06 Dezembro 2016
Os números mais recentes da economia confirmam que o país continua em profunda recessão. Para o presidente do IBGE, o economista Paulo Rabello de Castro, 67, crescer 1% no ano que vem ainda será pouco.
Estatisticamente, o número voltará ao terreno positivo, mas o estrago em termos de emprego e renda ainda terá uma resposta fraca.
Castro concedeu esta entrevista antes da divulgação do PIB, na quarta (30). Segundo ele, a análise se baseia em dificuldades observáveis a olho nu.
A entrevista é de Mariana Carneiro, publicada por Folha de S. Paulo, 05-12-2016.
"Nós não conseguimos fazer o time jogar bem", disse ele, sobre as forças produtivas do país. "As empresas entram mal em campo, as pessoas são desempregadas. Todos ficam desesperançados, a produtividade geral cai e o governo gasta demais."
O quiproquó político só aumenta a tensão, diz o aliado de Michel Temer, que chegou à presidência do IBGE com a ascensão do atual mandatário.
"A pior coisa que poderíamos enfrentar hoje é um novo estado de desconfiança em relação à figura do presidente da República."
Castro é Graduado em economia pela UFRJ (1971) e em direito pela UERJ (1971), é mestre e doutor em Economia pela Universidade de Chicago. É presidente do IBGE e o principal acionista das empresas RC Consultores, Macroconsulting e SR Rating e da ARC Ratings. Também é presidente do Instituto Atlântico e coordenador do Movimento Brasil Eficiente.
Eis a entrevista.
Em que estágio estamos nesta recessão?
Ainda estamos regredindo. E, se olharmos à frente, vemos projeções menos favoráveis do que há seis meses. À medida que os meses de 2016 foram avançando, foi ficando claro que a reversão do processo recessivo será mais lenta e mais penosa, do ponto de vista do que mais nos interessa, que é a recuperação do emprego. Portanto, o quadro não é bom.
A recessão vai se estender até 2017?
Essa recessão é um bicho diferente, que deveria suscitar um debate especial. Porque algo de muito ruim pode estar acontecendo na configuração das forças produtivas, uma disfuncionalidade entre os fatores de produção.
Nós não conseguimos fazer esse time jogar bem. Veja a seleção brasileira, uma rearticulação na cabeça do técnico fez emergir com os mesmos jogadores um outro time. Esse é o milagre que eu esperaria do governo. Não podemos trocar os jogadores. Algo há de errado na disposição desse time. As empresas entram mal em campo, as pessoas são desempregadas. Todos ficam desesperançados, a produtividade geral cai e o governo gasta demais, cobrando de todos para cobrir a gastança.
Enquanto isso, outro grupo de teorizadores diz que, para que o mundo não caia sobre nossas cabeças, temos que praticar a taxa de juros mais elevada do mundo, pois esse é o remédio universal. Para mim, isso e tratamento numa clínica vodu são o mesmo.
A culpa é dos juros do Banco Central?
É uma abordagem estrutural, que existe praticamente desde a estabilização [em 1994]. A taxa de juros é um remédio muito sério, que deveria ser usado por um período intensivo e muito curto. Não por décadas seguidas. O resultado é que, de 1999 até hoje, a dívida pública está quase duas vezes superior ao que poderia estar se estivéssemos praticando uma taxa de juros neutra.
Isso sustenta um rentismo financeiro e faz com que a sociedade precise ser reeducada para o compromisso de trabalhar. Trabalho no Brasil é opção de último caso. As filas preferenciais são as do subsídio e as do privilégio.
Há risco de sairmos da recessão e ficarmos presos a uma estagnação?
Esse risco é visível a olho nu. O desafio é enorme. São dificuldades internacionais e domésticas. Portanto, minha torcida pela saída da recessão fica só no plano estatístico. Porque, se crescermos 1% em 2017, provavelmente teremos um ou dois trimestres positivos no fim do ano. Isso ensejará a saída estatística da recessão, mas não agradará, porque a resposta em termos de emprego e renda vai ser muito fraca.
Crescer 1% em 2017 é claramente insuficiente. Ficará para 2018 o hercúleo trabalho de, aí sim, demonstrar números mais parecidos com uma recuperação.
É pior que a década 1980?
Sem dúvida, porque ela é uma recessão autoinflingida. Na década de 1980, não tínhamos apenas um incômodo internacional. Hoje o vento não está mais hiperfavorável, mas não quer dizer que o cenário seja totalmente antagônico. Em 1980 era. Estávamos afundados em uma restrição absoluta, não tínhamos dólares e tínhamos que importar petróleo. Hoje estamos em uma crise de credibilidade em razão dos nossos desajustes.
Então não é certo que haverá uma recuperação cíclica?
Não, porque por enquanto nós ainda estamos encomendando a corda para nos enforcar. E uma parte do quiproquó político ajuda nisso.
A crise política continuará afetando a economia?
Muitíssimo. A pior coisa que poderíamos enfrentar hoje é um novo estado de desconfiança em relação à figura do presidente da República. Já foi muito ruim e triste que a presidente Dilma Rousseff tenha passado pelo que passou. Todos que temos consciência cívica lamentamos profundamente o limite a que seu governo chegou, de não conseguir nem organizar politicamente o país. De alguma forma, a organização do poder foi maltratada. Também hoje nós deveríamos evitar ao máximo contaminar a autoridade da Presidência com uma nova pauta de demolição nacional.
Por quê? Em prol da economia?
Em prol da retomada de uma ética do trabalho. Mesmo que a gente queira voltar a trabalhar, é preciso que nos organizemos. Chegará o momento, e deveria ser em 2017, em que teremos de começar a separar o pecado do pecador.
Como assim?
À medida que a lista de pecadores só faz aumentar, com as denúncias e as homologações [da Lava Jato], as repercussões que isso está tendo sobre as maiores empresas do país é absolutamente trágica. Precisamos articular meios que transcendam os acordos de leniência, de forma que as empresas possam ir pagando pelos seus pecados, deixando o rastro do castigo e das penas para as pessoas físicas, e liberá-las para pensar em novos investimentos.
Se o presidente for afastado, mergulharemos em uma nova fase de crise econômica?
Não precisamos desse cenário. Como colaborador do presidente, torço para que tudo se esclareça favoravelmente. Se nós temos senso no Brasil, que nós nos agarremos ao presidente e dele exijamos a ampliação da pauta de refundação da república. Não temos tempo a perder.
Em meio a essas dificuldades, é possível almejar uma reforma da Previdência?
Vai ser muito difícil passar qualquer coisa que não seja o reajuste das idades. E se for [aprovado]. Vamos ampliar a idade de acesso ao benefício, ajustar a equação previdenciária, mas isso não é repactuar a Previdência. O que seria o certo a fazer.
Mas está demorando demais. Anunciar que uma tal reforma vai mexer com os direitos e não esclarecer que os "aposentáveis" não sofrem perdas em decorrência disso é grave e traz sérias consequências para nós.
No IBGE, vamos perder mais de 300 funcionários no próximo ano, devido à aposentadoria. Eles estão virando 400 em razão do lero-lero de uma Previdência que vai machucar o interesse dos aposentados.
É uma dúvida que se instalou no coração das pessoas, porque ninguém sabe qual o teor da reforma. Até a minha secretária anunciou que vai se aposentar.
Quando o sr. fala em reorganizar a economia para sair da recessão, o que seria?
A simplificação tributária poderia ajudar a desatar o nó da estagnação. O outro ponto é a gestão pública, através da criação do conselho de gestão fiscal [foi aprovado no Senado, mas tramita na Câmara]. Ele funcionaria como um complemento da PEC 241, para fazer valer a regra fiscal.
Como assim?
No dia em que se atribuir o teto do gasto, toda a administração pública vai competir por gastar mais. Quais serão os critérios que vão balizar quem deve estar na frente da fila? Esse conselho estipularia os critérios de avaliação.
O Ministério do Planejamento está empenhado neste momento em construir critérios de eficiência e aplicá-los sobre determinados programas. É um excelente começo.
Estamos fazendo isso também aqui no IBGE: elaborando uma avaliação do valor social dos trabalhos do instituto.
Mudaria a forma como o IBGE recebe recursos do governo?
Ajudaria o IBGE a fazer uma reflexão do que realmente tem mais impacto para a sociedade. Muitas das pesquisas são ancoradas apenas na tradição de fazer porque se fazia no passado.
Vai filtrar as pesquisas?
Sim, de acordo com alguns critérios. Às vezes a relevância social não se traduz por critérios monetários. Como uma pesquisa sobre o estado das prisões, que nós queremos retomar. Uma de nossas prioridades será o tema da segurança pública.
O IBGE pode fazer uma grande contribuição nas informações dessa área, que até hoje incrivelmente não são padronizadas. É possível morrer de homicídio de forma diferente em São Paulo ou na Bahia.
Como quantificar o valor das pesquisas?
Estamos tentando medir de acordo com a repercussão que tem essa estatística no planejamento das políticas públicas e das atividades empresariais. Diariamente, cerca de 400 consultas são feitas ao site do IBGE para confirmar coordenadas geográficas. Quem usa isso? Todo o mundo que está construindo. Eles pagariam por essa informação.
O IBGE vai vender informação?
Qualquer produto do IBGE, por definição, é de livre acesso. O que é passível de cobrança é a reelaboração da estatística de forma a dar respostas específicas e intensivas para determinados usuários. Por exemplo, há dados sobre as cidades e um usuário gostaria de cruzar diferentes informações numa matriz. O IBGE não tem isso hoje. Talvez seja possível elaborar, mas isso custaria porque eu teria alguns técnicos que iriam parar para fazer isso.
Eventualmente é uma forma de desonerar a sociedade de pagar todo o custo do livre acesso e estabelecer uma discriminação entre usuários intensivos e eventuais.
Haveria pessoal no IBGE para isso?
Seria possível imaginar uma gratificação adicional para os funcionários. E, a partir desse adicional, poderíamos avançar em alta tecnologia, big data etc. Não podemos ficar dependentes de pedir 100% dos recursos para a "viúva".
Quando o sr. assumiu o IBGE, funcionários alegaram conflito de interesses. Como resolveu?
Eu não posso resolver um conflito que não existe. Qualquer cidadão que queira contribuir para o serviço público tem que deixar a gestão direta de suas atividades privadas. Eu, como tinha várias "empresocas" constituídas, tive de me desvencilhar e entregar a administração.
E o acesso a dados que poderia lhe dar informação privilegiada?
Como consultor, nunca tive a curiosidade de saber este ou aquele dado de inflação mais recente. A menos que você esteja realizando operações financeiras... Mas eu nunca tive bancos como clientes. Assim que cheguei, me inclui na lista de restrições a todos que estão fora do IBGE [de saber dos dados duas horas antes da divulgação].
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"Risco de economia permanecer estagnada é visível a olho nu", diz presidente do IBGE - Instituto Humanitas Unisinos - IHU