14 Abril 2016
A teologia católica romana se fechou, no que diz respeito à temática matrimonial, dentro da jaula do conceito de sacramento, não entendido de modo espiritual ou pastoral, mas jurídico. Enquanto não sair daí, ela poderá cantar as notas mais melodiosas, mas sempre fechada permanecerá.
A opinião é do pastor valdense italiano Paolo Ribet, em artigo publicado no sítio Riforma.it, 11-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A exortação papal Amoris laetitia, esperada síntese do trabalho do Sínodo dos bispos sobre o tema da família, foi publicada na sexta-feira, 8 de abril, e logo levantou um amplo debate.
São dois os aspectos que conquistaram a primeira página dos jornais: o sexo, que agora é definido como uma bela realidade, constitutiva do casal e não como algo a ser evitado ou utilizado unicamente em vista da procriação; e o fato de que, a critério dos pastores locais, pessoas divorciadas e recasadas também poderão receber a eucaristia. Isso é tudo? Não.
Eu acho que é redutivo concentrar a atenção em alguns pontos, por mais importantes que ele possam ser para muitos fiéis que sofreram até hoje por uma espécie de "exílio espiritual" e pela exclusão dos sacramentos.
O texto da exortação, de fato, é muito amplo e é composto por 263 páginas, subdivididas em nove capítulos e em 325 parágrafos. Eu insisto nesses dados numéricos, porque dão o sentido do fato de que a temática da família e do matrimônio é abordada em 360 graus, tentando sondar riquezas e problemas inerentes à matéria.
O Papa Francisco inicia: "No desenvolvimento do texto, começarei por uma abertura inspirada na Sagrada Escritura, que lhe dê o tom adequado. A partir disso, considerarei a situação atual das famílias, para manter os pés assentados na terra. Depois lembrarei alguns elementos essenciais da doutrina da Igreja sobre o matrimônio e a família, seguindo-se os dois capítulos centrais, dedicados ao amor. Em seguida destacarei alguns caminhos pastorais que nos levem a construir famílias sólidas e fecundas segundo o plano de Deus, e dedicarei um capítulo à educação dos filhos. Depois deter-me-ei sobre um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral perante situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor nos propõe; e, finalmente, traçarei breves linhas de espiritualidade familiar" (n. 6). E acrescenta: "Por isso, não aconselho uma leitura geral apressada" (n. 7).
Trata-se de um conselho sábio, porque, diante de um documento vaticano (como sempre diante dos documentos de uma certa espessura e de vasta audição), é melhor ser prudente nos julgamentos, até porque os silêncios valem tanto quanto as palavras, e alguns incisos, aparentemente secundários ou banais, abrem ou fecham portas, e os seus efeitos são vistos depois de anos.
Não podendo, aqui, fazer um comentário pontual, vou me limitar, portanto, a algumas observações de caráter geral. Em primeiro lugar, devemos notar que a estruturação bíblica e teológica do discurso é bastante tradicional. Embora seja dedicado à palavra bíblica um certo espaço, não me parece que, na exposição, leve-se em conta a complexidade da atitude das Escrituras em relação à família.
Observou-se, por exemplo, que, no Antigo Testamento, está presente uma pluralidade de formas familiares, incluindo a poligamia, que não foram, de fato, criticadas. A partir dessa leitura da Bíblia, emerge que, de fato, a família "desejada por Deus" é uma só: "O matrimônio cristão, reflexo da união entre Cristo e a sua Igreja, realiza-se plenamente na união entre um homem e uma mulher, que se doam reciprocamente com um amor exclusivo e livre fidelidade, se pertencem até a morte e abrem à transmissão da vida, consagrados pelo sacramento que lhes confere a graça para se constituírem como igreja doméstica e serem fermento de vida nova para a sociedade. Algumas formas de união contradizem radicalmente esse ideal, enquanto outras o realizam pelo menos de forma parcial e análoga" (n. 292).
Essas palavras já denotam o fato de que a visão da família e dos papéis dentro dela mudam ao longo do tempo, mesmo dentro da Igreja Católica. De fato, a imagem descrita acima da relação homem e mulher é muito recente, e não devemos esquecer que, apenas 40 anos atrás, na aprovação do novo direito de família, a própria Igreja afirmava que a nova lei destruiria a família.
Mas também deve ser observado que, diante de uma afirmação positiva daquilo que a família é, logo é afirmado o que a família não é. E, nesse grupo, podemos colocar tanto as novas bodas dos divorciados, quanto os casais de fato, quanto as uniões de pessoas do mesmo sexo, para as quais se reitera o pleno respeito, mas das quais não se reconhece a naturalidade da vida afetiva.
Novamente: isso é tudo? Não, e esse documento também deve ser analisado por algumas ênfases de indubitável novidade, que eu espero que serão sentidas mais fortemente ao longo do tempo.
Acima de tudo, é importante o método pelo qual se chegou a essa elaboração. De fato, ele nasce, como dito, do trabalho de dois Sínodos dos bispos e de um questionário dirigido a todas as dioceses do mundo, que recebeu cerca de 70.000 respostas.
Em segundo lugar, a atenção pastoral leva a melhor sobre a afirmação dogmática. Esse fato dá a todo o documento uma linguagem totalmente particular, mais ampla e aberta, mesmo levando em conta o facto de que se reconhece que estamos em um mundo global e que não é possível, nesse campo, fazer afirmações válidas para todos os céus e para todas as culturas.
Mas há um aspecto importante, que merece atenção. O papa, na sua exortação, afirma: "Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las" (n. 37). Eu espero que a Conferência Episcopal Italiana também preste atenção a esse inciso.
Muito mais poderia ser dito, porém, limito-me a expressar uma sensação de caráter geral: é minha opinião que a teologia católica romana se fechou, no que diz respeito a essa temática, dentro da jaula do conceito de sacramento, não entendido de modo espiritual ou pastoral, mas jurídico (veja-se a existência da Sacra Rota, por exemplo). Enquanto não sair daí, ela poderá cantar as notas mais melodiosas, mas sempre fechada permanecerá.
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Amoris laetitia: a família no mundo global e a Igreja Católica. Uma análise "protestante" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU