Por: André | 04 Fevereiro 2013
A volta de Renan Calheiros (PMDB) à presidência do Senado, mesmo sob denúncias de corrupção, choca por aparentemente premiar alguém com conduta suspeita. Mas para o professor de Ética e Ciência Política Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a escolha de Renan pelos colegas é uma consequência natural do sistema político brasileiro. Ele afirma que a prática de troca de favores e o lobby dos estados em Brasília estão inseridos em um cenário que favorece a corrupção. “O importante é que o político tenha o carimbo de empreendedor, o que dá origem ao bordão popular ‘Rouba, mas faz’”. Nesta entrevista, Romano comenta essa estrutura política, as origens do partido do novo presidente do Senado e a participação da opinião pública na mudança de pensamento.
A entrevista é de Yuri Al’Hanati e publicada no jornal Gazeta do Povo, 03-02-2013.
Eis a entrevista.
De que forma as estruturas do poder estão relacionadas à corrupção?
O nosso modelo de presidencialismo concentra todas as iniciativas das políticas públicas no governo federal. Nada se faz no Brasil sem passar pela Presidência e pelos ministérios. Isso gera uma dificuldade para os municípios em conseguir obras. O pagamento por essa hegemonia do Executivo federal é a transformação de representantes do povo em lobistas dos municípios e das regiões. Isso quando não se tornam representantes de interesses do mercado e de grupos que nem sequer primam pela ética nos negócios. Ou seja, apenas quem é capaz de trazer obras e investimentos para sua região é eleito. O importante é que o político tenha o carimbo de empreendedor, o que dá origem ao bordão popular “Rouba, mas faz”. Quase não existe possibilidade de eleger e reeleger um político que seja apenas ético.
Dois dos principais nomes à eleição do Congresso, Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, são do PMDB. Ambos são também acusados de corrupção. Existe uma relação entre o partido e a corrupção?
Com o golpe militar de 64, houve a dissolução dos partidos para a criação de um sistema bipartidário. A Arena era formada pelos grandes oligarcas regionais. Eles abarcaram os cargos parlamentares, que por sua vez serviam apenas de intermediários de recursos para sustentar o presidente militar. O MDB ficou com a sobra dessas oligarquias. No fim da ditadura, o MDB, agora já transformado em PMDB, para ganhar o apoio das oligarquias da Arena em sua chapa, lançou José Sarney como vice de Tancredo Neves. Sarney foi um oligarca importante durante o regime; e ele locupletou todos os outros oligarcas ligados à sua sustentação [na Presidência]. Então o PMDB se tornou o grande partido oligárquico nacional, que expandiu suas bases para o Brasil inteiro e instalou no Congresso o “centrão” e sua política de dar para receber.
Como essa política é transmitida para os políticos de hoje?
O Renan Calheiros, por exemplo, era um militante do PCdoB, político de esquerda que começou a romper com o ideário socialista quando se aliou a Fernando Collor, representante da oligarquia de Alagoas. Depois, quando foi eleito senador, se uniu a José Sarney. Ele é herdeiro da oligarquia nacional e aprendeu muito bem a política de dar para receber. Além disso, desde Orestes Quércia, em 1994, o PMDB nunca mais apresentou um candidato à Presidência. Isso é estratégico porque qualquer partido grande sabe que não terá um concorrente no PMDB, mas terá que pagar o preço de seu apoio no Congresso com cargos. Então é possível entender por que Renan saiu da presidência do Senado por acusação de corrupção [em 2007] e por que volta agora sob a mesma acusação. Não há senador que não deva algum favor a Renan.
A conscientização da opinião pública sobre a corrupção tem alguma mudança prática no cotidiano político?
O que falta são análises estruturais. Nós somos muito presos aos resultados e muito pouco afeitos a pesquisar o funcionamento da máquina pública. Nossa visão do processo corruptivo é diacrônica [não tem sincronia]. Um escândalo em um dia, depois outro, depois outro... Essa sucessão de eventos cria um certo desânimo na opinião pública e deixa a imprensa e a polícia cansadas de correr atrás sempre das mesmas coisas. Essa dimensão nos faz esquecer que a corrupção é um sistema e como tal é sincrônica. No mesmo momento em que um escândalo estoura, toda uma rede está acontecendo ao mesmo tempo. O Renan não é corrupto porque é mau, mas sim porque essa é a única forma de fazer política no Brasil. E isso passa por uma cumplicidade do eleitor que observa apenas os resultados.
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“O Renan não é corrupto porque é mau, mas porque essa é a única forma de fazer política no Brasil”. Entrevista com Roberto Romano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU