24 Janeiro 2012
"A descolonização não é uma questão de discurso nem de leis, mas sim de transformação da sociedade", disse neste domingo o vice da Bolívia, Alvaro García Linera, comentando os desafios para 2012.
A reportagem é de Sebastián Ochoa, publicada no jornal Página/12, 23-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O governo do presidente Evo Morales e militantes do Movimento Ao Socialismo (MAS) celebraram em La Paz o segundo ano da fundação do Estado Plurinacional, que substituiu a República criada em 1825. O líder aymara realizou um relatório de gestão diante dos aplausos da Assembleia Legislativa Plurinacional, formada em dois terços pelo MAS.
O ano de 2011 foi caracterizado pelo seu enfrentamento com as organizações que representam 36 povos indígenas do país, por causa da decisão de Morales de construir uma estrada através de um território indígena sem consultar previamente os seus donos ancestrais.
Neste domingo, Morales acusou os índios da Oitava Marcha de tentar derrubá-lo e até mesmo de assassiná-lo, quando chegaram a essa cidade no dia 19 de outubro de 2011. "Quando estavam aí (na Praça Murillo), o principal dirigente pedia que o presidente Evo desse um passo para o lado, que renunciasse. Outro companheiro pediu que se convocassem os moradores de La Paz, e outros gritavam 'Villarroel Villarroel'", disse ele, referindo-se a Gualberto Villarroel, o presidente que, em 1946, foi removido da Casa do Governo e enforcado em um farol (que ainda continua lá) pelos seus opositores.
"Presidente: não minta. A nossa marcha foi pacífica e em defesa da nossa casa", disse Fernando Vargas Mosúa, presidente da Subcentral de Comunidades do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis). É um Território Comunitário de Origem (TCO) de um milhão de hectares cujo título de propriedade Morales entregou em 2009 aos povos que o habitam: mojeño, xamã e yuracaré.
"Ninguém pensou em derrubá-lo. O presidente vive uma crise mental. Todo o tempo pensa que querem derrubá-lo. A marcha só buscou o respeito pelo nosso território. Nós não nos opusemos ao desenvolvimento nem à estrada: o único que queremos é que ela não passe pelo meio da Tipnis", disse Vargas.
Em outubro passado, quando a marcha indígena chegou a La Paz, Morales cancelou a construção da estrada e mandou fazer uma lei (a 180) para proteger a Tipnis. "Isso é governar obedecendo ao povo", disse o presidente nessa ocasião. Dias depois, quando os manifestantes retornaram satisfeitos a suas comunidades, Morales assegurou que havia promulgado a lei 180 "obrigado" por aqueles que vieram caminhando desde a Amazônia.
A marcha havia sido reprimida pela polícia no dia 25 de setembro em Yucumo, Beni, sem que ainda se soubesse quem dera a ordem. O presidente nega que tenha mandado desfazer a mobilização a pauladas, mas as investigações estão paradas, sem que se possa assinalar um culpado. Esse acontecimento marcou um declínio na popularidade do aymara de 70% a 35%, segundo as últimas pesquisas.
"Os meios de comunicação diziam que a marcha da Tipnis diminuiu a imagem do presidente. Eu não estou aqui para cuidar da minha imagem, mas sim para servir o povo boliviano. Digam o que disseram sobre a imagem do presidente, não me interessa", disse Morales neste domingo na Assembleia.
O vice-presidente, Alvaro García Linera, foi um pouco mais conciliador. "Todos têm espaço no processo de mudança. A condução é popular e indígena, mas a participação é absolutamente de todos, sem exceção. Depois dos últimos acontecimentos, temos que rearticular a aliança, especialmente com as lideranças e as organizações dos povos indígenas das terras baixas. Sempre há luta entre irmãos, o mais velho com o mais novo", comparou.
"Falta modificar a alma dos bolivianos", acrescentou. "A descolonização não é questão de discurso nem de leis, mas sim de transformação da sociedade. Não é fácil romper as placas tectônicas de 400 anos de dominação. É preciso fazer isso na transformação de hábitos, na ampliação da democracia real e no exercício da autodeterminação". "O processo de mudança é Evo Morales, e Evo Morales é o processo de mudança, que se condensa, se concentra na vida, no pensamento, na liderança do presidente Evo Morales", disse Linera.
Para os índios que já não estão com Morales, é impossível uma aliança enquanto não se esclarecer a repressão do dia 25 de setembro.
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Evo revê sua gestão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU