07 Outubro 2016
A Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo mudou a composição da Câmara de Compensação Ambiental (CCA), responsável pela gestão e destinação de milhões de reais pagos por empreendimentos para compensar o impacto ambiental de suas construções.
A reportagem é de Herton Escobar, publicada por O Estado de S. Paulo, 07-10-2016.
Chama atenção a troca dos dois representantes da sociedade civil. O biólogo Ricardo Rodrigues, da Universidade de São Paulo, e Ana Luisa da Riva, ex-diretora-executiva do Instituto Semeia, foram substituídos pelo agrônomo Evaristo de Miranda, da Embrapa, e o advogado Francisco de Godoy Bueno, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), especialista em direito do agronegócio e amigo pessoal do novo secretário de Meio Ambiente, Ricardo Salles — que é o responsável por nomear os membros da CCA.
Bueno é membro do Movimento Endireita Brasil, fundado por Salles, que também é advogado e já foi diretor jurídico da SRB. “É uma pessoa supercorreta e de extrema confiança”, justificou o secretário, em entrevista ao Estado. “Somos amigos, não tem problema nenhum.”
As nomeações foram publicadas no Diário Oficial do Estado em 1º de outubro (Resolução SMA 77, de 29/9/2016). Seis dos oito membros da CCA foram substituídos. O novo grupo será responsável por gerir um montante de aproximadamente R$ 250 milhões, oriundos de compensação ambiental, que devem ser investidos obrigatoriamente em benefício das unidades de conservação do Estado, como parques estaduais e estações ecológicas.
Para Salles, a ligação de Bueno com o agronegócio não cria um conflito de interesse para sua atuação na câmara. “Pelo contrário, acho que nada melhor do que quem conhece o assunto para identificar quais são as medidas eficazes para reparação de questões ambientais”, disse. “A utilização do conhecimento de quem tem experiência no mundo real é fundamental. Melhor ter alguém que dá uma solução real (…) do que um grupo de pessoas que se julgam acima do bem e do mal e colocam soluções filosóficas que só ficam de pé em laboratório.”
O bom gestor, segundo Salles, é multidisciplinar. “Não temos na secretaria necessidade de pessoas que conheçam meio ambiente, porque o maior acervo de conhecedores de meio ambiente do Estado de São Paulo (já) está dentro da secretaria. O que precisamos é agregar novas habilidades, relacionadas a gestão.”
Evaristo de Miranda, o outro escolhido por Salles para representar a sociedade civil, também é ligado ao setor agrícola. Agrônomo, com mestrado e doutorado em ecologia, Miranda foi figura polêmica nas discussões do novo Código Florestal no Congresso, por apresentar estudos científicos próprios, que favoreciam os interesses da bancada ruralista e contrariavam o que a maior parte da comunidade científica defendia. É chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite e coordenador do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE) da Embrapa. “É o maior especialista em pesquisa aplicada no campo no Brasil”, justifica Salles.
O biólogo Ricardo Rodrigues, que foi substituído, era uma figura emblemática da sociedade civil na CCA. Professor titular do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), já foi coordenador do Programa Biota da Fapesp e é considerado um dos maiores especialistas do Brasil em ecologia aplicada e restauração florestal. Estava na câmara desde maio de 2014, indicado pelo Programa Biota e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com apoio de entidades ambientalistas.
Ana Riva, a outra representante da sociedade civil, estava na câmara desde fevereiro, nomeada pela ex-secretária Patricia Iglesias, professora da Faculdade de Direito da USP, especializada em direito ambiental.
A CCA é formada por oito membros, incluindo o secretário adjunto do Meio Ambiente, mais três representantes da Secretaria de Meio Ambiente (SMA), um representante da Cetesb (órgão subordinado à SMA), um representante do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), e dois representantes da sociedade civil. Perguntado pela reportagem sobre qual foi o processo de seleção usado para escolher os novos representantes, Salles respondeu que a escolha “é uma prerrogativa do secretário, então não há procedimento a ser seguido.”
“A exemplo do que são os nomes escolhidos pelo governador para determinados cargos, os nomes que competem ao secretário são um juízo pessoal do secretário sobre a conveniência e oportunidade da troca”, afirmou.
Salles, de 41 anos, filiado ao Partido Progressista (PP), assumiu a Secretaria de Meio Ambiente em julho deste ano, sem ter ligação prévia com a área ambiental. Foi secretário particular do governador Geraldo Alckmim (PSDB); e sua indicação para a SMA foi noticiada como resultado de um acordo político entre os dois partidos, em troca do apoio do PP à candidatura do tucano João Doria à prefeitura de São Paulo.
A CCA, criada em 2004, é responsável por gerir os recursos oriundos de compensação ambiental, determinando como e onde eles devem ser investidos. Nesse período, mais de R$ 400 milhões já foram recolhidos. Desse total, cerca de R$ 250 milhões ainda não foram destinados e estão disponíveis para investimento, segundo Salles.
Os últimos dois anos de trabalho da câmara foram um “fracasso absoluto” na opinião do secretário. “O resultado prático dessa visão filosófica de laboratório é justamente a ineficiência dos trabalhos que foram feitos até agora”, disse. “Não por outra razão temos necessidade de investimento, manutenção e recuperação de diversas unidades de conservação. Os recursos estavam disponíveis e não foram investidos exclusivamente por uma questão de má gestão.”
Rodrigues foi procurado pela reportagem, mas preferiu não responder às críticas. “Nossas áreas de conservação e restauração estão à disposição para serem visitadas, como já fizeram vários técnicos da SMA e secretários anteriores”, limitou-se a dizer.
Reportagem publicada pelo Estado em agosto de 2013 revelou que havia R$ 144 milhões “parados” na carteira de compensação ambiental, num momento em que muitas das unidades de conservação estaduais já sofriam com falta de recursos, funcionários e deterioração de sua infra-estrutura — um cenário de abandono que não foi revertido e continua a se agravar, segundo servidores da secretaria e ambientalistas ouvidos pela reportagem. O secretário de Meio Ambiente à época era Bruno Covas, agora vice-prefeito na chapa eleita de João Doria para a Prefeitura de São Paulo.
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Secretário nomeia amigo ruralista para Câmara de Compensação Ambiental de SP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU