27 Novembro 2013
Padre Georges Vandenbeusch, 42 anos, sequestrado em Camarões, e provavelmente transferido à Nigéria pelo grupo islâmico Boko Haram – que reivindicou a responsabilidade pelo sequestro – junta-se à lista já longa dos padres e religiosos cristãos vítimas de insegurança e da instabilidade política e militar que reina na África.
A reportagem é de Henri Tincq, publicada no sítio Slate.fr, 20-11-2013. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.
Em 2012, quatro deles foram assassinados no exercício da sua missão (na República Democrática do Congo, em Moçambique, na Tanzânia e em Madagáscar). Desde 2001, o número de padres e religiosos assassinados nas várias partes do mundo subiu para cerca de trezentos.
Ao mesmo tempo, os sequestros multiplicaram-se. Três religiosos assuncionistas congoleses foram sequestrados há um ano na província de Kivu do Norte, na República Democrática do Congo. Não se teve mais notícias deles. Permanece também a preocupação com o destino de três religiosos sequestrados na Síria: o jesuíta italiano Paolo Dall’Oglio, militante e anti-Assad, e dois bispos, Paulo Yazigi, metropolita ortodoxo grego, de Aleppo, e Jean Ibrahim, bispo sírio-ortodoxo da mesma cidade.
A França conta hoje, no continente africano com 795 religiosos e 263 religiosos missionários (ou seja, um total de 1.058), aos quais devem se somar setenta sacerdotes diocesanos, como Padre Vandenbeuch, “emprestados” pelo seu bispo às dioceses africanas. Esses sacerdotes são chamados “fidei donum” (dom da fé), com referência à encíclica do Papa Pio XII (1957), que tinha advogado tal intercâmbio entre os continentes em uma base voluntária. Em Camarões, onde foi sequestrado padre Vandenbeusch, residem quatro padres diocesanos e 114 religiosas e irmãos franceses.
A serviço das igrejas locais
Esses sacerdotes diocesanos “fidei donum” são convidados a irem a um país estrangeiro por um período de tempo limitado (três anos, renováveis uma única vez). Por exemplo, padre Vandenbeusch tinha sido transferido em 2011, para a Diocese de Maroua, em Camarões, pelo seu bispo (Diocese de Nanterre) em troca de um sacerdote camaronês da diocese de Maroua enviado para a região de Paris. O seu compromisso respondia a dum desejo pessoal de uma experiência internacional e de uma vontade de dar ajuda para um país pobre da África.
Como os seus confrades padres, ocupava-se das tarefas pastorais e humanitárias: animação da comunidade de fiéis, a catequese, as prédicas das jornadas de retiro, o trabalho para o desenvolvimento (escolas, centros de saúde).
Diferentes desses sacerdotes, as religiosas e os irmãos presentes em África pertenciam às congregações tradicionalmente missionárias, como os Padres Brancos (setenta em África, especialmente no Magrebe), as Missões africanas de Lyon, as Filhas de São Vicente de Paulo etc., ou as congregações “globalizadas”, como os franciscanos, os jesuítas e os dominicanos.
Para eles, o compromisso na África negra, em Magrebe, ou na América Latina, é o fruto de uma vocação missionária específica e de uma escolha definitiva. Enviar seus membros para fora de França e da Europa para servir as igrejas nativas, compartilhar a vida das populações locais, contribuir com o desenvolvimento do país é o carisma histórico daquelas congregações.
Tais congregações missionárias francesas têm sido, desde o século XIX, a ponta de lança da evangelização em África. Hoje, estão envelhecidas, menos numerosas e mais pobres. Os sacerdotes e os religiosos africanos constituem agora a maior parte do clero, que inclusive se “exporta” mesmo para a Europa – retorno justo das coisas –, que sofre uma profunda crise das vocações religiosas. Os missionários franceses em África servem de apoio ao clero local ou são enviados aos novos e pobríssimos bairros das grandes cidades que estão ainda sem sacerdotes. A sua ação pastoral é frequentemente combinada com as ações de desenvolvimento relacionadas com as ONGs, para a educação, a saúde, a produção agrícola, a construção de infraestrutura e de instalação.
Partir ou ficar
Perto das pessoas, esses sacerdotes e missionários franceses assumiram a responsabilidade dos riscos nas zonas inseguras, como no Norte de Mali (onde os Padres Brancos retiraram-se de Goa onde estavam estabelecidos desde longa data), na República Centro-Africana (onde as igrejas, os sacerdotes e as escolas são regularmente submetidos a extorsões ou a incêndios), na República Democrática do Congo ou no Norte de Camarões, onde vivia Padre Vandenbeusch.
Naquelas áreas de alto risco, as embaixadas e o ministério do exterior exortam às pessoas de origem francesa, entre as quais os padres e os missionários, a não deixar as cidades grandes onde a segurança é mais bem garantida (como Niamey, a capital da Nigéria, onde o arcebispo é um francês das missões africanas de Lyon) ou sair.
Esses sacerdotes, em África por um período de tempo, e que dependem de sua diocese, e esses missionários, a maioria radicados (quando de sua morte são sepultados no país onde exerceram sua missão) que dependem de sua congregação, acham-se naquele ponto a frente do caso de consciência que recorda aquele, em condições muito mais dramáticas, dos monges de Thibirine, na Argélia, sequestrados e assassinados, descrito no lindo filme de Xavier Beauvois, Homens e Deuses.
Devem partir, arriscando parecerem traidores ou devem permanecer, não obstante o perigo, próximos da população local que são as primeiras vítimas das ameaças, das violências, das guerras civis, e cuja necessidade de segurança é imensa? A essa pergunta de “partir ou ficar”, a maior parte dos missionários e dos sacerdotes presentes em África ou nas outras zonas de conflito já responderam: avaliam os riscos (o envio em missão é precedido de um longo período de formação e preparação), não são suicidas, mas pretendem permanecer fieis às populações locais para as quais estão em serviço, com uma missão que vai além da sua pessoa, a um desejo de mediação e de paz que está no cerne da sua vocação. “Um missionário é radicado em um país. Quando se lhe pede para voltar, sente-se como se fosse roubado”, observa Padre Laurent Tounier, porta-voz da conferência dos religiosos e das religiosas franceses.
Certamente, existem retornos em França, quando eles estão muito expostos, para não constrangerem as autoridades francesas e locais (que haviam alertado o padre Vandenbeusch, porém sem pedir-lhe que partisse), mas a maioria permanece em seu posto, interpondo-se mesmo entre as partes em conflito. Foi assim no norte da Costa do Marfim durante a guerra civil, como acontece hoje na República Centro Africana. Os missionários dizem-se enviados a um povo que não pretendem abandonar ao seu sofrimento e à sua desgraça. “Quando um padre europeu é sequestrado e assassinado, os jornais criam suas manchetes”, diz padre Antoine Sondag, encarregado das missões na Conferência Episcopal francesa. “Mas se esquecem de que as primeiras vítimas da insegurança, das quais não se fala jamais, são as populações locais que não têm os meios para fugir da violência e junto às quais devemos continuar a permanecer”.
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Quem são os padres franceses enviados para África? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU