18 Fevereiro 2016
O Papa Francisco voltou a criticar o tratamento dado aos trabalhadores no sistema de mercado, declarando sem rodeios na quarta-feira (17-02-2016) que “Deus pedirá contas aos escravagistas dos nossos dias”.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 17-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O pontífice também defendeu acentuadamente o ensino social católico contra aqueles que dizem que seguir os seus preceitos custaria às empresas demasiado dinheiro, chamando-o de uma “voz profética que ajuda a não nos perdermos no mar sedutor da ambição”.
Em um encontro com trabalhadores e empregadores na fronteira do México com os EUA, Francisco pediu que os dois grupos trabalhem juntos para identificar que tipo de mundo desejam deixar às gerações futuras. “Que tipo de México vocês querem deixar a seus filhos?”, perguntou ele de modo sucinto. “Querem deixar-lhes uma recordação de exploração, de salários insuficientes, de pressão laboral? Ou deixar-lhes na memória a cultura de um trabalho digno, um teto decente e terra para trabalhar?”
“Infelizmente, o tempo em que vivemos impôs o paradigma da utilidade econômica como princípio das relações pessoais”, continuou o papa. “A mentalidade dominante pretende a maior quantidade possível de lucro, a todo o custo e imediatamente”.
“A mentalidade dominante coloca o fluxo de pessoas ao serviço do fluxo de capitais, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objetos que se usam e jogam fora”, disse.
“Deus pedirá contas aos escravagistas dos nossos dias, e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais”, completou o pontífice. “O fluxo do capital não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas”.
Francisco estava falando na quarta-feira, na Ciudad Juárez, em um de seus últimos eventos da viagem de seis dias ao México. Aqui se encontrou com trabalhadores e empregadores das “maquiladoras”, fábricas em que os funcionários trabalham em itens a serem exportados.
Existem mais de 300 “maquiladoras” em Juárez, grande parte delas são de propriedades de companhias americanas que tiram vantagem da mão de obra mais barata no lado sul da fronteira e, então, importam os produtos para os EUA.
A coordenadora do departamento diocesano dedicado aos trabalhadores disse que muitos desses funcionários recebem um salário tão baixo que não conseguem fazer nenhum tipo de plano financeiro além do mês corrente.
Muito embora alguns trabalhadores atuam nas mesmas empresas por décadas, eles não possuem nenhuma segurança nas finanças, informou Elizabeth Flores.
“Muitos estarão à escuta do Papa Francisco”, disse ela, cujo departamento fornece assistência e defesa jurídica a estes trabalhadores. “Eles vão ficar sabendo o que o papa tem a dizer aos trabalhadores”.
Houve uma enorme multidão em Juárez na recepção ao papa. No trajeto que fez em seu papamóvel por cerca de 10 quilômetros atravessando a cidade até o Colegio de Bacilleres onde ocorreu o encontro, as pessoas se espremeram ao longo das ruas gritando de alegria ao vê-lo passar.
Em seu discurso, o pontífice estava respondendo a dois testemunhos dados pelos trabalhadores no encontro.
Juan Castañon, presidente nacional do Conselho Coordenador de Negócios, contou a Francisco que um em cada dois mexicanos vivem na pobreza e seis em cada dez trabalhadores no país atuam na economia informal, trabalhando sem benefícios com plano de saúde.
“O que precisamos enquanto sociedade?”, perguntou-se Castañon. “Trabalho digno, com salários decentes e produtividade. Os seres humanos são o começo e o fim de qualquer atividade econômica e política”.
O casal Daisy Flores Gámez e Jesus Gurrola Varela trouxe os seus dois filhos para falarem com Francisco, com Gurrola segurando-os no colo. Gámez disse ao papa que, por causa da situação econômica, ficou cada vez mais difícil cuidas das crianças.
“Nós queremos paz, salários justos, dias com oito horas de trabalho para que possamos passar mais tempo com as nossas famílias”, disseram. “Em troca, nós vamos ensinar valores, o amor e a importância da vida comunitária aos nossos filhos”.
Francisco respondeu dizendo que a busca pelo lucro a qualquer custo “esquece que o melhor investimento que se pode fazer é investir no povo, nas pessoas, nas suas famílias”.
“O melhor investimento é criar oportunidades”, disse ele.
Ao defender o ensino social católico, o pontífice falou que “a única pretensão que tem a Doutrina Social da Igreja é velar pela integridade das pessoas e das estruturas sociais”.
Segundo ele, “sempre que esta integridade, por várias razões, é ameaçada ou reduzida a bem de consumo, a Doutrina Social da Igreja há de ser uma voz profética que nos ajudará a todos a não nos perdermos no mar sedutor da ambição”.
Perguntando qual o futuro que os mexicanos querem para os seus filhos, o papa declarou: “Em qual cultura queremos ver nascer aqueles que virão depois de nós?”
“Que atmosfera vão respirar?”, perguntou. “Um ar contaminado pela corrupção, a violência, a insegurança e desconfiança ou, pelo contrário, um ar capaz de gerar alternativas, gerar renovação e mudança?”
Em seguida, ele elogiou os processos de negociação e discussão entre trabalhadores e seus empregadores.
“Sei que não é fácil viver de acordo em um mundo cada vez mais competitivo, mas é pior deixar que o mundo competitivo acabe por determinar o destino dos povos”, disse Francisco. “O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao serviço do bem comum”.
“E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, a isto chama-se exclusão”, concluiu.
Francisco está terminando a sua visita de seis dias ao México nesta quarta-feira. Ainda nesse dia, ele celebrará uma missa pública próximo à fronteira dos EUA com o México, onde deverá levantar a questão do tratamento dado aos imigrantes mexicanos que rumam para os Estados Unidos.
Nesses dias que passou no México, o pontífice viajou para diferentes comunidades nas regiões sul, oeste e norte, falando sobre inquietações particulares que cada uma enfrenta.
No estado sulista de Chiapas na segunda-feira, onde muitos dos povos indígenas do México vivem, o papa denunciou o trabalho histórico que estes receberam pelos espanhóis e, depois, pelos governos mexicanos dizendo que eles haviam sido “incompreendidos e excluídos” da sociedade e tratados como inferiores aos outros.
Na terça-feira, em Morelia, cidade na região central do país, a qual tem sofrido com a violência advinda dos cartéis de drogas, o pontífice pediu aos padres e religiosos que não desistam de construírem uma sociedade melhor, mesmo diante de uma realidade “tão paralisante e injusta”.
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Francisco sobre os direitos dos trabalhadores: “Deus pedirá contas aos escravagistas dos nossos dias” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU