28 Mai 2014
Pensar o Net-ativismo, para o sociólogo italiano Massimo Di Felice, é pensar as relações em rede. Relações estas que ultrapassam os limites do virtual e se reconfiguram no próprio modo de estar no mundo do ser humano, cuja existência hoje perpassa a lógica da conectividade. Um modo de interação e participação que permite o aparecimento de uma ecologia que não é apenas do humano e de suas ações, mas de todo um fluxo conectivo entre orgânico e não orgânico.
O sociólogo, que atualmente é professor da Universidade de São Paulo, esteve na Unisinos no dia 14-05-2014, ministrando a palestra Os efeitos pós-políticos da emergência do Net-ativismo, parte do III Seminário preparatório para o XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea.
De acordo com ele, esta formação surge com o advento das redes digitais, sobretudo após a banda larga, quando se cria um tipo novo de internet. Antes, a “primeira internet” é uma rede de computadores, de troca de mensagens e texto (escrito). Com a implementação dos cabos de fibra ótica, a humanidade passa a experimentar outro tipo de internet, que não mais conecta apenas máquinas, mas pessoas, permitindo armazenar e compartilhar também áudio, vídeo e outras informações.
“Esta internet deixa de ser uma rede de computadores e se torna uma inteligência”, propõe. “Uma grande quantidade de informações online que podem ser acessadas por meio de dispositivos.” Nesta nova lógica, a velocidade e a conectividade tornam-se gargalos bastante importantes. Outro elemento importante é o de mobilidade, o estar Always online.
Essa inteligência coletiva das redes cria uma assim chamada sociedade dos amadores, que recusa especialistas. Di Felice relembra Kierkegaard, cuja famosa citação versa sobre a necessidade de, ao se falar em mídia ou comunicação, distanciá-la o máximo possível da opinião dos jornalistas ou dos intelectuais na moda. “Deve-se, ao contrário, reconhecer que, quando se menciona a palavra comunicação, não se faz simplesmente referência à informação e à mensagem, mas se define o modo que uma época ou uma determinada sociedade se relaciona com os mortos, os vivos e a natureza.”
A proposta não é a ideia da comunicação industrial, segundo o modelo de Shannon-Weaver, com a estrutura [receptor]-[mensagem]-[emissor] ou suas variações. A linearidade dos processos, atualmente, já não faz mais sentido. “Segundo as definições de Paul Baran, é possível pensar em três tipos de redes: centralizadas, descentralizadas e distribuídas.” Pensar as redes distribuídas é pensar uma comunicação pós-industrial, inserida em uma nova arquitetura de complexidade. “Em todos os âmbitos, estamos observando a passagem de uma complexidade sistêmica para uma complexidade reticular.”
Ao se pensar essa outra internet (ou outra comunicação), há um termo proposto pelo MIT que vem sendo bastante utilizado: a internet das coisas. Diz respeito à possibilidade de que hoje todo objeto pode emitir informações através de sensores para banco de dados. O sociólogo vai contra essa ideia, pois “pensar uma internet das coisas implica pensar uma internet dos humanos”. Como tal divisão não faria sentido ao se pensar as redes, Di Felice prefere pensar em uma nova ecologia, que conecte elementos orgânicos e não orgânicos.
E como é feita esta conexão? Sensores internos ou satélites circulando a atmosfera são apenas alguns dos exemplos. “Hoje até mesmo nosso DNA é armazenado em banco de dados. Estamos em processo de digitalização total, e a ecologia digitalizada leva à internet ecológica.” A ideia de conectar o humano ao não humano permite expandir a consciência do impacto do nosso desenvolvimento na biosfera, unindo o que antes estava separado. Para Di Felice, Bruno Latour descreve bem essa nova forma ecológica pelo exemplo do trabalhador que, ao ir para seu emprego, pensa se deve ir de carro, bicicleta ou ônibus devido à emissão de CO2. “Essa conexão antes era impensável. Cada vez mais é possível pensar numa perspectiva biosférica e urbana.”
A conexão altera elementos que se conectam. Numa lógica sistêmica, A está em relação com B, mas A permanece A e B permanece B. No entanto, para a lógica conectiva, não existe o outro, ou o externo, e é a partir da existência de B que A experiencia sua própria existência. “Água, proteína, comida... O ‘externo’ compõe nossa humanidade”, propõe o sociólogo. “Na natureza isso é muito visível com os recifes de corais: eles existem e se mantêm vivos a partir de outros animais que vivem, morrem e se decompõem naquele ambiente. Não há externalidade, há conectividade. O que é diferente.”
Quem é Massimo Di Felice?
Massimo Di Felice é graduado em Sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, de Roma, possui doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP e pós-doutorado em Sociologia pela Universidade Paris Descartes V, Sorbonne.
Professor na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, coordena o Centro de Pesquisa Atopos (ECA/USP), que desenvolve estudos sobre as transformações sociais promovidas pelo advento das novas tecnologias comunicativas digitais. É professor visitante da Libera Università di Lingue e Comunicazione (IULM) de Milão e autor de ensaios e artigos editados na Itália em revistas acadêmicas tais como La Critica Sociológica e Agalma.
No Brasil, coordena a coleção Era Digital, na qual é organizador das obras Do público para as redes (2008) e Pós-humanismo (2010), e a coleção Atopos (Editora Annablume), na qual publicou os livros Paisagens pós-urbanas: O fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar (2009) e Redes digitais e sustentabilidade: As relações com o meio ambiente na época das redes (São Paulo: Annablume, 2012).
(Por Andriolli Costa)
Fotos: Andriolli Costa
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Da complexidade sistêmica à complexidade reticular - Instituto Humanitas Unisinos - IHU