-2006), apresenta um prognóstico pessimista sobre a humanidade: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres.
Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”.
Também o Dr. David Suzuki (2016) considera que os seres humanos estão no topo dos predadores do mundo. Predação é uma função natural importante. Mas como a população humana cresceu, passou a influir na dinâmica dos ecossistemas rompendo os equilíbrios naturais. Ele diz que precisamos parar de procurar bodes expiatórios e olhar no espelho e perceber que a principal causa do declínio das espécies são o agigantamento das atividades antrópicas.
Agora em abril de 2016, a revista Nature publicou o texto “Post-invasion demography of prehistoric humans in South America” (GOLDBERG, et. al. 2016) que trata da “invasão” humana na América do Sul. O texto reconstrói os padrões espaço-temporais de crescimento da população humana na América do Sul, usando um banco de dados recém-agregados de 1.147 sítios arqueológicos e 5.464 datações calibradas abrangendo quatorze mil a dois mil anos atrás. Demonstra que, em vez de uma expansão exponencial constante, a história demográfica dos sul-americanos é caracterizada por duas fases distintas. Em primeiro lugar, os humanos se espalharam rapidamente por todo o continente desde 14 mil anos, mas manteve-se com população baixa até 8.000 anos atrás, incluindo um período de oscilações (boom and bust) sem crescimento líquido por 4.000 anos. Só com sedentarismo generalizado a partir de 5,5 mil anos atrás houve uma segunda fase demográfica de crescimento exponencial da população. A capacidade da humanidade para modificar seu ambiente e para aumentar acentuadamente a capacidade de carga na América do Sul é, portanto, um fenômeno recente.
O estudo estabelece uma base para a compreensão de como os seres humanos contribuíram para a maior extinção do Pleistoceno de grandes mamíferos, como preguiças, cavalos e criaturas chamadas gomphotheres. Em seguida, o estudo considera que, de acordo com outras espécies invasoras, os seres humanos parecem ter sido submetidos a um declínio da população, consistente com a ideia da sobre-exploração dos recursos naturais. Mas com o surgimento de sociedades sedentárias houve novamente crescimento exponencial da população.
Hoje em dia parece que o crescimento populacional ultrapassou a capacidade de carga novamente. A pergunta que fica é se os avanços tecnológicos serão capazes de superar os limites da capacidade de carga ou se a pressão das atividades antrópicas vai provocar uma grande extinção em massa das espécies endêmicas e dos demais seres vivos do Planeta.
O artigo publicado na revista PLoS Biology, em agosto de 2016, estima que o mundo natural contém cerca de 8,7 milhões de espécies. Mas a grande maioria ainda não foi identificada. Os autores alertam que muitas espécies serão extintas antes que possam ser estudadas.
As estatísticas mostram que as áreas de proteção ambiental cobrem apenas 20 milhões de quilômetros quadrados, ou cerca de 15% do planeta, número que está abaixo das Metas de Aichi de Biodiversidade, adotadas por mais de 190 países em 2010, que prevê 17% de cobertura em 2020. As Metas de Aichi são consideradas o maior acordo global sobre biodiversidade em nível mundial e estão voltadas à redução da perda da biodiversidade, em todo o planeta. Reunidas em cinco objetivos estratégicos, as 20 Metas de Aichi são assim chamadas, pois foram definidas durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10), realizada em Nagoya, Província de Aichi, Japão. No entanto, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), as conquistas em número e tamanho têm de ser acompanhadas de melhoras em sua qualidade, com a proteção de lugares com maior diversidade biológica.
Nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 10%, das suas áreas de natureza não domesticada, isto é, regiões praticamente intocadas pela ação humana, segundo cálculo do periódico científico “Current Biology”. Trata-se de uma perda catastrófica da vida selvagem. Em artigo publicado na revista Science, o biólogo americano Samuel Wasser mostra que cerca de 50 mil elefantes africanos são caçados por criminosos a cada ano, para uma população de 500 000 indivíduos. Uma taxa de 10% ao ano pode levar rapidamente à extinção da espécie.
Para mudar este quadro, o biólogo Edward Osborne Wilson acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar METADE DO PLANETA exclusivamente para a proteção dos animais. No livro O futuro da Vida, Osborne faz uma defesa da incrível diversidade de espécies que o Homo sapiens está destruindo antes mesmo de ter acumulado conhecimento sobre elas.
Como diz matéria da France Presse (06-11-2014): “O ser humano é, por excelência, a espécie mais invasora do planeta.
Surgiu na África e se expandiu, modificando todos os ecossistemas”. É uma espécie autoinvasora, pois as migrações são seguidas de dominação e destruição.
A mesma conclusão é apresentada em interessante artigo de Fábio Olmos, em O Eco (19/09/2016) que mostra como a dominação do Planeta pelo Homo Sapiens provocou a extinção de inúmeras espécies nos últimos 50 mil anos. Ele sintetiza o artigo: “Uma conclusão é que somos a mais destruidora dentre as espécies exóticas e invasoras, embora não nos listem no catálogo oficial das espécies-praga danosas à biodiversidade”.
Portanto, se não tomar cuidado, a humanidade pode ser vítima de seu próprio sucesso, podendo fracassar devido ao retrocesso das demais espécies, como as abelhas que são fundamentais para a polinização e a produção de alimentos no mundo. O parasitismo humano está matando o hospedeiro e provocando um holocausto biológico. O invasor parasitário geralmente fracassa quando o egoísmo predomina sobre o altruísmo e se adota uma solução de terra arrasada.
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Ser humano: maior espécie invasora - Instituto Humanitas Unisinos - IHU