19 Fevereiro 2012
A nova obra de Walter Kasper tem por título – simples, mas também desafiador – Chiesa cattolica e se divide em duas partes, das quais apresentamos o fio condutor.
A análise é do teólogo italiano Rosino Gibellini, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e doutor em filosofia pela Universidade Católica de Milão. É diretor das coleções teológicas da Editora Queriniana, de Brescia, Itália. O artigo foi publicado no blog Teologi@Internet, 10-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na primeira parte, o autor descreve o seu caminho na Igreja e com a Igreja: como um professor universitário em Münster e em Tübingen por 25 anos; como bispo por uma década de uma das maiores dioceses católicas da Alemanha, a diocese de Rottenburg-Stuttgart, com cerca de mil paróquias às quais ele visitou todas (e anota: "Na Cúria, há colaboradores que jamais viram realmente de dentro uma paróquia ou uma diocese", p. 47); e durante uma década, em Roma e no mundo, como presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos.
A obra é um verdadeiro tratado, conduzido com toda a cientificidade e metodologia do teólogo e do escritor, enriquecida pela experiência pastoral e ecumênica da biografia do autor. É um tratado eclesiológico, que dá cumprimento a uma trilogia sobre os principais temas teológicos: a cristologia, Gesù il Cristo (1974); a monografia sobre Deus, Il Dio de Gesù Cristo (1982); e agora Chiesa cattolica (2011; edição italiana de 2012).
O autor se preparou para a obra com uma longa marcha de aproximação com estudos e artigos, reunidos em dois livros: Teologia e Chiesa 1 (1987) e Teologia e Chiesa 2 (1999), em que se pode ler o interessante artigo A Igreja frente aos desafios do pós-moderno (p. 265-281), aos quais se acrescentou o livro La Chiesa di Gesù Cristo. Saggi di ecclesiologia (2008), que é também uma fonte de estudo e de consulta para temáticas eclesiológicas individuais do debate contemporâneo. Nesse volume de ensaios, também se encontra inserido o Confronto amigável com a crítica do cardeal Joseph Ratzinger sobre a relação entre Igreja universal e Igreja local (p. 453-465), que teve uma vasta ressonância na teologia.
A segunda parte – a mais importante e densa – da nova obra realiza uma síntese bem-sucedida dos traços fundamentais da eclesiologia católica, segundo um critério metodológico assim expresso: "Na situação hodierna, em grande medida secularizada, devemos sobretudo inserir a ideia e a realidade da Igreja no vasto horizonte da ideia de Deus e do Reino de Deus" (p. 144). E ainda: "Os homens, quando estão religiosamente interessados, não fazem em primeiro lugar perguntas a propósito da Igreja, mas sim a propósito de Deus" (p. 205). Um motivo retomado no final: "A eclesiologia só é possível, por isso, como teologia, isto é, no horizonte da questão de Deus. A questão de Deus é o problema e também a promessa, com os quais, não só agora, tudo está ou recai" (p. 532-533).
Aqui, o tratamento é articulado segundo a sequência indicada no subtítulo: Essência – Realidade – Missão.
A essência da Igreja é delineada partindo das fontes bíblicas, percorrendo depois as linhas essenciais da tradição, até o Concílio, e mais além, incluindo em particular o Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, dos quais o professor de Tübingen, Walter Kasper, foi o secretário especial, que depois comentou o evento teológico no pequeno livro Il futuro dalla forza del Concilio (1986). As caracterizações essenciais da Igreja evidenciadas são: na estrutura teocêntrica, "povo de Deus"; no seu cristocentrismo, "corpo de Cristo"; na sua dimensão pneumatológica, "comunhão no Espírito Santo".
Delineada a essência da Igreja, entra-se no variado campo da realidade, e a pergunta é: como a Igreja vive a sua essência na realidade histórica, em que ela se encontra inserida. Aqui, os problemas são muitos, e Kasper também fala de "crise da Igreja". A expressão já é utilizada por sociólogos como, por exemplo, Franz-Xaver Kaufmann, que reeditou o seu valioso livro Quale futuro per il cristianesimo? (GDT 286, 2002), com o acréscimo de um capítulo sobre a atual situação e sobre as recentes discussões com o título Kirchenkrise ("Crise da Igreja", Herder, 2011). Para Kasper, a krísis deve se tornar um kairós para uma renovação da figura da Igreja como communio, categoria e realidade em que as várias caracterizações da Igreja encontram sua síntese.
A crise da Igreja remete – sob o perfil teológico (ao qual o autor se atém) – a uma crise da fé e a uma crise-de-Deus (como se expressa o teólogo de Münster, Metz; e surge das análises de sociologia da religião do filósofo canadense Charles Taylor, em A secular age (2007), aos quais se faz referência), e, por isso, os problemas se tornam radicais, e não podemos nos contentar com meias receitas.
Já a Igreja – como Rahner se expressava – não é uma estufa que aquece a si mesma, mas é enviada ao mundo, a terceira seção se debruça sobre a missão de uma Igreja Católica "missionária e dialógica", que é prospectada no diálogo ecumênico, no diálogo com o judaísmo e com as outras religiões, e no diálogo com o mundo contemporâneo. As pontualizações são de autoridade e múltiplas, e concluem com a temática relativa à "relevância permanente do cristianismo" da Igreja.
Certamente, acabou a "Igreja de povo", que acolhia e formava a espiritualidade de quase toda a população das diversas paróquias: "A paróquia não é mais uma pátria espiritual como no passado" (p. 525). É preciso tomar nota de que muitas formas de Igreja devem ser abandonada, mas à despedida deve seguir um começo. "Um novo começo só é possível se, de modo semelhante ao que aconteceu com o movimento que levou ao Vaticano II, três coisas concorram juntas: uma renovação espiritual alimentada alimentada pelas fontes, uma sólida reflexão teológica e uma mentalidade eclesial" (p. 529).
Um belo livro, intenso, guiado pela metodologia da Escola de Tübingen, "eclesialidade, cientificidade e contemporaneidade crítica." Na introdução à apresentação à imprensa, na sala de conferências do Centro Pro Unione de Roma, no dia 26 de janeiro passado – feita por dois iluminados discursos do autor e do seu sucessor no Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o cardeal Kurt Koch – utilizando uma expressão do grande eclesiólogo P. Congar, ele dizia que o livro consegue comunicar, há já meio século de distância, "a graça do Concílio".
Um livro com páginas sofridas e comovidas também, escrito para que a Igreja, novamente, no futuro, se revele como "uma casa espiritual para muitos" (p. 550).
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A graça do Concílio: sobre o tratado de eclesiologia de Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU