02 Novembro 2013
No vasto campus da Universidade de Stanford, onde uma entrada de carros margeada por palmeiras leva a quadras com gramados bem cuidados, os professores de humanidades produziram trabalhos importantes em literatura francesa renascentista e filosofia da língua.
A reportagem é de Tamar Lewin, publicada no jornal The New York Times e reproduzida pelo Portal Uol, 01-11-2013.
Eles contam com remuneração excelente, um ótimo ambiente e acesso às mais recentes tecnologias e técnicas de estudo. Mas faltam alunos: cerca de 45% do corpo docente da principal divisão de graduação de Stanford se encontra na área de humanidades - mas apenas 15% dos alunos.
Com a reputação de Stanford em tecnologia, não é de se estranhar que a ciência da computação seja o curso mais popular da universidade e que não haja mais nenhum programa de humanidades entre os cinco mais procurados. Mas, com a recessão estimulando a visão popular da faculdade como sendo principalmente uma ferramenta para preparação para o emprego, os administradores estão preocupados.
"Nós temos 11 departamentos de humanidades que são extraordinários e queremos prover para esse corpo docente", disse Richard Shaw, diretor de admissão e ajuda financeira de Stanford.
A preocupação de que o setor de humanidades esteja sendo ofuscado vai muito além de Stanford.
Em algumas universidades públicas, onde o financiamento está caindo, os cursos de humanidades estão sendo cortados. Em setembro, por exemplo, a Universidade de Edinboro, na Pensilvânia, anunciou o fechamento dos cursos de alemão, filosofia, línguas mundiais e cultura por baixa procura dos alunos.
Nas universidades de elite, esses departamentos estão seguros, mas preocupados. Harvard viu um declínio de 20% em alunos de humanidades ao longo da última década, e a maioria dos estudantes que dizem ter interesse em um diploma de humanidades acaba em outros campos. Assim, a universidade está buscando mudar o primeiro ano de seus cursos de humanidades para manter o interesse dos alunos.
Princeton, em um esforço para recrutar mais estudantes de humanidades, oferece um programa para alunos colegiais com um forte interesse demonstrado pela área - uma ideia que Stanford também adotou no ano passado.
"Tanto dentro do setor de humanidades quanto fora as pessoas sentem que o poder de fogo intelectual nas universidades se encontra nas ciências, de que as questões importantes pelas quais as pessoas se importam, como a desigualdade e a mudança climática, não estão sendo tratadas pelo departamento de inglês", disse Andrew Delbanco, um professor da Universidade de Columbia que escreve sobre ensino superior.
O futuro da área de humanidades é um assunto quente neste ano, tanto na academia quanto na mídia de alta cultura. Alguns comentaristas soaram o alarme com base nos dados federais que mostram que, nacionalmente, o percentual de cursos de humanidades paira em torno de 7% - metade da participação de 14% em 1970. Como outros rapidamente apontaram, o declínio ocorreu entre 1970, o ponto alto, e 1985, não nos últimos anos.
Mesmo assim, a Academia Americana de Artes e Ciências emitiu um relatório neste ano notando a queda no financiamento da área de humanidades e pedindo por novas iniciativas para assegurar que não sejam negligenciadas, em meio às crescentes verbas e atenção dedicadas à ciência e tecnologia.
"No mundo acadêmico, as ciências cognitivas contam com a atenção de todos agora, e todo mundo está falando sobre como se relacionar a ela", disse Louis Menand, um professor de História de Harvard. "Quantas pessoas que você conhece leram um livro de um professor de inglês no ano passado? Mas todo mundo está lendo livros de ciência."
Muitos professores renomados de humanidades sentem a queda do seu status. Anthony Grafton, um professor de história de Princeton que iniciou o programa de recrutamento de humanidades daquela universidade, disse que às vezes se sente "como um personagem de tira de quadrinhos dos jornais, cujo rosto vai ficando cada vez menor".
Em Stanford, o pessoal da área de humanidades não consegue deixar de notar a primazia da ciência e tecnologia.
"Você olha para os feitos extraordinários de ciência e tecnologia desta universidade e se você se perguntar o que acontecerá com o setor de humanidades, você pode se sentir ameaçado ou revigorado", disse Franco Moretti, diretor do Laboratório de Literatura de Stanford. "Eu prefiro me sentir revigorado".
Em Stanford, o setor digital de humanidades recebe parte desse vigor: em "Lecionando os Clássicos na Era Digital", os estudantes de pós-graduação usam o Rap Genius, um site popular para comentar letras de rappers como Jay-Z e Eminem, para comentar Homero e Virgílio. Em um projeto do Laboratório de Literatura sobre romances do século XVIII, os estudantes de inglês estudam um banco de dados com quase 2.000 livros antigos para desvendar quando novelas, contos e histórias se transformaram em romances, e o que os diferentes termos significam. E em "Introdução à Mineração de Textos Críticos", os alunos de inglês, história e computação usam o programa R para decompor os textos em pedaços, visando analisar romances e decisões da Suprema Corte.
Dan Edelstein, professor de Stanford que realizou o programa colegial neste ano, disse que, apesar de ser fácil encontrar os vencedores de feiras de ciência e competições de robótica, os alunos que se destacam em humanidades são menos aclamados e mais difíceis de encontrar.
"Eu percebo por meio deles que não é bacana ser o nerd no colégio, a menos que você seja um nerd STEM", disse ele, usando o termo em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
É verdade, disse Rachel Roberts, uma das alunas dele no verão.
"Eu moro em Seattle, cercada pela Amazon, Google e Microsoft", disse Roberts, que gosta de história. "Uma das melhores coisas no programa foi nos fazer suspirar de alívio, por estarmos em um ambiente onde ninguém dizia: "Você está interessada em humanidades? Você nunca encontrará um emprego".
Para os administradores das universidades, encontrar o equilíbrio certo de ciências e humanidades é difícil, dado o enorme desequilíbrio no financiamento externo.
"Há uma pressão enorme por parte da administração da maioria das universidades para desenvolvimento dos campos STEM, tanto pela produtividade nacional depender em parte da produtividade científica quanto por haver muitos recursos federais para a ciência", disse John Tresch, um historiador da ciência da Universidade da Pensilvânia.
Enquanto isso, desde a recessão --provavelmente por causa da recessão-- ocorreu uma mudança profunda, com as pessoas passando a ver o ensino universitário como um treinamento vocacional.
"O ensino superior é cada vez mais definido estreitamente como uma preparação para o emprego, não como algo voltado a educar a pessoa como um todo", disse Pauline Yu, presidente do Conselho Americano de Sociedades Eruditas.
Apesar dos alunos de humanidades frequentemente terem dificuldade para conseguir seu primeiro emprego, seus professores dizem que, a longo prazo, os empregadores valorizam muito a capacidade deles de pensamento crítico.
Os pais, ainda mais que os alunos, frequentemente se concentram estreitamente no emprego. Jill Lepore, presidente do programa de história e literatura de Harvard, diz que uma jovem que foi até a casa dela cheia de entusiasmo para um evento para estudantes interessados no programa foi rapidamente inundada por mensagens de seus pais. "Eles não paravam de enviar mensagens de texto para ela: 'Saia daí já, essa é a casa da dor'", ela disse.
Alguns professores se irritam quando ouvem seus colegas falarem sobre a necessidade de preparar os alunos para o emprego.
"Eu acho que isso significa ceder rápido demais", disse Mark Edmundson, professor de inglês da Universidade da Virgínia. "Nós não somos alimentadores da faculdade de Direito; nosso trabalho é ajudar os alunos a aprender a questionar."
Sua universidade teve 394 alunos no curso de Inglês no ano passado, em comparação a 501 quando ele chegou em 1984, mas Edmundson disse que não se preocupa com o futuro. "No final, nós não temos como perder", disse. "Nós temos William Shakespeare."
Mas, para os alunos que se preocupam com seu próprio futuro, Shakespeare pode parecer um obstáculo para progredirem em suas vidas.
"Os alunos que ficam ansiosos para concluir seus cursos e evitar endividamento às vezes veem os requisitos de diversidade como um obstáculo", disse Nicholas Dirks, reitor da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Muitos não entendem que o estudo de humanidades oferece talentos que os ajudarão a resolver questões de conflitos, valores e questões filosóficas fundamentais, disse Leon Botstein, o presidente do Bard College.
"Nós falhamos na defesa de que esses conhecimentos são essenciais para engenheiros, cientistas e empresários tanto quanto para professores de filosofia", ele disse.
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