16 Dezembro 2011
Com esta entrevista com o constitucionalista Gustavo Zagrebelsky e o artigo de Maurizio Mori (que receberá uma réplica de Marco Travaglio), continuamos o debate iniciado no dia 2 de dezembro depois da morte de Lucio Magri.
A reportagem é de Silvia Truzzi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 14-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O direito pode ser "uma corrupção do sentir comum ou um instrumento através do qual é possível perscrutar um horizonte mais profundo". Assim começa a conversa com Gustavo Zagrebelsky, autor de um livro que, não por acaso, está intitulado Il diritto mite [O direito manso] (Ed. Einaudi, 1992). Falamos sobre a decisão de Lucio Magri (que morreu em uma clínica suíça onde o ajudaram a tirar sua própria vida) e, em geral, da escolha de morrer.
Com uma premissa: "O que estou para dizer é em perspectiva secular. Gostaria de usar argumentos não digo compartilháveis, mas pelo menos compreensíveis para qualquer um. Se partimos de uma perspectiva religiosa, excluem-se, a priori, todos aqueles que não a aceitam".
Eis a entrevista.
O discurso sobre o dar-se a morte é muito escorregadio, não?
Sobre essas questões últimas, sempre somos penúltimos. São discursos "no estado" das próprias reflexões atuais. Ai da presunção. Em questões desse tipo, a problemática é um dever.
O que é o suicídio?
A maior tragédia. Estamos tocando, do ponto de vista moral e cognitivo, um tema chocante. Mas é um tema composto. É difícil tratar em geral, ainda mais querendo estabelecer uma norma que valha sempre e para todos.
Há muitos suicídios?
Sim. O suicídio pode depender de muitas razões. Não se pode ignorá-lo.
Exemplos?
O suicídio por solidão, decepção, angústia, vergonha, remorso. Todas estas são razões morais que podem crescer, ao ponto de serem decisivas, mesmo que, na origem, sejam mínimas, como a clássica "nota baixa". Elas podem ser resumidas em uma frase da ética kantiana: "Se na terra não há esperança de justiça, não há lugar para os homens". Quando uma pessoa, alimentada por ideais, vê que tudo é inútil, perde a esperança. Na nossa sociedade, as pessoas tiram suas próprias vidas por ter perdido o emprego. Nas prisões, se suicidam por desespero; nos campos de extermínio, penduravam-se nas redes de alta tensão; nas prisões dos torturadores, enforcavam-se por medo de não resistir às torturas e trair seus companheiros; nas florestas do Mato Grosso, os nativos se mataram jogando-se das cascatas, diante da invasão portuguesa. O suicídio pode ser um ato de demonstração, de acusação. Lembre-se de Jan Palach [estudante tcheco que cometeu suicídio através de autoimolação como forma de protesto político em 1969]? Há também o suicídio filosófico, o dos estóicos, quando nos encontramos em uma situação eticamente sem saída.
Pode nos explicar melhor?
Penso no jogo imensamente cruel dos soldados nos acampamentos nazistas. Abriam-se os vagões, e saía uma mãe com dois filhos pela mão: "Escolha um". Qual é a saída? Certamente, não a escolha. Há só o suicídio.
Em "Os demônios", de Dostoiévski, Kirillov se suicida para provar que Deus não existe.
Ele comete um ato de extrema liberdade. Quem é Deus? Aquele que dá e tira a vida. Kirillov diz: tiro a minha vida e assumo o lugar de Deus. Mas há também suicídios inexplicáveis, como o de Primo Levi [químico e escritor italiano, que ficou 11 meses em Auschwitz, até ser libertado pelo Exército Vermelho] e tantos outros que sobreviveram aos campos de concentração, que se mataram depois de muitos anos. Por quê? Uma das explicações é ter visto o horror do ser humano que tira toda a esperança que você tem na humanidade. Mas é inútil tentar explicar tudo. O suicídio pertence muitas vezes à esfera do insondável.
Como se comporta o nosso direito penal perante a vontade de morrer?
De modo aparentemente ambíguo. Ele não pune o suicídio. Considera-o como um mero fato. Se fosse um crime, se puniria a tentativa. O que não ocorre.
Falta-nos que alguém tente se matar, que não consiga e, então, o ponham na cadeia.
É verdade. Mas o que importa é que não há sanção se você tenta se matar sozinho. Nesses limites extremos da existência individual, o direito não pode fazer nada, e é bom que se cale. Deixando que cada um administre os seus próprios dramas últimos sozinho.
Mas há os artigos 579 e 580, que punem o homicídio da pessoa que consente e a incitação ou a ajuda ao suicídio.
Esses são, de fato, crimes.
Não há contradição? Em um caso, o direito se cala; em outros, pune. Mas com suicídios sempre há o que fazer. Como se explica?
De uma forma muito simples. Se você se mata sozinho, isso é considerado um fato, um mero fato – que fica dentro da sua esfera jurídica pessoal. Mas se entra em jogo qualquer outra pessoa, torna-se um fato social. Mesmo que só haja dois: quem pede para morrer e quem o ajuda. E ainda mais se houver uma organização, pública ou privada que seja, como na Suíça ou na Holanda. A distinção tem uma razão moral.
Qual?
Se a grande parte dos casos de suicídio deriva de injustiças, depressão ou solidão, o suicídio como fato social nos faz uma pergunta. A sociedade pode dizer: "Tudo bem, saia do caminho, e eu até lhe ajudo a fazer isso"? Não é muito fácil? O seu dever não é o contrário: dar esperança a todos? O primeiro direito de toda pessoa é de poder viver uma vida sensata, e a isso corresponde o dever da sociedade de criar as condições para tanto.
Isso também vale para aqueles que sofrem sabendo que devem morrer?
Certamente. Uma coisa é o suicídio como fato individual; outro, o suicídio socialmente organizado. A sociedade, com as suas estruturas, tem o dever de tratar, se possível; de aliviar, pelo menos, se não for possível. Em todo caso, não confundamos o nosso tema com o da recusa de tratamentos médicos, mesmo que isso possa levar à morte. Eu posso não querer ser tratado, ou tratado de uma certa forma, mesmo que isso signifique a morte: mas isso não é querer morrer. A recusa dos tratamentos é um direito e, como tal, deve ser respeitado. Mas, repito, é um problema diferente.
Não há um "direito de morrer"?
Há a morte que se dá, como dado de fato. Mas a expressão que você usou contém uma contradição. Falemos de direitos ou liberdades como expansão das possibilidades. Pode-se falar de direito ao nada ou de liberdade de nada? Parece-me uma monstruosidade.
Ou o máximo da liberdade.
Concordo: assim como para Kirillov. Mas leiamos "Os demônios" e compreendamos, para além da genialidade de Dostoiévski, o gelo desse personagem.
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''O direito de morrer não existe''. Entrevista com Gustavo Zagrebelsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU