17 Dezembro 2013
A declaração do arcebispo australiano Mark Coleridge à Comissão Real para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil, na última quarta-feira, sobre a maneira errônea de lidar com os casos de abuso infantil pode ter sido a afirmação mais forte já feita por um bispo em exercício.
A reportagem é de Stephen Crittenden, publicada no sítio National Catholic Reporter, 14-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Descrevendo o escândalo de abuso sexual como um " tsunami que explodiu do nada", ele disse que bispos e superiores de ordens religiosas foram pegos como "coelhos nos faróis de automóveis" quando confrontados com casos de abuso sexual na década de 1990.
Coleridge foi nomeado arcebispo de Brisbane em maio de 2012, depois de passar cinco anos como arcebispo de Camberra-Goulburn. Ele também é um membro do Truth, Justice and Healing Council [Conselho de Verdade, Justiça e Cura], criado para coordenar a resposta da Igreja Católica à Comissão Real.
Referindo-se ao caso de Joan Isaacs, que foi abusada ainda quando era estudante colegial em 1960 pelo padre Frank Derriman, de Brisbane. Coleridge acusou seu próprio antecessor, o arcebispo John Bathersby, de uma "trapalhada espetacular”.
Ele também criticou Bathersby por não ter laicizado Derriman, uma vez que ele deixou o sacerdócio em 1970 para casar-se e foi condenado pelo abuso em 1998.
"Quando eu vim para a diocese no ano passado, houve uma espécie de falta de foco e senso de urgência nessa área (…) Muitas pontas soltas, muitos negócios inacabados", disse Coleridge.
Ele disse que iniciou um processo tardio para que Derriman fosse formalmente laicizado e esperava uma resposta do Vaticano "mais cedo ou mais tarde".
Na semana passada, ele escreveu uma carta para Isaacs, expressando sua decepção porque a experiência do programa da Igreja chamado Towards Healing [Rumo à cura], formado para responder a denúncias de abusos por parte do clero, tinha sido negativa.
"Muito pouco, muito tarde", disse Isaacs à Comissão Real esta semana.
O arcebispo disse ao comissário Peter McClelland que este era um comentário "absolutamente justo". "Foi um gesto patético e tardio em alguns aspectos, mas em consciência eu senti que tinha que fazê-lo".
Descrevendo o programa Towards Healing como um "trabalho em andamento", Coleridge disse que as práticas que eram habituais na década de 1990, quando o programa foi aplicado em primeiro lugar, seriam consideradas "totalmente inaceitáveis agora".
Uma dessas práticas foi um excesso de confiança por parte da Igreja com relação a advogados e seguradoras, "todas pessoas boas e bem-intencionadas, mas, nesse caso, eu acho que a falha de supervisão levou-as a desempenhar um papel que foi mais prejudicial", disse Coleridge.
A confusão entre os elementos pastorais e jurídicos do Toward Healing foi fatal, Coleridge disse à Comissão Real. Na verdade, ele compareceu para fazer uma proposta de algum tipo de sistema de compensação independente, financiado pelas Igrejas, mas independente delas.
Um dos temas que surgiu mais fortemente durante a apresentação de evidências perante a Comissão Real esta semana foi o dos bispos "invisíveis", que passam as suas responsabilidades de lidar com o abuso sexual a outros clérigos com mais tempo de serviço.
Esta semana, a Comissão Real ouviu duas vítimas de abuso sexual que participaram do programa Towards Healing – Joan Isaacs e Jennifer Ingham.
Em ambos os casos, o bispo não compareceu à sessão de mediação no Towards Healing, deixando para um representante mais inferior ouvir suas histórias e oferecer um pedido de desculpas oral. Ingham, 51 anos, foi abusada pelo padre Rex Brown, de Lismore, de 1978 a 1982. O bispo de Lismore, Jeffrey Jarrett, não compareceu à sessão de facilitação dela, embora ela o tenha solicitado especificamente.
"Isso me irritou e me deixou confusa", disse Ingham à comissão. "Eu senti que merecia o respeito de ter a presença do bispo Jarrett e precisava das respostas dele".
Ela disse ter ouvido que Jarrett não pôde comparecer por causa de sua "fragilidade e dificuldade em lidar com facilitações".
Em contraste, Coleridge disse que estaria "muito fortemente empenhado" em participar de facilitações.
"As únicas duas coisas que eu poderia imaginar que me fariam ficar longe de uma facilitação seriam problemas de saúde ou estar no exterior", disse ele à comissão.
Coleridge foi crítico sobre a formação no seminário de jovens sacerdotes nas décadas anteriores.
"Agora, quando eu olho para trás, era um absurdo. O desenvolvimento humano, como agora o chamamos um pouco timidamente, não existia. Era algo tomado como óbvio", disse. "Bem, é claro, você não pode fazer isso, e nós estamos colhendo a safra do horror por causa disso".
Esses comentários foram especialmente interessantes em vista de uma linha de questionamento que McClelland tem buscado implacavelmente com testemunhas da Igreja toda a semana.
De acordo com a lei australiana atual, a Igreja Católica não pode ser considerada indiretamente responsável pelos crimes de indivíduos clericais.
Mas, em um sinal de que isso pode mudar, o argumento de McLelland é de que a Igreja deve compartilhar a responsabilidade e a obrigação porque ela pede ao público para vir participar e colocar a sua confiança nela, proporcionando assim, "pela sua própria estrutura", a oportunidade para que aqueles indivíduos violem essa confiança.
Falando sobre a "pobreza" de formação no seminário em tempos anteriores como um poderoso fator cultural que, combinado com a culpabilidade pessoal, criou "uma tempestade perfeita", Coleridge parecia muito feliz em contribuir com o argumento do comissário.
"Sua Excelência interrogou várias testemunhas sobre responsabilidade indireta", disse. "A minha opinião é de que, na medida em que existem esses fatores culturais em jogo, e eles existem, então realmente faz sentido falar de algum tipo de responsabilidade comum ou indireta ou mesmo de responsabilidade".
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''Nós colhemos a safra do horror'', afirma arcebispo australiano sobre abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU