09 Agosto 2016
Uma funcionária do Programa Faith Outreach, da organização sem fins lucrativos Humane Society of the United States - HSUS, acredita que “quando fazemos algo para proteger os animais, há um significado que vai além de simplesmente ajudá-los. A ajuda aqui faz parte de um esforço restaurativo maior, que repara as nossas relações uns com os outros e com Deus também”.
Reasa D. Currier é gestora de iniciativas estratégicas do Programa Faith Outreach, da Humane Society of the United States – HSUS, fundação sediada em Washington, DC, e que é o maior grupo do país voltado para o bem-estar animal e em oposição à crueldade aos animais. Em seu trabalho, Currier tenta mobilizar o apoio de organizações religiosas. Recentemente ela falou com o correspondente Charles Camosy, do Crux, sobre a interseção da religião e a preocupação pelos animais.
A entrevista é de Charles C. Camosy, publicada por Crux, 06-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a entrevista.
Alguns leitores podem estar surpresos que um trabalho como o seu exista. Pode nos falar um pouco do que você faz na HSUS?
Em resumo, o meu longo título [gestora de iniciativas estratégicas] significa que colaboro com organizações e funcionários de denominações religiosas atuantes principalmente na intersecção entre fé e política. Por exemplo, tenho trabalhado com a equipe da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa (departamento de políticas da Igreja Batista do Sul), em projetos de lei no Tennessee e em Ohio, sempre visando reforçar as sanções contra a prática de pôr animais a lutarem entre si.
Os cristãos tiveram um papel importante na criação do movimento moderno de proteção animal e na aprovação das primeiras leis protetivas aos animais, tanto nos EUA como no Reino Unido. Portanto, vejo o meu papel como uma continuação da longa e rica tradição de envolvimento comunitário religioso na arena política em nome dos animais.
Além de trabalhar juntos a grupos cristãos, tenho o privilégio de atuar ao lado de líderes religiosos de todas as grandes religiões. Estamos trabalhando em um referendo no estado de Massachusetts que irá impedir que animais de fazenda sejam amontoados em gaiolas tão pequenas que não podem sequer se virar ou estender os seus membros, bem como garantir que determinados itens alimentícios vendidos em Massachusetts estejam compatíveis com esses padrões. A comunidade judaica tem sido um grande aliado nesta campanha.
O que a atraiu para este tipo de trabalho?
O meu avô foi criador de porcos e veterinário no estado do Kansas durante grande parte de sua vida e, depois, recebeu o chamado para o ministério pouco antes de eu nascer. Uma das minhas primeiras memórias era a de meu avô estendendo as mãos e orando por um cão ferido sob os seus cuidados.
Meu avô ensinou e escreveu sobre o dever cristão em cuidar dos animais, isso na década de 1970. Então, ele foi realmente um pioneiro neste movimento de expansão e teve uma influência profunda sobre mim.
Eu passei a trabalhar como consultora jurídica e legislativa para o governo federal, mas sempre me sentia um pouco fora de lugar. Durante a gravidez de meu segundo filho, eu não estava dormindo bem e tive muito tempo para pensar no meio da noite. Senti uma necessidade premente de formar um Comitê de Ação Política no meu estado natal da Virgínia com o objetivo de defender os animais a partir de uma perspectiva cristã.
Eu não tinha certeza do que um Comitê de Ação Política fazia exatamente, porém esse desejo persistente de ver a comunidade religiosa se unir na proteção aos animais não iria me deixar. Assim, fui falar com o meu pastor e ele deu a entender que eu estava recebendo um chamado. Ele disse para eu seguir em frente.
No dia em que dei à luz a minha filha, entrei com a papelada para a criação do comitê no Departamento Eleitoral da Virgínia e esta foi a minha primeira entrada neste mundo que engloba fé e política. Alguns anos depois eu fui contratada pela HSUS.
Uns podem achar o ativismo animal e o Evangelho como, na melhor das hipóteses, sendo um par estranho de ideias. Pode nos falar algo sobre onde percebe as relações mais fortes aqui?
Para mim, esta é a relação mais natural. A Bíblia é clara quanto à nossa obrigação no cuidado aos animais, na medida em que Deus cuida de nós.
Na recente encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, ele escreve que a nossa relação com Deus, com o próximo e com a criação fora rompida, o que é um pecado. Ele então passa a afirmar que “(…) é significativo que a harmonia vivida por São Francisco de Assis com todas as criaturas tenha sido interpretada como uma sanação daquela ruptura. Dizia São Boaventura que, através da reconciliação universal com todas as criaturas, Francisco voltara de alguma forma ao estado de inocência original”.
A minha interpretação dessas palavras é que, quando fazemos algo para proteger os animais, há um significado que vai além de simplesmente ajudá-los. A ajuda aqui faz parte de um esforço restaurativo maior, que repara as nossas relações uns com os outros e com Deus também.
Você fez uma apresentação bastante significativa aos bispos americanos pouco tempo atrás. Pode nos dar alguns destaques do que disse a eles?
Com certeza. As escrituras, a história católica, o catecismo e a encíclica do Papa Francisco fornecem uma abundância de dados. Assim, eu foquei em algumas poucas campanhas onde há uma sinergia natural. Nós temos apresentado projetos de lei em vários estados para aumentar as penas contra a prática de se pôr animais a brigar entre si, um problema que os católicos há séculos vêm combatendo.
Li em um documento emitido pelo Papa São Pio V, ainda no século XVI, em que condenava a prática de luta entre animais como estando em contrariedade ao dever cristão e à caridade, chamando estas lutas de “exibições do demônio”.
A maioria destes projetos de lei incluem uma linguagem que penaliza levar crianças para assistir a uma luta animal. Este é um problema realmente significativo. Em muitos desses eventos podemos ver crianças presentes assistindo a lutas entre animais.
Também debati a terrível situação em que os elefantes e rinocerontes se encontram devido à caça furtiva. (Caça furtiva ou predatória é a caça ilegal, morte, ou captura de animais silvestres.) Durante a recente visita história do Papa Francisco à África, ele afirmou que o tráfico de marfim alimenta a instabilidade e o terrorismo, pedindo que não nos silenciemos diante dessa questão. Depois da China, os EUA são o principal mercado para os produtos e partes de espécies ameaçadas.
Se a caça furtiva continuar nestes níveis, iremos perder estes magníficos animais ainda nesta vida. Portanto, como disse o papa, realmente não podemos nos dar ao luxo de ficar em silêncio.
No encontro com os prelados, eu trouxe os nossos esforços no combate à expansão da pecuária industrial. No início da década de 1980, os bispos católicos chamaram a nossa a atenção para a rápida mudança na agricultura, que estava varrendo as áreas rurais dos EUA. Estes bispos e organizações como a Conferência Nacional da Vida Rural Católica (National Catholic Rural Life Conference) pediram por uma moratória nos sistemas de confinamento animal e despertaram todos nós para a compreensão de que a prática de colocar os animais em sistemas que os provam de seus comportamentos naturais é uma questão moral.
Uma das nossas armas mais poderosas contra a pecuária industrial são os onze conselhos consultivos estaduais de pecuária e o Conselho Consultivo de Agricultura Nacional (National Agriculture Advisory Council). Estes conselhos de agricultores e pecuaristas estão comprometidos com práticas pecuaristas humanas e tradicionais. O objetivo deles é fazer com que mais pecuaristas ajam assim também.
Dessa forma, apresentei estes homens e mulheres como um recurso aos tomadores de decisão que atuam nos estados agrícolas.
E como os religiosos responderam? Acha que esta iniciativa pode sinalizar algo sobre o futuro da Igreja Católica americana e sua relação com a proteção aos animais?
A resposta foi incrível. Estamos trabalhando em uma época desafiadora, e os líderes católicos têm lidado com questões polêmicas como a sexualidade humana, a liberdade religiosa e a morte com dignidade.
Para muitas das organizações religiosas com as quais trabalho, firmar parcerias com a gente para aprovar uma lei de proteção aos animais é uma questão estratégica. Pelo menos dois terços dos lares americanos têm um animal de estimação.
Então, quando estas organizações religiosas atuam para eliminar crueldades flagrantes aos animais, elas são capazes de edificar a comunidade e criar a unidade em torno de algo bastante positivo.
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O bem-estar animal como uma questão de fé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU