14 Setembro 2016
O município de Canápolis – BA acolheu, de 02 a 10 de setembro, os/as romeiros/as que vieram de diferentes cidades da região oeste da Bahia para a 3ª Semana e Romaria do Cerrado. Foram dias de visitas às comunidades rurais e discussões sobre o tema: Cerrado em Pé: Sem Cerrado, Sem Água e Sem Vida. O encerramento das atividades foi com a romaria, uma celebração de vida, que apontou a fragilidade hídrica do município que hoje tem 10 nascentes totalmente secas, 11 com forte tendência a secarem e três que ainda continuam perenes. Um dos principais motivos para este colapso é a ação do agronegócio.
Confira a seguir, a íntegra da carta que o povo do oeste baiano escreveu como resultado dos dias de reflexão.
A transição entre o inverno e a primavera marca a região Oeste da Bahia com o amarelo dos ipês. É sabido que o mês de setembro se aproxima, e com ele no dia 11 de setembro é comemorado o Dia Nacional do Cerrado, criado em 2003, por decreto do presidente Lula. O povo que vive nesta região teria muito a comemorar, pois sabem que dependem, diretamente, deste importante bioma para a manutenção de suas vidas, pois é do Cerrado que vêm 94% das águas que abastecem o rio São Francisco. Este bioma é responsável por abrigar 5 % da biodiversidade do planeta, e onde vivem milhares de comunidades camponesas que são responsáveis pela produção de parte dos alimentos que abastecem o país.
Mas infelizmente, não há o que se comemorar no dia 11 de setembro, pois a cada ano percebe-se aumentar os sinais de morte do Cerrado, e consequentemente, do seu povo. Por conta disso, foi proposta a realização da Semana e Romaria do Cerrado na região Oeste da Bahia, com a 1ª Semana e Romaria sendo realizada em Côcos, em setembro de 2014, com o tema “Cerrado em Pé: do berço das Águas um clamor pela vida!”, e abrangeu atividades em MG e BA; já a 2ª Semana e Romaria foi realizada em Correntina, em setembro de 2015, com a temática: “Cerrado em Pé: das Águas brotam a vida!”, e teve como principal atividade um seminário de aprofundamento do contexto regional, com destaque para a criação do PDA – MATOPIBA.
No momento, em que o Brasil vive uma conjuntura política turbulenta, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, e a chegada de Michel Temer à presidência por meio de um golpe civil, com profundas consequências para os direitos sociais, historicamente, conquistados e um horizonte de retrocessos e conservadorismo frente às demandas populares. Manteve-se vivo o compromisso de realizar a 3ª Semana e Romaria do Cerrado, e desta vez optou-se por realizá-la num dos menores municípios do Oeste da Bahia, mas onde as contradições do modelo de desenvolvimento, baseado no Agronegócio, são latentes há anos. Com o tema “Cerrado em Pé: Sem Cerrado, Sem Água e Sem Vida”, em consonância com a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, o evento objetivou pautar os principais problemas socioambientais de um município como bases para a reflexão.
A 3ª Romaria do Cerrado em 2016 está sendo realizada às vésperas da data que se completam trinta e um (31) anos do assassinato de Isaias Cândido de Souza, lavrador e sindicalista de Canápolis, assassinato pelo delegado e outro policial, na porta da delegacia, por lutar em defesa da terra e da nascente na comunidade de Mosquitão. Outra importante ação que marcou a 3ª Semana e Romaria do Cerrado foram as “visitas missionárias” ou “mutirão de visitas”, que durante uma (01) semana foram visitadas vinte e sete (27) comunidades rurais, dez (10) escolas rurais e na sede do município, e por meio de palestras, exposição de fotos e vídeos, rodas de conversa, diálogos e visitas fizeram importantes reflexões sobre a importância do Cerrado.
Nesta ação, a principal percepção é de que o município de Canápolis está em “colapso hídrico” com dez (10) nascentes totalmente secas, onze (11) com forte tendência a secarem e três (03) que ainda continuam perenes. Os solos por onde passaram os participantes da “visita missionária” encontram-se visivelmente impactados, com erosões superficiais e em sulco, voçorocas e em alguns casos em processo de desertificação. Ainda há desinformação, e muitos agricultores e agricultoras, bem como, os moradores e moradoras da sede encontram-se “alheios (as)” a estes impactos, e a grande inquietação constatada é: como agir diante desta situação?
A realidade de Canápolis estimula a reflexão e a busca por ações concretas frente aos impactos socioambientais do Agronegócio, mas também sobre a necessidade de adequar o manejo da Agricultura Familiar a uma realidade que é de escassez dos bens naturais. A 3ª Semana e Romaria do Cerrado vêm somar à outras ações que visam buscar soluções para os problemas vividos no Oeste da Bahia, sendo que cinco (05) são as principais demandas da população, em especial, as que vivem no campo: 1º) o fim dos impactos do Agronegócio; 2º) a equidade na participação e a construção de espaços que garantam as propostas populares; 3º) a Regularização Fundiária dos Territórios Tradicionais e o respeito ao modo de vida das comunidades; 4º) o rígido controle sobre os processos de licenciamento e outorga de água para novos empreendimentos, e efetiva fiscalização dos órgãos ambientais e fundiários aos casos emblemáticos do Oeste da Bahia; 5º) a construção de processos e políticas públicas para a adequação do modo de produção, com respeito aos bens naturais da região.
A caminhada continua, e a “Cruz Geraizeira” símbolo do calvário do Cerrado e do seu povo, representa também o “lenho da cruz”, e a perspectiva de um “outro mundo possível”, a partir de ações que mudem a realidade onde se vive com a manutenção do “Cerrado em Pé” e o povo com água e vida em plenitude.
Canápolis-BA, 10 de setembro de 2016.
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Carta da 3ª Semana e Romaria do Cerrado revela fragilidade hídrica do município de Canápolis-Ba - Instituto Humanitas Unisinos - IHU