Por: André | 14 Julho 2014
William T. Cavanaugh (foto), teólogo católico que ensina na Universidade DePaul de Chicago, afirma a dimensão política da Igreja como corpo eucarístico de Cristo. Entrevista com um pensador inclassificável.
Fonte: http://bit.ly/1lZNZCm |
Já considerado como um dos grandes da sua geração, esse discípulo de Stanley Hauerwas trabalha a teologia em três frentes que não para de fazer dialogar entre si: a política, a eclesiologia e a ética econômica.
A entrevista é de Jean Mercier e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 08-07-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Por que você questiona a separação entre o religioso e o político, ao passo que esta separação é para os cristãos uma das conquistas positivas da modernidade, o que evita a confusão entre o temporal e o espiritual?
A meu ver, o processo de secularização, iniciado no século XVI, é menos uma separação estrita entre o religioso e o político do que um deslocamento das suas fronteiras mútuas. Na verdade, o sagrado progressivamente migrou da Igreja para o Estado: o Estado moderno constituiu-se contra a Igreja absorvendo suas prerrogativas. Ao longo dos séculos, o Estado viu-se cada vez mais investido de uma dimensão sagrada, especialmente em sua capacidade de trazer ordem e proteger socialmente os cidadãos, especialmente pelo Estado providência, enquanto a religião foi gradualmente relegada ao espaço íntimo, tornando-se cada vez mais inofensiva e insignificante.
Você tem saudades da era constantiniana?
Absolutamente não! É bom que nos tenhamos afastado dela, e eu não tenho nenhum tipo de saudade pela aliança entre o trono e o altar! Mas eu penso que devemos questionar os próprios termos da divisão entre o religioso e o temporal. Eu sou a favor da separação entre Igreja e Estado, mas eu me oponho a uma separação entre o religioso e o político. A distinção é fundamental.
Como os cristãos devem se engajar na arena política?
Nossa imaginação sobre o assunto se atrofiou. A ação política não é, em primeiro lugar, uma estratégia de influência para pressionar os que têm o poder. O lobby não deve ser a primeira atitude do cristão. Eu não estou dizendo que tudo seja ruim nesta área. Mas, faz-se necessário uma outra maneira de abordar as coisas. Como disse Stanley Hauerwas, os cristãos devem pensar doravante como "residentes estrangeiros", como peregrinos conscientes da sua vocação escatológica e sua participação no corpo de Cristo, que é maior do que a sua cidadania terrena. Por conta disso, devem criar comunidades que testemunhem essa outra ordem de valores nos quais acreditam. É preciso que o corpo de Cristo seja visto fortemente através da vida radicalmente diferente dos seus membros.
Não há um profetismo verdadeiramente específico dos cristãos, por exemplo, quando denunciam algumas rupturas antropológicas?
Sempre podemos denunciar... Nos últimos meses, os bispos norte-americanos estavam bem avançados neste assunto. Eles fizeram campanha pela liberdade religiosa e contra a política de saúde de Obama. Certamente, o governo não deve nos obrigar a agir contra a nossa consciência. Mas, eu sou crítico quando vejo a forma como a campanha foi conduzida, com um discurso apocalíptico sobre a decadência do nosso país, sobre o fundo de exaltação nacionalista. Francamente, eu acho que estaríamos melhor servidos se os bispos se comportassem um pouco menos como profetas e um pouco mais como pastores! Quando denunciamos uma situação, devemos sempre fazê-lo numa atitude prudente e deontológica. Há muita retórica profética vindo da Igreja, muitas vezes sobre a sexualidade, ao passo que é muito reservada sobre outras questões, como a tortura ou o tratamento dos imigrantes na fronteira mexicana.
Os cristãos estão condenados a lutar na contra-corrente?
Os cristãos podem ter vontade de posicionar, dizendo: nós rejeitamos a cultura da morte, mesmo sob o risco de sermos marginalizados, porque estamos em minoria. Mas a marginalização só deve ser aceita como uma consequência do nosso seguimento de Cristo, e não como um objetivo primeiro.
Até que ponto devem assumir suas escolhas?
Os católicos americanos que criticaram duramente o Obama por seu programa de saúde martelaram o slogan segundo o qual nós não podemos escolher entre “ser católico” e “ser americano”. Eu acredito, ao contrário, que se nós temos convicções, não podemos ganhar em todas as frentes, e que é preciso, às vezes, escolher entre ser um bom americano e ser um verdadeiro católico. Os bispos norte-americanos, muitas vezes, escolheram o patriotismo em detrimento do Evangelho. É claro, por exemplo, que no momento da guerra no Iraque, não poderíamos ser verdadeiramente católicos – o papa condenou severamente a guerra – e passar por um bom patriota aos olhos de todo o mundo! Se os católicos tivessem começado a dizer que essa não era uma guerra justa e que eles não a fariam para honrar a teoria católica da guerra justa, as coisas teriam sido diferentes.
O cristianismo deveria ser contra-cultural?
Não! Porque isso implicaria na existência de um grande bloco monolítico chamado cultura, e que se deveria ser a favor ou contra. Ora, esta cultura monolítica é um mito. Na sociedade, há campos em que os cristãos são contra-culturais e outros, não. Certa vez eu pedi para um monge trapista dar uma conferência sobre o monaquismo como contra-cultura. Ele decepcionou muito meus alunos dizendo-lhes que era um absurdo! Segundo ele, a vida monástica não é uma negação, mas uma afirmação. Como cristão, você sempre será mais atraído a viver concretamente o que você pensa, sendo um testemunho. Eu preferiria, por exemplo, que os cristãos criassem comunidades econômicas verdadeiramente diferentes, e não somente que se manifestassem na frente do Banco Mundial!
Você insiste muitas vezes sobre a dimensão política da Eucaristia. Por quê?
A liturgia encarna a nossa rejeição da separação entre a religião e a política. Há algo de muito político na adoração do Santíssimo Sacramento, por exemplo: não temos nada a fazer, apenas estar na presença de Deus. Esta é uma das poucas atividades em que não se está para consumir! É um ato político. Eu gostaria que aqueles que adoram a Eucaristia e aqueles que se ocupam da justiça social fossem os mesmos.
O testemunho deveria ir até o martírio?
Existem hoje muitos verdadeiros mártires, bem mais que sob o Império Romano, e, por isso, eu não gostaria de fazer deste um conceito metafórico. Eu preferiria falar de testemunho ascético, especialmente em nosso mundo marcado pelo consumismo. A ideia de não satisfazer os seus instintos é uma ideia subversiva. Quando eu dou o meu curso sobre a Igreja e o consumismo, proponho aos meus alunos não apenas renunciar durante três semanas ao telefone celular, à internet, ao sexo, ao fumo, ao álcool, ao açúcar e aos ingredientes artificiais na alimentação, mas também para rezar uma parte do dia em silêncio. Eles dizem que isso os transforma. Isso também pode confluir para as preocupações que temos sobre a ecologia. A raiz do problema ecológico é precisamente que nós fazemos de nós mesmos deuses. Viver a humildade é um ato político.
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“O religioso é indissociável do político”. Entrevista com William Cavanaugh - Instituto Humanitas Unisinos - IHU