01 Setembro 2016
ESBR, empresa responsável pela usina, não tem prestado auxílio a pescadores da vila de Abunã, da líder assassinada Nicinha
“Mataram nossos peixes e nossas casas, meio que estão matando a gente. Cada vez mais”, relatou ao Ministério Público um pescador da vila de Abunã, em Porto Velho (RO). Seu depoimento se soma a de vários outros pescadores da região e faz parte de uma ação civil pública movida pelo MP contra o Ibama, a Energia Sustentável do Brasil (ESBR) – empresa responsável pela hidrelétrica de Jirau – e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A reportagem é publicada por Ministério Público Federal, 30-08-2016.
Na ação, o MP pede que a Justiça Federal obrigue o Ibama a suspender, cancelar ou não renovar a Licença de Operação 1097/2012, concedida à ESBR, até que a empresa cumpra integralmente as condicionantes do licenciamento ambiental, em especial o item que trata do apoio à atividade pesqueira: pagamento imediato de auxílio financeiro para todas as 53 famílias indicadas em laudo pericial do MP Federal, em valores iguais aos reassentados que não são pescadores ou, pelo menos, semelhante ao valor correspondente ao seguro defeso (um salário-mínimo), até que se elabore um estudo detalhado da renda dos pescadores antes da construção dos empreendimentos.
O MP também pede que a ESBR seja condenada a fazer em até 45 dias, a contar da decisão liminar, um estudo antropológico social para as outras 68 famílias de Abunã, identificando os pescadores das comunidades tradicionais e suas atividades. Os trabalhos devem também ser acompanhados por especialistas (sociólogos, antropólogos, assistentes sociais, etc) indicados pelo MP e custeados pela ESBR.
Comprovando-se a existência de mais pescadores tradicionais, o MP pede que a empresa seja condenada a pagar auxílio financeiro a eles. A ESBR ainda pode ser condenada a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de vinte e cinco milhões de reais, além de indenização por dano social de cinco milhões de reais.
Outro pedido à Justiça é para que o BNDES seja proibido de fazer repasses financeiros diretos ou indiretos à ESBR em decorrência do financiamento da hidrelétrica de Jirau, enquanto a empresa não der o amparo devido aos pescadores. O investimento do BNDES na hidrelétrica de Jirau é da ordem de 15,7 bilhões de reais e equivale a 60,8% do investimento total do projeto.
A Justiça poderá estabelecer multa para os casos de descumprimento da futura decisão. O pedido do MP é que a multa seja de cem mil reais por dia de descumprimento.
Condicionantes descumpridas Os autores da ação, os procuradores da República Raphael Bevilaqua e Gisele Bleggi e a promotora de Justiça Aidee Moser, expõem na ação que os pescadores e os órgãos fizeram “inúmeras tentativas extrajudiciais para que a ESBR cumprisse as condicionantes impostas nas licenças concedidas pelo Ibama (Licença Prévia 251/2007, Licença de Instalação 621/2009 e Licença de Operação 1097/2012), sendo totalmente ignorados”.
Na ação, o MP aponta que o próprio Ibama já registrou em parecer e relatório as dificuldades para manutenção da atividade pesqueira após o enchimento do reservatório da hidrelétrica de Jirau. Laudo pericial do MP Federal expõe que “a ESBR adota práticas excludentes dos pescadores tradicionais, atuando como agente fomentador de conflitos na região. Os conflitos surgem especialmente da total desorganização social e econômica experimentada após a instalação das Usinas Hidrelétricas”.
Com os impactos sofridos, principalmente pela ausência de peixes, 15 famílias de pescadores tradicionais passaram a viver acampados em local denominado Baixão, próximo ao KM 163 da BR-364, imediações da ponte velha de Mutum Paraná, em fevereiro de 2015. Eles ficavam em barracas de lona, em área com alta incidência de animais peçonhentos e perigosos, sem energia elétrica, sem água potável. O caso foi exibido em reportagem de uma emissora local de televisão.
O MP aponta que os conflitos na região podem ter sido os motivos para o assassinato brutal da pescadora e líder social Nilce de Souza Magalhães (Nicinha). Após sua morte, o grupo do Baixão se dispersou.
Além de usar critérios próprios para definir quem são os pescadores afetados por sua barragem, a hidrelétrica de Jirau paga, apenas durante três meses, valores entre duzentos e cinquenta reais para famílias com até três pessoas e seiscentos e cinquenta reais para famílias com mais de sete pessoas. Em Abunã, uma região historicamente pesqueira e extrativista, a ESBR afirmou que existiriam somente cinco pescadores aptos ao recebimento de auxílio financeiro.
A ação será julgada pela Justiça Federal em Porto Velho.
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Ministério Público pede na Justiça cancelamento da licença de operação da hidrelétrica de Jirau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU