14 Janeiro 2012
Os mistérios de um dos conceitos mais fascinantes da física: por que certos fenômenos são reversíveis e outros não? As leis de Newton nos oferecem um mundo onde é possível voltar para trás: mas elas não valem sempre.
A análise é do matemático e lógico italiano Piergiorgio Odifreddi, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 11-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há 2.500 anos, Zenão de Eleia decretou que uma flecha em voo não pode se mover, porque em todos os instantes ela está parada. E deduziu disso que o seu mestre Parmênides tinha razão ao defender que o tempo não existe. E que, então, não existe nem a mudança, na ausência de um tempo em que as coisas possam mudar.
Hoje, o raciocínio de Zenão não nos surpreende mais, porque o cinema o tornou popular entre os espectadores. Todos sabemos que, nos filmes, na realidade, não acontece nada. A história está toda na película, "prematuramente". E o devir cinematográfico nada mais é do que uma ilusão, redutível a uma sucessão de fotografias estáticas e "copresentes".
Os espectadores normais não vão além dessas constatações óbvias, mas os filósofos e os cientistas, sim. E eles se perguntam se as coisas são assim só no cinema ou também na vida fora da sala. Em particular, eles se perguntam se o tempo e a mudança existem realmente ou se não são uma ilusão análoga à cinematográfica.
Há uma ilusão temporal específica que o cinema não consegue nos proporcionar: inverter a direção da flecha do tempo, simplesmente fazendo girar a película ao contrário. Isso não funciona, porque um filme, visto ao contrário, é completamente paradoxal. Ninguém, de fato, jamais viu um omelete se desfazer nos ovos inteiros. Ou um mergulhador sair da água pelos pés. Ou um velho tornar-se jovens. Ou um homem morto ressuscitar.
A constatação óbvia é que assim é o mundo. Mas a ciência não se contenta com as constatações: quer, e deve, também compreender por que o mundo é assim. Em particular, ela quer, e deve, entender de onde vem a flecha do tempo e como ela se combina com o resto das coisas com as quais ela já se encontrou. Isto é, com o conjunto das leis que formam coletivamente o saber científico.
Embora essas leis façam regularmente o tempo intervir nas suas formulações, a partir dos conceitos basilares da velocidade e da aceleração, o problema da flecha do tempo está longe de ser resolvido de forma satisfatória. Mas tantos passos à frente foram dados rumo à sua solução que mesmo só para listá-los e ilustrá-los é necessário um denso livro de 500 páginas: Dall'eternità a qui, de Sean Carroll (Ed. Adelphi), do qual tentaremos resumir as etapas principais.
No princípio, era a física newtoniana. Ela se interessa pelo movimento de um pequeno número de partículas isoladas, como bolas de bilhar ou os planetas de um sistema solar. O seu movimento ocorre em uma certa direção, mas não seria paradoxal que ocorresse em outra. O filme do choque entre duas bolas de bilhar, ou de uma órbita planetária, pode ser, portanto, projetado ao contrário, sem provocar nenhuma sensação de estranhamento.
Em outras palavras, as leis da física newtoniana são reversíveis e não preveem uma flecha do tempo. Esta última diz respeito, ao contrário, a fenômenos muito diferentes dos estudados por Newton, como o calor. Embora a flecha do tempo tenha sido assim batizada só em 1927, pelo astrônomo Arthur Eddington, a sua primeira formulação foi dada em 1850 por Rudolf Clausius, na forma da chamada segunda lei da termodinâmica: "O calor se transfere espontaneamente dos corpos quentes para os frios, mas não vice-versa".
O que é o calor pode-se intuir do fato de que, quando se aquece água, as suas moléculas se movem mais velozmente, até chegar a um movimento turbulento na ebulição. Em 1859, James Clerk Maxwell especificou essa intuição, definindo a temperatura de um corpo como uma medida da energia média das partículas que o compõem: quanto mais as partículas se movem, mais a temperatura sobe.
De maneira análoga, podem-se reduzir todas as propriedades de um gás ao comportamento estatístico das partículas que o compõem e se descobre que a termodinâmica nada mais é do que a extensão da física newtoniana ao estudo de um grande número de partículas. Em particular, em 1872, Ludwig Boltzmann adotou essa abordagem para definir a entropia de um sistema macroscópico como uma medida da sua desordem, calculado com base no (logaritmo do) número das suas configurações microscópicas indistinguíveis.
Uma vez definida a entropia, Boltzmann a usou para explicar o surgimento da flecha do tempo. O seu teorema H demonstrou, de fato, que "um sistema isolado evolui espontaneamente de estados de baixa entropia para estados de alta entropia, mas não vice-versa". Mas, em 1876, Johann Loschmidt notou que isso era paradoxal: se as leis da física newtoniana são reversíveis, não deveria ser possível deduzir delas a existência de um processo irreversível, como o crescimento da entropia.
Para resolver o dilema, Boltzmann propôs a hipótese de que o nosso "universo" nada mais é do que uma bolha de baixa entropia de um multiverso de entropia máxima. A existência do multiverso não precisa de justificações, porque o seu estado de completa desordem é a máxima probabilidade. A existência do nosso universo se justifica, ao contrário, com base em uma das tantas flutuações, mais ou menos ordenadas, que finalmente, antes ou depois, devem acontecer. Quanto a por que estamos justamente em uma dessas flutuações de baixa probabilidade, explica-se com o princípio antrópico: no fundo, só podemos existir nos lugares que permitem a vida, como justamente os de baixa entropia.
As ideias de Boltzmann haviam sido desenvolvidas no âmbito da termodinâmica do século XIX, mas foram reformuladas no âmbito da cosmologia do século XX. O multiverso é agora interpretado como o vácuo quântico, e o nosso universo, como uma flutuação sua, de dois modos possíveis: ou como um universo-bolha, flutuante no vácuo, ou como um universo-bebê, que se destacou dele. Em ambos os casos, como possível consequência da inflação primordial proposta por Alan Guth, em 1979.
Para que isso tenha um sentido, é preciso que o vácuo seja um estado de máxima entropia. À primeira vista, poderia parecer o contrário, mas Roger Penrose observou que, efetivamente, a entropia cresce assim que a flecha do tempo parte do Big Bang, passa através da formação das estruturas galácticas e da sua dissolução em buracos negros, e vai rumo à evaporação destes últimos. Quanto à entropia do vácuo, ela deriva da energia escura responsável pela aceleração da expansão do universo, descoberta em 1998 por Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess, e premiada em 2011 com o Prêmio Nobel de Física.
Como se vê, hoje, para falar sobre o tempo, não bastam mais frases como a de Agostinho nas Confissões: "Se não me perguntares o que é, eu sei, mas se me perguntares, não o sei". Ou aforismos como o de Wittgenstein no Tractatus: "O mundo é tudo o que ocorre" e não "tudo o que existe". Ao contrário, é preciso ter uma sólida informação científica, que, para ser obtida, não há vias régias, mas que, para nela se iniciar, Dall'eternità a qui é uma ótima introdução.
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Qual o sentido do tempo? Artigo de Piergiorgio Odifreddi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU