11 Novembro 2014
“Caríssima, provavelmente não conheces a doutrina da igreja sobre a admissão à Santa Comunhão”. Respondia assim, há pouco tempo, um padre dominicano para uma pergunta desesperada de uma jovem a quem foi negada a hóstia pelo padre que a estava preparando – juntamente ao namorado – ao matrimônio. “Se recusou a entregar a eucaristia, mandando-os de volta aos seus lugares. Nenhuma explicação antes ou depois. O meu namorado ficou muito mal, chegou a chorar. Disse que deveria pelo menos nos ter dito duas palavras antes do ocorrido”. Explicava a moça em questão, “eu e o meu namorado já moramos juntos”, mas buscamos aquilo que Marcos colocou no seu Evangelho, “o homem deixará seu padre e sua mãe e se unirá a sua mulher, e os dois serão apenas uma carne”. Afinal somos bons cristãos, temos bons propósitos, somos fiéis um ao outro, vamos a missa e seguimos os ritos de preparação para o sagrado matrimônio como fala na Bíblia.
A reportagem é de Matteo Matzuzzi, publicada por Il Foglio, 08-11-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
E agora porque as portas são batidas na nossa face apesar de, há uma ano e meio, o vigário de Cristo na Terra, Francisco, diga nos jornais, nas homilias e discursos que aquelas portas sejam escancaradas porque todos podem entrar na igreja, hospital de campo? Onde Jesus disse que os que moram juntos devam ser excluídos, excluídos a se confinar em um limbo de pecado? Todos são acolhidos, diz o Papa. Ninguém excluído. Especialmente os que tem feridas a curar depois da batalha. Pragas para sanar “partindo de baixo”, advertiu há algum tempo Bergoglio, recomendando evitar permanecer em “provérbios pequenos” como o sábio e o zeloso, os escrupulosos e os cuidados por ele fraternamente repreendidos a conclusão do Sínodo sobre a família, há três semanas. Não é questão de doutrina, salva por rajadas inovadoras que, interpretando-a como um magma em movimento lento, queriam modernizá-la e adequá-la aos tempos atuais para “fazê-la entender melhor” aos homens e mulheres do século XXI.
Aquilo que Cristo falou não se toca, explica um pouco cada um, e também no Sínodo – em uma rede de disputas apaixonadas e efervescentes entre os padres – ficou claro que o vínculo era indissolúvel e permanece indissolúvel, e que o homem não pode dividir aquilo que Deus uniu. Mas e os outros? Existe uma diferença entre os divorciados recasados, entre aqueles que quebraram o vínculo sacramental de natureza divina contraindo um novo casamento civil – que para a igreja é inválido – e acabou antes, a um passo do sacramento, dando vida a um tipo de igreja doméstica construída com base no amor iluminado pela fé? Tomamos por base o caso de duas pessoas que moram juntas, que estão juntas com amor recíproco há trinta anos, fiéis uns aos outros, com filhos e netos cristãos: onde está escrito que não podem ser convidados à Eucaristia?
O ponto é que – explicava o dominicano – não se pode dar a comunhão a quem “obstinadamente vivem em pecado grave”, e quem convive comportando-se como se fossem marido e mulher recaem neste caso. “A convivência tem também relações sexuais entre os seus componentes, e essa está fora do projeto de Deus e o tira do seu verdadeiro significado. Não existe nada a adicionar.
Os trabalhos pré-matrimoniais são falsos, uma mentira. Dizia então o Papa, há pouco santo, João Paulo II, protetor da família. E com ele uma série infinita de normas de códigos, parágrafos e parágrafos do código de direito canônico, citações de versos trazidos do Velho e do Novo Testamento. Mas esta é uma logica totalmente estranha ao abraço evangelizador de Francisco, pronto a chegar a um acordo com o mundo para salvar os que estão nas periferias mais longínquas, observava a poucos dias no jornal La Croix Jean-François Chiron, professor da Universidade Católica de Lyon: “É preciso recordar daquilo que o Papa disse e escreveu”, e que “a eucaristia também constitui a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio destinado aos perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”.
“Clareemos de imediato, a questão é muito mais complicada”, disse o teólogo de vanguarda Andrea Grillo. “O fato é que a igreja precisa repensar as próprias categorias. O matrimônio sacramental tem uma construção antiga e nobre, mas hoje não existe mais correspondência imediata na sociedade em que vivemos. Correto, o matrimônio sacramental é ainda hoje um ponto de chegada ideal e ordinário, mas hoje tudo é muito mais complicado. É interessante notar como o debate sinodal também tem muitos posicionamentos que se refugiam naquilo que eu definiria como maximalismo, onde somente o máximo do bem é bem, enquanto todo o resto é mal. Mas São Tomé já sabia que existem níveis de realidade em que se pode bem perseguir também o mal menor, e penso que essa lógica será redescoberta”.
Ninguém coloca em dúvida que aquilo que Deus uniu não se pode separar, mas “a Palavra de Deus não define detalhadamente o que devemos entender com ‘aquilo que Deus uniu’, relativo aquilo que o ‘homem não deve separar’. Também quem foram um casal de fato se une em um vínculo, embora não sacramental. Somente no tempo de Cristo o fenômeno não existia: “De fato as categorias com que raciocinamos hoje são formadas na ausência destas experiências. Quando o modelo de família é modificado a vontade de vê-lo como fruto do pecado é muito forte e não quer dizer que hoje as coisas estão melhor”, acrescenta Grillo, para o qual “existe uma tentação de manter um modelo rígido de matrimônio sacramental, enquanto todo o resto, estranho a isso, deve ser condenado”.
Hoje, porém, “existem partes de bem que a igreja não pode não reconhecer. Se trata de todas aquelas experiências que rodam em torno do sacramento, que estão nos limites dele. Constituem para sempre uma identidade eclesial. Não é mais admissível registrar como pecado aquilo que não corresponde ao modelo que contruímos; um modelo de derivação medieval que entrou em crise com o século XIX”. O problema não está na Palavra de Deus, que é aquela transmitida pelo Evangelho, mas sim “da sua transcrição e tradução medieval”.
Alguém, há alguns anos, tentou abrir o hospital de campanha para os não casados. Era o ano de 2005, o pontificado de João Paulo estava no crepúsculo, e o Sínodo diocesano de Verona discute a ossibilidade de fazer da convivência pré-matrimonial uma espécie de pré-sacramento, um tipo de fase final legal antes da celebração do casamento na igreja, na frente de Cristo. “Teologicamente absurdo”, falou então Dom Ivo Cisar, histórico juiz do Tribunal eclesiástico regional do Vêneto hoje extinto: “Pastoralmente a igreja não pode desclassificar (nem o faz tacitamente) o pecado dos não casados. Para o que serviria? A um puro proselitismo? A igreja não pode dobrar a lei divina para os pecados e abusos de fato; dado este passo se aprovam todos os pecados. Cristo ao invés nos ordenou “Ensinem a todos a observar tudo aquilo que os mandei”. A substância, acrescia o sacerdote juiz, é que “as transgressões não justificam as pessoas, mesmo que fossem muitas, talvez a maioria, nem autorizam a abolir a lei, não a fazem cair, muito mais que essa é a divina”.
A água sob as pontes passa sempre da mesma forma. O Bispo de Roma hoje é um homem que antes era bispo em Buenos Aires, cidade das vilas miseráveis, a enorme favela que envolve o coração da capital argentina, onde a comunhão se dá a todos, sem se ater no currículo de que se aproxima do altar para receber a hóstia. “Nós respeitamos as pessoas. Se as pessoas procuram a comunhão, damos a elas a comunhão. Não somos juízes que decidem quem deve e quem não deve se comungar, diz o padre Pepe di Paola, que trabalha nas periferias e é amigo e discípulo de Bergoglio há uns vinte anos: “Procuramos ter uma linguagem mais propositiva, falar dos sacramentos, explicamos que os sacramentos são para todos”. Também para quem vive junto: "Quando nos encontramos na frente das pessoas que moram juntas sem estarem casadas na igreja não levantamos barricadas, nem no caso dos sacramentos e da comunhão. Nos opomos àqueles que tem apenas preceitos”.
Aqui, entre os barracos e ruas que quando chove se transformam em grandes córregos, “a maior parte dos casais vai viver junto diretamente, sem se casar. Aqui o casamento religioso não está no pensamento de muitas pessoas”, e então é necessário se adaptar, olhar a realidade, que não é mais aquela de cem, duzentos, trezentos anos atrás, e escolher o mal menor: “Aproximar e não rejeitar, incluir, tornar os casais participantes de um projeto, de uma comunidade, de uma casa comum. Estas pessoas seguidamente estão fora da igreja porque fazem escolhas diferentes das nossas, e se você se opuser, de maneira particular aos sacramentos, não obterá nada, simplesmente ficará de fora”.
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Comunhão aos que mantém união estável? A Igreja abre uma pequena porta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU